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Real Digital: promessa de mais exportações e competitividade
Reportagem Especial

Real Digital: promessa de mais exportações e competitividade

Interligação com hubs de desenvolvimento do comércio exterior e de tecnologia de informação facilitarão uso do Real Digital no Ceará, aumentando impacto da moeda na economia local

Real Digital: promessa de mais exportações e competitividade

Interligação com hubs de desenvolvimento do comércio exterior e de tecnologia de informação facilitarão uso do Real Digital no Ceará, aumentando impacto da moeda na economia local
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O Real Digital está previsto para fazer parte do cotidiano dos brasileiros a partir de 2024 com a promessa de revolucionar toda a cadeia financeira do Brasil. A tecnologia é chamada de “Central Bank Digital Currencies (CBDCs)”, por ser uma representação da moeda tradicional, porém, no ambiente virtual e terá impacto singular na matriz econômica do Ceará.

Diferentemente de uma criptomoeda que não apresenta regulamentação ou gestão centralizada, o Real Digital será produzido e gerenciado pela autoridade monetária brasileira. O intuito, conforme o Banco Central, é "estimular novos modelos de negócio que aumentem a eficiência do sistema de pagamentos de varejo”.

Uma das principais aplicações buscadas pelo BC é aumentar a dinamicidade em trocas comerciais e possibilitar transações cambiais com menor burocracia. Assim, pagamentos transfronteiriços ligados ao comércio exterior são um dos principais campos de atuação buscado pelo Real Digital.

"Não estamos falando de uma substituição do real físico, mas sim de uma operação conjunta e complementar que seja capaz de cobrir lacunas e superar fricções que a moeda tradicional tem dificuldade em superar”, argumenta o diretor de Organização do Sistema Financeiro e de Resolução do Banco Central, João Manoel Pinho em transmissão ao vivo sobre o assunto.

A partir da adoção da moeda digital, o Banco Central prevê aumento de competitividade entre instituições financeiras, maior rapidez nas trocas comerciais e facilidade para transações de importação e exportação. Outro ganho, conforme a entidade, será o aumento da inclusão financeira.

 

 

 

A moeda digital e o Ceará

 

Com as diretrizes de arquitetura de pagamentos com a moeda digital e regulamentação ainda a definir, o Banco Central ressalta a complexa infraestrutura necessária para adoção do Real Digital. Pontos como conectividade e uma boa saúde fiscal são pontos destacados pela entidade e representam diferenciais do Ceará no contexto de implementação do Real Digital.

"O Ceará está se destacando não só em relação ao Nordeste, mas ao Brasil. Nós estamos fortalecendo nossas cadeias econômicas internas e montando novas estruturas de negócios. Com o hub de dados e o de comércio exterior, a moeda digital fará o Estado viver um boom de novos investimentos”, analisa Wandemberg Almeida, membro do Conselho Regional de Economia Ceará (Corecon-CE).

 

"Com a nova tecnologia da moeda digital teremos uma aproximação maior entre produtores e investidores e uma automação da cadeia financeira que fornecerá subsídio para transformações econômicas de forma muito mais rápida." Wandemberg Almeida, do Corecon-CE

 

Por meio do fortalecimento dos clusters de desenvolvimento no Estado, Wandemberg afirma que o fluxo monetário e de investimento no Ceará será dinamizado com maior assertividade e rapidez do que em outros locais. O economista afirma ainda que o sistema econômico mais dinâmico será um incentivo para parcerias comerciais entre empresas locais.

“Nós já vivemos esse movimento com a política econômica atual. Com a nova tecnologia da moeda digital teremos uma aproximação maior entre produtores e investidores e uma automação da cadeia financeira que fornecerá subsídio para transformações econômicas de forma muito mais rápida”, pondera.

Com a facilidade de transações entre pessoas em países diferentes com finalização instantânea, a moeda digital deverá aumentar a atratividade de investimentos estrangeiros no Estado. Wandemberg completa a análise ao destacar que o mesmo contexto também terá influência em investidores locais.

