Hércules Modesto de Souza, escultor. Vi primeiro o trabalho. Um presépio de madeira, com vinte e quatro figuras sentadas, uma ao lado da outra, em um estreito e longo banco. Figuras e banco miniaturizados, é um presépio de dupla anunciação. Além do nascimento do Menino Deus, diz sem uma palavra, com a eloqüencia de uma promessa desejada e pronta para acontecer: a brincadeira vai começar.
Simples como uma linha, e fecunda para convocar a imaginação, a composição do Hércules é singular. Esculpidas uma a uma na imburana, pela 'docilidade ao talho' a madeira preferida para a xilogravura, as figuras estão prontinhas para entrar em cena. São seis anjos, a sagrada família, três reis e pastores visitadores, burricos, camelos, carneiros, vaca, boi e, o que deu mais trabalho, o galo, "difícil fazer um galo sentado". Os bichos são os únicos que não têm pernas de "palitos feitos de espeto de churrasco que vende em mercantil", mesmo material das pernas do banco de maçaranduba e dos pinos que fixam cada peça no assento.
O presépio feito por Hércules Modesto estava entre os quarenta e três feitos por mulheres e homens em arame, argila, fibras vegetais, papel e pedra, dentre outros materiais, inscritos na edição 2025 do concurso anual realizado pela Ceart - Central de Artesanato do Ceará. Estive outra vez no júri. Há anos vou ver a mostra na loja da Aldeota. E torço para que a própria Ceart venha a constituir um acervo público.
"Nascido e criado em Juazeiro do Norte", Hércules tinha 12 anos em 2000 quando foi levado pelo pai ao Centro de Arte Popular Mestre Noza para acompanhar o trabalho de dois tios maternos, Paulo Sérgio e Severino Silva de Souza. "No começo era só brincadeira." Tornou-se iniciação no ofício.
A escola no Mestre Noza lhe proporcionou mais encontros, e contínua aprendizagem na lida com a madeira. Cita Beto, Adalberto Soares da Silva. Aprendeu a fazer o "monte de mulheres juntas" com Diomar Freitas Dantas (1974-2019), o Diomar das Velhas, por sua vez iniciado pelo mestre Nino (1220-2002). Se Zumbin, de batismo Cícero Caetano Rodrigues, foi iniciado pelo irmão Raimundo Caetano Rodrigues, o Racar (1966-2024), Hércules aprendeu com os dois. "A gente aprende com tudim."