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Mercado editorial: a importância dos prêmios literários para os novos escritores
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Mercado editorial: a importância dos prêmios literários para os novos escritores

Em meio ao II Prêmio Literário Demócrito Rocha, escritores cearenses debatem o impacto e os desdobramentos de uma premiação literária em suas carreiras
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FORTALEZA-CE BRASil - 24.11.2025 -  Entrega do Prêmio Literário Demócrito Rocha (João Filho Tavares O Povo) (Foto: JoaoFilho Tavares)
Foto: JoaoFilho Tavares FORTALEZA-CE BRASil - 24.11.2025 - Entrega do Prêmio Literário Demócrito Rocha (João Filho Tavares O Povo)

Em 24 de novembro, foram revelados os vencedores do II Prêmio Literário Demócrito Rocha, promovido pela Fundação Demócrito Rocha (FDR).

A celebração, que aconteceu nos jardins do Grupo de Comunicação O POVO, além de premiar obras em três categorias que abordam a relação com o território cearense, também serviu para suscitar questionamentos sobre a importância do reconhecimento na literatura.

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Se antes, para a publicação de um livro, a preocupação de um autor se direcionava à junção de palavras, hoje, o mercado exige que se pense na editoração e em formas de ser encontrado pelo público em meio à avalanche de publicações.

Em meio a um cenário editorial que nem sempre é receptivo para a ascensão de novos autores, surgem, então, os prêmios literários, como um caminho para viabilizar financeiramente a circulação das obras e valorizar os escritores.

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Alguém que vivenciou esse cenário foi Mailson Furtado, artista natural de Varjota, cidade com menos de 20 mil habitantes localizada no Noroeste cearense. Em 2018, seu livro "À Cidade" foi eleito o Livro do Ano no 60º Prêmio Jabuti, evidenciando a repercussão de uma obra feita de forma artesanal e com poucos recursos.

A importância dos prêmios literários

"Os prêmios têm um impacto gigantesco dentro da obra de qualquer autor, pois acabam sendo uma espécie de guia, de que se está trilhando um caminho certo. Além de uma validação, os próprios leitores precisam, porque se está numa fase em que há muitas publicações. Então, para qual lado o leitor vai olhar?", questiona Mailson.

Para o escritor, que começou em um cenário árido de poucas oportunidades há 15 anos, hoje, a competitividade do mercado ganha novas facetas com o excesso de publicações, inclusive no meio digital.

"Os desafios são outros, sobretudo por conta das interações nas redes sociais. Hoje o mercado está inflado, e, se por um lado, democratiza a produção, por outro, não permite que o leitor tenha tempo de consumir tudo o que está sendo produzido. É um desafio enorme para os autores contemporâneos conseguirem encontrar esse seu lugar ao sol de forma não tão áspera", explica.

O desafio de entrar no circuito comercial se amplifica, sobretudo em um País em que, pela primeira vez, o número de não leitores superou o de leitores, de acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil 2024, divulgada pelo Instituto Pró-Livro.

Para Mailson, com o parco número de leitores, torna-se ainda mais dificultoso para autores cearenses, que estão deslocados do eixo hegemônico da produção literária nacional.

"Para nós, que somos independentes e que estamos em um estado periférico em relação ao grande eixo econômico e editorial do Brasil, que é o eixo Rio-São Paulo, se potencializa de uma forma drástica na distribuição do livro", afirma.

É com esse escopo que o Prêmio Literário Demócrito Rocha surgiu em 2024, como uma extensão dos projetos da Fundação Demócrito Rocha (FDR), no intuito de contribuir para a concepção de histórias que abordem o Estado.

"Observamos que a literatura cearense estava muito em evidência, mas ainda havia carência de um prêmio no Estado que tivesse expressão e pudesse dar visibilidade local aos nossos autores", explica Valéria Xavier, coordenadora-geral do prêmio e coordenadora de projetos especiais do O POVO.

