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Peças infantis cearenses conquistam a meninada, mas merecem ajustes
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Peças infantis cearenses conquistam a meninada, mas merecem ajustes

Críticos convidados do VI Encontro de Realizadores de Teatro escrevem sobre as montagens apresentadas durante o evento, realizado entre 6 e 10 de maio
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Foto: TIM OLIVEIRA/DIVULGAÇÃO/PAVILHÃO DA MAGNÓLIA "A Viagem de um Barquinho" é encenado pelo Pavilhão da Magnólia

A abertura da programação do VI Encontro de Realizadores de Teatro Para as Infâncias, na última terça-feira, 6, no Teatro do Cuca Mondubim, contou com duas montagens cearenses, “A Viagem de um Barquinho”, do Grupo Pavilhão da Magnólia, promotor do evento, e “João Preguiça”, da Cia. Prisma de Artes.

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São dois exemplos de inegável comunicabilidade com as plateias, a primeira peça pelo universo surreal e onírico, e a segunda pelo viés rasgadamente popular. Ambas produzidas em condições ainda difíceis (pós-pandemia com seus reflexos perniciosos), elas trazem qualidades ao palco, especialmente na resistência a favor da linguagem infantil, mas me atrevo a apontar questões que, acredito, enrijecem as duas criações artísticas.

“A Viagem de um Barquinho” e o Grupo Pavilhão da Magnólia

Adaptando a obra inventiva da carioca Sylvia Othof, a turma do Pavilhão convidou novamente o diretor Miguel Vellinho, o mesmo do inesquecível “Ogroleto”, para conduzir este novo trabalho, que reaproxima o grupo do brincar desmedido. Os figurinos apostam em cores berrantes, a atuação não se poda de histrionismos e há um certo clima exagerado para nos mostrar a jornada de um garoto que perdeu o seu barquinho de papel e parte na tentativa de recuperá-lo. Agora não mais do lado de uma lavadeira que trabalha à beira d’água, mas de sua empoderada tia que comprou uma máquina de lavar cujo derramamento fez nascer o próprio rio (cena ótima).

O novo prólogo, que traz dois atrapalhados carregadores com a enorme caixa onde está o eletrodoméstico adquirido, já conquista a meninada, mas senti um descompasso, na verdade, do elenco (Eliel Carvalho, Silvianne Lima, Nelson Albuquerque e Jocasta Brito) ao incorporar as falas da autora.

Tudo parecendo ser mais exibido do que vivido, especialmente na sonoridade das vozes e numa teatralidade da cena que, a meu ver, às vezes necessita de maior vagar. O melhor momento, por exemplo, quando surge um sapo no recurso do boneco de luva, é tão rápido que mal podemos absorver a construção e desconstrução daquela fantasia.

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Sabe-se que o caráter lisérgico é a força das criações da dramaturga carioca, mas, como diz o menino à própria tia, é preciso parar para respirar. O ritmo menos alucinante na presença e na canção da inédita lua em suas fases, como outro exemplo, ajudaria a degustarmos melhor as surpresas da montagem, merecendo inclusive retoques na luz, no figurino kitsch e na trilha sonora.

Ainda que com percalços que podem ser superados, "A Viagem de um Barquinho" encanta crianças e adultos pelo humor e poesia ao abordar mudanças, despedidas e a conclusão de que a transitoriedade é inevitável. Pelo simples e indispensável desejo de ir e vir quando se desejar.

“João Preguiça” e a Cia. Prisma de Arte

Por sua vez, na esteira do aproveitamento de um conto popular, a realização da Cia. Prisma de Artes mal chega e já convida a plateia a uma interação constante. “Tem menino aí?”, grita de antemão um dos palhaços saltimbancos que nos levará a conhecer João Preguiça, um dorminhoco que só pensa em descansar na rede, até que sua irritada mãe o instigou a arranjar emprego.

Aliás, vários em tentativa. A narrativa é bem simples e cheia de repetições, criando intimidade com as crianças, muitas delas empáticas a participar. Cantam como galo, gritam possíveis novos serviços ao rapaz e torcem para que ele, como era de se esperar, encontre uma profissão que lhe dê (ao menos) alegria.

E o que ele escolhe? Ser artista, claro, descobrindo até mesmo o amor para o final feliz ser completo. O pacto com o público se dá pelo carisma inegável dos atores Gal Saldanha e Raimundo Moreira, mas também percebo uma ranhura não só na acanhada trilha musical com gravação prévia, mas também entre os momentos de improviso e o desenrolar das falas das personagens, às vezes em ritmo que causa histeria na criançada, noutros no tempo exato em que o ex-preguiçoso precisa para compreender os equívocos a serem evitados a cada ocasião.

Nessa ode à disposição ao trabalho, não faltam a versatilidade nos tipos que vão e vêm, mas o figurino merecia base mais neutra para a composição visual ser realmente diferenciada. A direção de Herê Aquino conduz com graciosidade o desenrolar da trama, no entanto, penso que a obra funciona organicamente mais próxima do público (na rua, na praça ou no pátio de colégio), na perspectiva de se dar à dramaturgia contornos bem mais engraçados em cocriação.

O VI Encontro de Realizadores de Teatro Para as Infâncias é um projeto que conta com o apoio da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, via Lei Paulo Gustavo (LC nº 195/2022) através do Edital de Apoio a Festivais Culturais do Ceará – 2023 e pelo Programa Funarte de Apoio a Ações Continuadas nos Espaços Artísticos.

Vida longa ao projeto e às duas montagens!

O VI Encontro de Realizadores de Teatro Para as Infância foi realizado entre os dias 6 e 10 de maio em vários locais de Fortaleza.

*Leidson Ferraz é jornalista, pesquisador teatral e doutorando em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).

Acompanhe

As críticas das nove peças que integraram o VI Encontro de Realizadores de Teatro para as Infâncias, organizado entre 6 e 10 de maio, seguem sendo publicadas no portal do Vida&Arte. Os textos são escritos por críticos teatrais convidados pelo evento e falam sobre montagens como "O Poderoso de Marte", do grupo Teca (BA), e "Circo de Coisas", da Cia. Circo de Bonecos (SP).

 

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