 

"O interior deixou de ser matuto, negócios com grande potencial surgem no interior do Estado e outros migram para o interior buscando crescimento, a moeda digital conectará todos os agentes econômicos." Wandemberg Almeida

 

“Às vezes, as pessoas tendem a investir fora de sua região por desconhecerem o potencial de aplicabilidade dos negócios daquele local, e desistem por não entenderem os sistemas de investimento mais complexos, mas com o Real Digital do Banco Central, as pessoas terão segurança e os mecanismos necessários para fazer aplicações nas empresas locais”, afirma.

Para o economista, isso permitirá uma interiorização mais acentuada do desenvolvimento econômico, com uma reformulação bancária e financeira em municípios que até então possuíam pouco ou nenhum acesso a serviços bancários. “O interior deixou de ser matuto, negócios com grande potencial surgem no interior do Estado e outros migram para o interior buscando crescimento, a moeda digital conectará todos os agentes econômicos”, finaliza.

 

 

Avanços possíveis com o novo dinheiro

 

Como forma de impulsionar as pesquisas sobre a implementação da moeda digital brasileira, o Banco Central publicou, no dia 23 de março, o conjunto de diretrizes norteadoras da implementação da tecnologia no Brasil. Desde então, debates sobre o assunto têm sido estimulados pela entidade.

A moeda brasileira dará continuidade a dois processos de reformulação do sistema financeiro do País, o Pix e o Open Banking. Assim, a tecnologia irá absorver revoluções já implementadas como o mecanismo de transações e pagamentos instantâneos do Pix. Dessa forma, com base no objetivo de transações entre fronteiras, o Real Digital possibilitará transações instantâneas entre países.

Nesse contexto, porém, o Banco Central destaca ser “fundamental manter o sistema local aberto à possibilidade de adoção de padrões internacionalmente acordados, buscando soluções de interoperabilidade com bancos centrais de outros países”.

João Manoel afirma ainda ficar “evidente a necessidade de uma coordenação para que essas moedas possam ser trocadas” ao sugerir a necessidade de uma entidade reguladora internacional para intermediar as transações entre países com moedas digitais diferentes para evitar um rompimento no sistema cambial. Além disso, o Real Digital atuará como o dinheiro físico, assim, não poderá ter o valor escalonado como uma criptomoeda. 

Para os negócios e mesmo para educação financeira, a perspectiva de dinheiro programável, que somente seria válido a partir de determinada data ou contexto representa outra inovação possível com o Real Digital. Outro ponto a ser explorado de forma mais incisiva com a moeda virtual será o fenômeno da Internet das Coisas e o processo de automação.

Com o Real Digital, espera-se em um futuro próximo permitir que carros automatizados possam realizar o pagamento de taxas de pedágio de forma autônoma. Nesse contexto, os smart refrigeradores, além de alertar os consumidores sobre a falta de produtos nas dispensas, poderiam solicitar a compra via delivery e realizar o pagamento de forma automatizada.

Entre as limitações que ainda atrasam o lançamento da moeda digital estão a questão da regulamentação jurídica sobre a nova representação do dinheiro dentro do Brasil e também a problemática da cibersegurança em torno do monitoramento, armazenamento e operacionalização das moedas digitais. 

 

 

A prática do Real Digital

 

Para nortear as discussões, o Banco Central parte de uma análise dos sistemas de moedas virtuais já existentes e também da experiência mundial com as criptomoedas. Dessa forma, algumas questões como propósito, arquitetura e infraestrutura do Real Digital já foram definidas.

Com relação ao uso da moeda virtual no Brasil, o Banco Central optou por incentivar o uso macro da nova representação do dinheiro no País. Assim, o Real Digital deverá ser utilizado em toda e qualquer transação comercial feita no território nacional. “A ideia é que o real digital se torne parte do cotidiano das pessoas, sendo empregado por quem faz uso de contas bancárias, contas de pagamentos, cartões ou dinheiro vivo”, conforme argumenta a autoridade monetária do País.

