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Ciel: "Era uma luta grande contra o álcool"
Reportagem Seriada

Ciel: "Era uma luta grande contra o álcool"

Apesar dos problemas, o jogador pernambucano, com passagem marcante pelo Ceará em 2008 e mais gols que Messi e Cristiano Ronaldo, superou as dificuldades
Episódio 5

Ciel: "Era uma luta grande contra o álcool"

Apesar dos problemas, o jogador pernambucano, com passagem marcante pelo Ceará em 2008 e mais gols que Messi e Cristiano Ronaldo, superou as dificuldades
Episódio 5
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Excessos, baladas e álcool. Parte da carreira do atacante Ciel foi dividida entre treinos, jogos, gols e noites em claro regadas à bebida. Mesmo com problemas com o alcoolismo, o jogador pernambucano, com passagem marcante pelo Ceará em 2008, superou as dificuldades, se converteu ao Evangelho e conseguiu brilhar nos campos de futebol. Ídolo nos Emirados Árabes, ele retornou ao Brasil em 2018 para viver a fase mais goleadora da carreira. Aos 39 anos, o atleta, jogando pelo Salgueiro-PE, fez o gol que Pelé não fez e balançou as redes 21 vezes em 2021 (jogou no Caucaia também), mais do que Messi e Cristiano Ronaldo.

Assista aqui ao gol fantástico de Ciel

A entrevista com Ciel é um livro aberto sobre a sua trajetória, desde a infância, passando por episódios difíceis até as conquistas importantes dentro do campo. Ele aprendeu a superar as adversidades ainda quando criança. Aos 8 anos, perdeu o pai, assassinado.

Quando explodiu no futebol após temporada de destaque no Ceará, em 2008, recebeu grande oportunidade no Fluminense. O atacante se perdeu nos excessos. Os conselhos do ex-jogador Branco, campeão da Copa do Mundo de 1994 pelo Brasil, não foram suficientes para frear Ciel no extracampo.

Mas a fé em Deus e o apoio da família deram forças para o atacante dar a volta por cima. Quando poucos acreditavam, veio o sucesso no ASA-AL, quando foi artilheiro da equipe na Série B de 2010. O desempenho foi o passaporte para se tornar ídolo nos Emirados Árabes e mudar de vez a vida.

Hoje, a rotina de Ciel é regrada. A bebida já não faz mais parte do dia a dia. Ele treina até fora dos horários do clube e deve deixar o Salgueiro para atuar em alguma equipe da Série B. O novo cenário possibilitou o jogador chegar aos 39 anos em plena forma física. Hoje, o experiente atacante quer ser exemplo para que outros atletas não caiam nas armadilhas do vício da bebida.

"Eu sofria muito, passava dificuldade, ficava chorando, ligava pra ela querendo voltar. Ela foi quem insistiu para que eu ficasse. Isso foi que me ajudou bastante"

O POVO - Como foi tua infância?

Ciel - Eu nasci em Caruaru, em Pernambuco. Fui criado pelos meus pais. Aos 8 anos tive a perda do meu pai. Minha mãe batalhou muito para superar isso junto com a gente para não deixar faltar nada. Passamos um pouco de necessidade. Minha mãe sempre lutou, batalhou e não deixou a gente na mão. Foi muito sofrimento nessa caminhada. Meu irmão entrou no futebol e ajudou também nossa família. Depois tive a oportunidade de entrar no futebol. Não gostava de futebol, gostava de animais. Tive a oportunidade no Porto de Caruaru e consegui ter alguma coisa na vida para dar o retorno.

O POVO - Quantas pessoas moravam na mesma casa?

Ciel - Eram seis irmãos (quatro homens e duas mulheres), mais os nossos pais. Depois que meu pai morreu, ficamos sete em casa. Só minha mãe trabalhava, depois meu irmão entrou no futebol. Fomos lutando na dificuldade. Mas minha mãe sempre nos passou a educação e o caminho certo para ser alguém na vida. A gente chegou até aqui através da luta dela e da benção do senhor Jesus Cristo.

O POVO - E como foi esse período quando o seu pai morreu?

Ciel - Mataram o meu pai. Ele teve um envolvimento numa briga relacionada a cavalo. Minha mãe sempre lutou pela nossa educação, de ensinar a gente o caminho correto. Fomos aprendendo e buscando os objetivos. Naquele tempo eu só pensava em animal, mas tive a chance de fazer teste no futebol e comecei a gostar. Minha mãe passava que primeiro era o estudo, tinha que obedecer pai e mãe, a ter respeito pelas pessoas. Quando saí da casa da minha mãe para buscar o futebol no mundo, a gente tinha que praticar o que aprendeu em casa.

Ciel foi decisivo pelo Salgueiro na Copa do Nordeste(Foto: DIVULGAÇÃO)
Foto: DIVULGAÇÃO Ciel foi decisivo pelo Salgueiro na Copa do Nordeste

O POVO - Qual foi o momento de maior dificuldade que você lembra até hoje?