Com o tema "A relação do cearense com a geografia da sua terra", neste ano, o mote foi dar destaque a histórias que abordem identidade, território e pertencimento, e que tivessem como pano de fundo o sertão, as serras ou o litoral.

"O tema central foi a relação do homem e da mulher cearense com a geografia do seu território. A proposta era investigar como a localidade impacta no humor de quem nasce, mora e cresce no sertão, no litoral ou nas serras, como essa geografia influencia traços de humor, personalidade e também culturais, e o Ceará é um estado muito rico nesse aspecto", conta Valéria.

Nas categorias Ensaio Social (pesquisa), Prosa de Ficção (romance, livro de contos ou livro de crônicas) e Poesia (livro de poemas), o prêmio elegeu "Raízes da Terra", de Rayane Lopes, "Sertão em Mim", de Fabiana Guimarães, e "Peixes Indóceis em Mar Revolto", de Igor Moreira, respectivamente.

Além do troféu, cada um dos vencedores recebeu R$ 3 mil em direitos autorais, publicação do e-book e a produção de um audiobook. Na versão digital, cada obra teve seu projeto gráfico e ilustrações originais desenvolvidos pelas Edições Demócrito Rocha (EDR), sob a assinatura do artista Carlus Campos.

"Além do reconhecimento, a felicidade é grande ao poder ver essas narrativas ganhando um público maior. Quando escrevemos, no início, acaba chegando a um nicho específico. O prêmio é responsável por disseminar para aqueles que não teriam acesso", explicou a autora Rayane Lopes, em bate-papo com os autores vencedores mediado pelo jornalista do Vida&Arte, Miguel Araujo, no canal da FDR.

 

FORTALEZA-CE BRASil - 24.11.2025 -  Entrega do Prêmio Literário Demócrito Rocha (João Filho Tavares O Povo)
FORTALEZA-CE BRASil - 24.11.2025 - Entrega do Prêmio Literário Demócrito Rocha (João Filho Tavares O Povo)

Sertão em Mim

Vencedora da categoria Poesia, com a obra “Sertão em mim”, Fabiana Bezerra começou a refletir sobre o território após saber da passagem do espetáculo “Os Sertões”, de Thiago Arrais, em Quixeramobim.

“Comecei a refletir sobre esse lugar que não é só físico. Vi então que havia múltiplos sertões dentro da palavra, que iam além da paisagem árida. E, então, surgiu um jogo de palavras: sertão em mim/ ser tão em mim”, elucida.

Dividida em 23 seções, a obra faz uso de versos longos e cadenciados para conduzir o leitor em uma viagem narrativa em que o eu lírico vai se transformando a cada novo capítulo.

Para Fabiana, a ideia de abordar o sertão surgiu no intuito de ressignificar uma região que às vezes é reduzida ao estereótipo da seca e de narrativas negativas.

“É um lugar metafórico, muitas vezes excluído. E nós, que escrevemos, temos essa relevância de trazer temas e dar espaço para pessoas que são silenciadas poderem falar, como sertanejos, negros, indígenas e pescadores”, conta Fabiana.

Segundo a autora, ao eleger a geografia do território cearense como temática, a premiação também propõe um convite à reconexão com a natureza do Estado.

“Eu acho que prêmios são necessários para nos incentivar. Nós escrevemos e precisamos desses sinais de que estamos no caminho certo, além de nos dar visibilidade. O Prêmio Demócrito Rocha é muito afetivo para mim, pois traz uma proposta decolonial para a literatura. Vejo nele uma filosofia de temas mais inclusivos”, finaliza.

Igor Moreira, vencedor da categoria Prosa de ficção no 2º Prêmio Literário Demócrito Rocha (João Filho Tavares O Povo)
Igor Moreira, vencedor da categoria Prosa de ficção no 2º Prêmio Literário Demócrito Rocha (João Filho Tavares O Povo)

Peixes Indóceis em Mar Revolto

Formado em Direito, com prática na assessoria jurídica popular, Igor sempre esteve em contato com a luta de comunidades minoritárias e movimentos sociais.