A arquitetura estudada para ser adotada no Brasil é a híbrida, ou seja, o Banco Central busca ser o regulador em parceria com uma empresa ou entidade que fornecerá a infraestrutura tecnológica adequada para implementação da moeda virtual.

Além disso, ainda não há uma definição das alterações legislativas que serão necessárias, pois “as balizas apresentadas não definem uma moeda digital brasileira, mas, sim, um espaço para que o BC possa dialogar com a sociedade”, conforme define o Fabio Araújo, da Secretaria Executiva (Secre) do Banco Central ao comentar sobre as diretrizes de implementação.

Com relação ao aporte tecnológico, o Banco Central reforça que a infraestrutura destaca é a DLT (tecnologia de ledger distribuído, na sigla em inglês). Sendo a DLT uma espécie de banco de dados digital com informações criptografados compartilhadas e sincronizadas em vários pontos de acesso espalhados pelo mundo, sem que haja um gestor central ou concentrador de tais informações.

Para o acesso e distribuição do Real Digital, o Banco Central do Brasil adotará o sistema de tokens, ou seja, do registro digital codificado de informações, produtos e demais elementos do meio físico. A ferramenta atua como um produtor de certificado digital capaz de gerar uma senha temporária para que o usuário possa realizar operações virtuais.

 

 

 

A expectativa da cadeia financeira com a implementação da moeda

 

Sendo um ponto intermediário na cadeia de implementação do Real Digital, as instituições financeiras com atuação no Brasil estudam o tema desde 2018. A Federação Brasileira de Bancos chegou a criar um grupo de trabalho voltado especificamente para debater o tema e busca contar em breve uma consultoria global para auxiliar no processo de construção das diretrizes de funcionamento do Real Digital.

A entidade afirma neste momento que a estruturação da moeda digital centralizada atua em parceria com o Banco Central para “mapear todas as oportunidades e traçar um plano de implementação destes produtos”. O foco é, com base em demandas dos clientes e problemáticas no mercado financeiro atual, que seja consolidado um conjunto de diretrizes para atuar como guia da regulamentação da moeda digital brasileira.

 

"Serão transações ágeis que trazem maior conveniência e maior aplicabilidade de uso para os clientes, são funcionalidades vitais para um sistema bancário robusto e inovador, atendendo as necessidades dos clientes." Federação Brasileira dos Bancos

 

“Todas as possíveis funcionalidades e aplicações precisam ser avaliadas, associando a tecnologia à segurança jurídica das transações bancárias, sem perder de vista a conveniência e segurança para o cliente. Nosso papel tem sido levar os casos de uso mais relevantes e que possam ser utilizados no Brasil como guia ao Banco Central”, afirma a Federação.

Entre as opções para impulsionar as relações comerciais entre empresas, a Febraban destaca o uso de “smart contracts”. Pela prática é possível interligar uma transação financeira a termos de um contrato especificamente criada para amparar tal transação. Ainda conforme a entidade, outros casos de uso que também estão sendo avaliados são a utilização do Real Digital para contratos de comércio exterior e operações de câmbio.

A partir da implementação do Real Digital na economia Brasileira será possível promover a tokenização de ativos financeiros, isto é, pegar investimentos e montantes feitos com capital tradicional e transformá-los em aplicações digitais criptografadas com base no processo de criação de tokens.

“Serão transações ágeis que trazem maior conveniência e maior aplicabilidade de uso para os clientes, são funcionalidades vitais para um sistema bancário robusto e inovador, atendendo as necessidades dos clientes. Esta agilidade trará importantes diferenciais competitivos para o setor”, afirma a Federação.

O cenário brasileiro é considerado avançado na implementação do Real Digital pelo especialista em Banking Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Claudio de Moraes. Apesar disso, ele pontua que “os passos para essa implementação são vários, desde o desenvolvimento das soluções de segurança tecnológica, até a discussão com a sociedade e passando por mudanças legais do conceito de moeda”.

