Se você jogar no Google o termo “síndrome do impostor”, o buscador vai apresentar mais de 768 mil resultados em menos de um segundo. Livros, matérias de blogs, estudos científicos, conversas nas redes sociais… Tudo indicando que o tema é bem requisitado pela internet ― o que faz muito sentido.
Um artigo da International Journal of Behavioral Science, publicado em 2011, aponta que 70% das pessoas viverão ao menos um episódio de Síndrome do Impostor. Ou seja: é bastante gente acreditando que é uma farsa, apesar de todas as conquistas e esforços.
A despeito do nome, a Síndrome do Impostor não é uma psicopatologia. Mesmo assim, os “sintomas” dela conseguem ser bem padronizados, permitindo que a sociedade encontre um nome para definir a constante sensação de descrença e desmerecimento em si. E em geral, o que desenclausura o impostor é bem mais social do que se imagina.
“É como se eu me olhasse no espelho e visse uma imagem embaçada de mim mesma”, define
A descrição vai ao encontro à apresentada pela psicóloga Jéssica Rosa, especialista em terapia analítico-comportamental. Basicamente, a síndrome configura uma descrença nas próprias habilidades, na qual a pessoa sempre sente que está enganando os outros. “Você passa a temer ser descoberto. Temer que as pessoas descubram que você não é capaz, que aquilo não é real, como se fosse um grande fingimento, justamente porque você não consegue acreditar em si mesmo”, explica.
Na metáfora de Joana*, o normal é que olhemos o espelho e vejamos uma imagem condizente à realidade. Mas a síndrome embaça o reflexo e constrói alguém totalmente diferente, que simplesmente é incapaz de alcançar bons resultados.
“Você questiona inclusive o que você conquistou! É aquela pessoa em posição de liderança, por exemplo, e que questiona como ela chegou até lá”, exemplifica a psicóloga Jéssica. Em situações do tipo, o indivíduo começa a se convencer que teve sucesso por sorte, por falta de opção dos outros ou até por outras características além da competência ― no caso de Joana*, o fato de ser uma mulher carismática.
Como tudo na vida, muitos fatores podem desembocar no impostor. No entanto, o contexto social e econômico é um bom ponto de partida para entender porque tanta gente pode se sentir como uma fraude.
Nesse caso, vale mencionar como e quando o termo surgiu: foi em 1978, em um estudo das pesquisadoras Pauline Rose Clance e Suzanne Imes sobre o “fenômeno do impostor” em mulheres bem-sucedidas.
Como pontua Jéssica, a pesquisa foi publicada em um contexto social de introdução feminina no mercado de trabalho dos Estados Unidos da América (EUA), além da conquista de direitos como o desenvolvimento da pílula anticoncepcional e o direito ao divórcio.
Nesse cenário, elas começaram a ter mais controle sobre o planejamento de vida e “saíram” (na verdade, agregaram) da posição de donas de casa para adentrar no mercado competitivo. Na contramão, os estereótipos de gênero persistiram, fator que agravou a percepção das mulheres sobre as próprias conquistas.
Atualmente, por outro lado, a Síndrome do Impostor já não é algo observado tão somente em mulheres. Apesar de elas e outras minorias ainda enfrentarem muito preconceito sobre competências, o cenário de exigência drástica por resultados no mercado de trabalho e na vida acadêmica afeta a todos, como apontado pelo estudo da International Journal of Behavioral Science.
Tudo começa já quando somos crianças, aponta a psicóloga Jéssica Rosa. Não só os pequenos estão muito mais expostos às redes sociais (o tempo de tela das crianças e adolescentes já ultrapassa as 12 horas diárias), mas eles também vivem ocupados.
E todo mundo conhece aquela criança com a agenda mais lotada que de alguns adultos: escola durante a manhã, à tarde aula de inglês, aula de música, alguma escolinha esportiva, à noite o dever de casa e repete. “Elas crescem construindo a ideia de que precisam ser as melhores”, destaca a especialista.
Lembra dos mais de 700 mil resultados sobre a síndrome na internet? Dentre eles, estão diversas matérias comentando sobre o “lado bom” da Síndrome do Impostor. Elas têm como base a pesquisa da professora Basima Tewfik, da Escola de Administração Sloan (MIT), que ainda está em desenvolvimento.
Nela, Basima defende que a síndrome não é completamente boa ou ruim, já que pode servir de “motivação” para as pessoas se esforçarem mais nos trabalhos e apresentarem mais e melhores resultados. No entanto, aqui vai o questionamento: a que custo?
Como comentamos, a Síndrome do Impostor não é uma psicopatologia. E, de fato, muitas pessoas que se identificam com as características de impostores conseguem ser funcionais no trabalho. Mas casos muito severos ou constantes podem levar ao desenvolvimento de quadros depressivos e de ansiedade. E mesmo que não se chegue ao ponto da doença psicológica, os impostores vivem um cansaço mental nada saudável.
“O que ela (Basima) acredita que faz com que as pessoas façam um trabalho melhor, na verdade, é a pessoa tentando evitar entrar em contato com o aversivo”, analisa a psicóloga Jéssica Rosa.
Aqui vai um exemplo: você sempre diz ao seu filho que é necessário tirar boas notas na prova, caso contrário ele ficará de castigo. Então, o seu filho estuda muito e nunca tira notas ruins. Não porque ele entrou em contato com os mecanismos educacionais positivos, mas porque ele tem medo da punição.
Joana* ainda destaca outro aspecto igualmente preocupante da síndrome ― a autossabotagem. A universitária diz já ter perdido oportunidades de emprego por desconfiar da sua capacidade, findando com trabalhos destoantes do que realmente queria.
Portanto, mesmo que nem sempre o fenômeno seja paralisante, dizer que os resultados oriundos deles são um lado positivo desmerece o sofrimento mental que as pessoas enfrentam. Ademais, reforça a lógica que, socialmente, impulsiona a síndrome do impostor: a da cobrança constante por resultados, desconsiderando os limites humanos.