Contudo, foi ao olhar para a interação entre o homem, a mulher e esse ecossistema litorâneo do Ceará que surgiu sua obra “Peixes Indóceis em Mar Revolto”, vencedora da categoria Prosa de ficção.

Reunindo histórias de naufrágio, lagoas encantadas e pescadores, a obra também inclui quatro contos que versam sobre um grupo de estudantes guineenses instalados em Fortaleza, e misturam relatos fidedignos com a curiosidade e o estranhamento de quem não está em seu local de origem.

“A conversa é a base de tudo para mim. Na conversa você ouve muito e esse livro é sobre histórias que eu ouvi. Não são só as pessoas, pois existe um encantamento sobre elas também. E o litoral não é só uma paisagem. Ele é ativo, ele age sobre a gente e eu tentei passar essa ação desse ecossistema e da cultura praiana de uma forma literária”, explica Igor.

Além do troféu físico, cada um dos três vencedores recebeu R$ 3 mil em direitos autorais, publicação do e-book e a produção de um audiobook. Na versão digital, cada obra teve seu projeto gráfico e ilustrações originais desenvolvidos pelas Edições Demócrito Rocha (EDR), sob a assinatura do artista Carlus Campos.

“Escrevemos, obviamente, por uma realização pessoal, mas para nos expressarmos, e quem se expressa quer se expressar para alguém. Então, o prêmio viabiliza isso, ampliar a comunidade de leitores. Isso é muito bom”, afirma o autor.

Rayane Lopes, vencedora da categoria Ensaio social no 2º Prêmio Literário Demócrito Rocha (João Filho Tavares O Povo)
Rayane Lopes, vencedora da categoria Ensaio social no 2º Prêmio Literário Demócrito Rocha (João Filho Tavares O Povo)

Raízes da Terra

Natural de Juazeiro, na Bahia, Rayane Lopes se mudou para o Ceará com 5 anos, quando já se considerava uma leitora ávida. Com o livro “Raízes da Terra”, fruto de seu Trabalho de Conclusão de Curso de jornalismo, ela foi vencedora da categoria Ensaio Social.

A obra explora a história de luta e resistência do povo Anacé, povo indígena que habita a região da Caucaia e sofre com os impactos do Complexo Industrial e Portuário do Pecém.

“São muitos impactos: desde pessoas terem que se deslocar da própria terra até questões como água contaminada. São questões que atravessam essa população e que, muitas vezes, não encontramos tanto na mídia tradicional. Foi algo que me impactou muito quando tive acesso e foi uma história que resolvi que valia a pena ser contada”, explica.

Depois de quase um ano de apuração, para Rayane, poder se imergir na história do povo Anacé foi também uma forma de transformação pessoal, mediante o que aprendeu durante as entrevistas.

“É ímpar a forma como os povos tradicionais lidam com a terra. É uma relação mutualística em que eles tiram da terra, mas também dão muito por ela. Eles fazem tudo por aquele território, onde os troncos velhos se encantam. Então vemos esse poder dos povos tradicionais e sua importância para a preservação das nossas matas originárias também”, relata.

Para ela, por meio do prêmio, a oportunidade é de fazer com que sua pesquisa ganhe novos públicos, no intuito de conscientizar sobre as consequências ambientais inerentes a grandes empreendimentos que alteram as dinâmicas dos territórios.

“Nem todas as narrativas de desenvolvimento representam o mesmo desenvolvimento para todos. Então essas histórias são também uma forma de conscientizar sobre a importância desses povos tradicionais no Ceará. Eles também trazem um outro tipo de desenvolvimento que é fundamental para a perpetuação da nossa cultura”, defende.

Assista à live especial do II Prêmio Literário Demócrito Rocha

Entrevista realizada pelo jornalista Miguel Araujo no canal da  FDR: https://www.youtube.com/live/90C8kVRFjg4 

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