Para Cláudio, a implementação do Real Digital se dará de forma acelerada, mas sem abrir um caminho direto para adoção de criptoativos descentralizados como o Bitcoin. A principal resistência se dá devido ao risco de desintermediação financeira pela falta de uma entidade reguladora.

“As criptos são uma realidade e não há como impedir sua utilização por um longo tempo, o que não significa autorizar uma ampla utilização como moedas. Os reguladores em todo o mundo estão se preparando para absorver essa nova classe de ativos com muita responsabilidade e o gargalo sempre será a regulamentação”, complementa.

 

 

O futuro dos negócios com o Real Digital

 

Não só os negócios já existentes serão impulsionados com a implementação da moeda digital, mas todo sistema de inovação e empreendedorismo. A expectativa é de que negócios que se estruturam com base em transações virtuais de compra e venda sejam os primeiros a atingirem um novo nível de modernização.

“Essas transações comerciais com moedas digitais tendem a trazer mais agilidade, rapidez e segurança nas transações comerciais. Novos negócios surgirão para abarcar as novas demandas geradas pela incorporação das futuras operações com real digital”, analisa José Vital, sócio da PwC no Brasil, multinacional especializada em consultoria de negócios.

 

"Os novos instrumentos tecnológicos que atuam na velocidade de dados trazem uma otimização do tempo e de processos que faz com que seja necessária uma reestruturação organizacional das empresas." José Vital, sócio da PwC no Brasil

 

Dentro desse contexto, modelos tradicionais de negociação, relacionamento com cliente e consolidação de parcerias comerciais precisaram ser reformulados. “Os novos instrumentos tecnológicos que atuam na velocidade de dados trazem uma otimização do tempo e de processos que faz com que seja necessária uma reestruturação organizacional das empresas”, pontua Alci Porto, diretor técnico do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) no Ceará.

Abaixo vídeo de como vem sendo usado os bitcoins, que é uma criptomoeda, em El Salvador. País que foi o primeiro a adotar o criptoativo como moeda legal, dando até o nome de Chivo para a operação.

 

 

Os especialistas destacam a necessidade de investimentos em conectividade e na implementação de uma cultura ainda mais digital para acompanhar os processos tecnológicos de inovação. “Será preciso avaliar dentro do seu modelo de negócio quais seriam os problemas que poderiam ser solucionados com essas tecnologias e como se valer disso para retirar partes ineficientes de modelos antigos”, frisa Vital.

As novas diretrizes de crescimento para os negócios com o Real Digital ainda estão em desenvolvimento e irão depender também dos segmentos de cada empreendimento, porém, o que as entidades especializadas projetam é um grande aumento da competitividade. Na análise do representante do Sebrae, os pequenos negócios e empreendimentos emergentes irão se consolidar já com novas bases de negociação.

“É ver esse movimento, essas tecnologias e essa competitividade não como uma ameaça, mas como uma oportunidade”, pontua. Ele afirma ainda que dentro do contexto específico do Ceará, os modelos de negócios terão um perfil voltado para interiorização e articulação com investidores e parcerias comerciais fora do Estado. O cenário exigirá, contudo, mais investimento em conectividade no Estado, em capacitação profissional, especialmente de trabalhadores mais experientes.

Local em El Salvador com Chivowallet
Local em El Salvador com Chivowallet (Foto: FABIO LIMA)

Assim, outros pontos fundamentais e que acompanharão a implementação do Real Digital são os debates sobre ciber segurança e privacidade de dados dos clientes. Dessa forma, além de novos negócios e reestruturação dos moldes tradicionais, os especialistas destacam ainda que novas profissões e cargos serão implementados nas empresas.

“Qualquer moeda digital em si não é a solução para impulsionamento de desenvolvimento, ela é um fator, uma ferramenta que virá para acelerar o desenvolvimento e as empresa, sejam grandes ou pequena," destaca o consultor de negócios da PwC.

 

 


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