O levantamento de ocorrências de chacinas no Estado desde o século passado permite observar a evolução da criminalidade violenta no Ceará. Se no século XX, os registros de matanças giravam em torno de questões como conflito por terras, disputas entre famílias e desavenças pessoais, aos poucos, a modalidade passou a ser dominada por grupos de extermínio, gangues e pistoleiros, até chegar à atual da guerra entre facções criminosas.
Os anos também fizeram com que o registro dessas ocorrências saíssem, em sua maioria, do Interior e migrassem para a Capital e Região Metropolitana de Fortaleza. Mas, acima de tudo, a maior das diferenças: aumentou-se a frequência das matanças
A expansão no Ceará das facções criminosas do Sudeste a partir de 2015 foi acompanhada do exponencial crescimento das chacinas. Levantamento do O POVO mostra que, desde aquele ano, 27 ocorrências com mais de quatro mortos foram registradas no Estado, deixando um total de 157 vítimas. A primeira década dos anos 2010, apesar de apresentar números tão altos quanto de assassinato, não registrou, todavia, tantos homicídios múltiplos.
Pesquisa no Data.Doc O POVO mostra que foram três as chacinas entre 2010 e 2015. Na primeira metade da década, o Estado teve 18.378 assassinatos, conforme o Atlas da Violência 2019. Já na segunda metade dos anos 2010, foram 23.373 vidas ceifadas, conforme dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS).
Oficialmente, a primeira chacina relacionada à disputa entre facções criminosas ocorreu em 2017, no Porto das Dunas, em Aquiraz (Região Metropolitana de Fortaleza), apesar de algumas das chacinas ocorridas entre 2014 e 2016, como na Babilônia e na Estiva, não terem sido elucidadas, deixando em aberto o que as motivaram. Foram considerados chacinas os homicídios coletivos com quatro vítimas ou mais. Não foram consideradas as intervenções policiais, ou ocorrências em que houve mortes dos dois lados.
Foram, pelo menos, 16 chacinas desde 2015 com algum tipo de atuação de facções. Entre elas, a maior do período, a chacina do Forró do Gago, em 2018, que vitimou 14 pessoas em uma casa de shows no bairro Cajazeiras, matança comandada pela Guardiões do Estado (GDE), facção surgida em 2016. De 2017 até hoje, foram poucas as chacinas que a participação desses grupos organizados foi descartada. São casos como a Tragédia de Milagres, que deixou 14 mortos, incluindo seis reféns, após tentativa da Polícia Militar de frustrar assalto a banco; uma chacina em Ipueiras, quando um homem matou a companheira e três enteados; e a Chacina da Grande Messejana, assassinato de 11 pessoas em retaliação à morte de um policial.
Voltando mais atrás no tempo, os anos 2000 registraram cinco chacinas, com 29 mortes no total. Para além da Chacina dos Portugueses, as maiores matanças registradas ocorreram em Limoeiro do Norte e Ibicuitinga, deixando, cada uma, sete mortos. Em 2003, em Limoeiro, as mortes foram praticadas por pistoleiros em retaliação à prisão de integrantes do grupo. Em 2004, a Chacina de Ibicuitinga foi causada no contexto da briga entre duas famílias.
No século XX, os registros rareiam ainda mais. Nos anos 1990, o noticiário foi tomado por uma matança que, pelos padrões atuais, não seria uma chacina: a Chacina do Pantanal, em 1993, triplo homicídio cometido por policiais militares. Chacina nas atuais configurações só em 1983, em Alto Santo, quando o ex-prefeito de Pereiro, João Terceiro, a esposa dele, segurança e motorista foram assassinados. O famoso pistoleiro Mainha, Idelfonso Maia Cunha, foi acusado pelo crime, mas absolvido pela Justiça.
Chegando aos anos 1970, os quatro casos registrados denotam conflitos interpessoais, interfamiliares e por terras. Quixadá, Mombaça, no bairro Porangabussu (na Capital) e em Novo Oriente. São os últimos casos registrados no acervo do Data.Doc O POVO.
Entretanto, o jornal fez referência àquela que é a maior matança encontrada no levantamento, ocorrida em 1878. Dezenove pessoas morreram no conflito entre as famílias Macacheira e Juritis, caso ocorrido no sítio Tabatinga, em Viçosa. Conforme matéria do O POVO de 1º de setembro de 1956, uma rixa iniciada por porcos que destruíam suas plantações fez com que os Juritis ateassem fogo na casa dos rivais , tendo ainda atirado com "bacamartes". "Em Ibiapina o maior processo do júri da história do Ceará e quiçá do Brasil" estampava manchete do O POVO. A Proclamação da República acarretou no perdão aos réus por parte do governo provisório.
Nos 20 anos da chacina dos portugueses, O POVO remonta a trajetória das chacinas no Ceará