Ciel - A pior dificuldade que passei foi a necessidade de alimento. Minha mãe trabalhava na casa da patroa dela lavando roupa. A mulher dava um pão pra ela. Minha mãe saía de manhã e deixava pra gente. Cortava em pedaços e dava pra gente. Era um pedaço de pão com copo de água. Ela falava que era pra passar o dia todo. Quando come pão e toma copo de água a barriga incha. Eu passava de 7 horas até 17 horas com esse pedaço de pão e o copo de água. Eu chorava muito.

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O POVO - Conta mais sobre esse teu amor pelos animais.

Ciel - Meu pai tinha vários cavalos, porcos, cabras e galinhas na nossa casa. Eu gostava muito. Ficava 24 horas em cima do cavalo. Tinham vezes que eu apanhava do meu pai porque queria ficar em cima do cavalo. Quando ele morreu, os cavalos ficaram doentes. Todos morreram. Perdi minhas forças. Meu irmão me chamou para jogar futebol quando eu tinha 15 anos. Eu jogava no meio da rua e no campinho de terra. O treinador do Porto estava lá e ficou observando. Ele falou com meu irmão: 'ele tem talento'. Meu irmão veio falar comigo e eu disse que não gostava.

O POVO - E nessa época você pensava em fazer o quê?

Ciel - Eu só pensava em cavalo. Meu negócio era andar de cavalo pela cidade.

O POVO - Mas aí como você entrou no futebol?

Ciel - Meu irmão (Josa) que insistiu. Até que fui a primeira, a segunda, a terceira e larguei. Mas me falaram que iria ter mais uma peneira. Se eu passasse, assinaria contrato. Passei no teste.

O POVO - E a partir disso não largou mais?

Ciel - Passei dois anos no Porto de Caruaru. Fiquei até meus 17 anos. Assinei meu primeiro contrato profissional no Porto.

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"Eu chegava bêbado, chegava atrasado. Mas quando entrava dentro de campo, fazia gol e o time ganhava. Até hoje a torcida fala. Mas isso não é vida para atleta"

O POVO - Quem eram tuas referências no futebol?

Ciel - Quando eu comecei a jogar, tinha meu irmão Nildo, que jogava no Sport. Era um time muito bom. Me inspirava nele, quando via ele dentro de campo já começava a chorar. Queria ser que nem ele. O Nildo jogava como meio de campo, camisa 10.

O POVO - No começo da carreira dividia o tempo com outra profissão?

Ciel - Não. Eu focava bastante no meu trabalho. 

O POVO - Mas quando começou a perceber que tinha futuro?

Ciel - Minha mãe chegou pra mim e falou: 'filho, só te peço uma coisa: tenha força de vontade para vencer na vida. Se você vencer na vida, vai ajudar a nossa família. Lute para conquistar'. Eu sofria muito, passava dificuldade, ficava chorando, ligava pra ela querendo voltar. Ela foi quem insistiu para que eu ficasse. Isso foi que me ajudou bastante.

O POVO - Você estreou como profissional pelo Porto?

Ciel - Joguei três jogos pelo Porto e fui vendido ao Santa Cruz, em 2003.

O POVO - E como foi a passagem pelo Santa e o teu começo no futebol pernambucano?

Ciel - Quem me levou pra lá foi o Nereu Pinheiro. Eu estava jogando nos juniores do Santa Cruz. O Péricles Chamusca me viu, gostou e pediu para eu subir para o profissional. Foi quando passei a jogar no profissional e a amadurecer.

O POVO - Você rodou por alguns clubes de Pernambuco antes vir para o futebol cearense...

Ciel - Sim. Fiquei ainda um ano no Salgueiro. Em 2006, fui para o Icasa. Fizemos um amistoso pelo Salgueiro contra o Icasa. Fiz três gols. O presidente do Icasa gostou e me levou.

O POVO - E o que te fez parar no Ceará?

Ciel - Disputei o Cearense pelo Icasa. A gente tirou o Ceará na semifinal e jogou a final contra o Fortaleza, em 2006. Em 2007, eu fui contratado pelo Ceará.

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Ciel treinando no Ceará(Foto: TATIANA FORTES)
Foto: TATIANA FORTES Ciel treinando no Ceará

O POVO - O torcedor do Ceará lembra até hoje de você pela passagem de 2008. Mas a primeira foi em 2007. Como foi essa primeira experiência no clube?

Ciel - A primeira passagem foi até boa. Eu cheguei com carinho da torcida, me acolheram bem. Eu disputei a Série B naquele ano.

O POVO - Do Ceará, você foi jogar na Coreia do Sul...

Ciel - Foi uma experiência que ganhei. O futebol lá é totalmente diferente. No Ceará, eu jogava livre, não marcava. Lá, eles queriam que eu marcasse. Não me dei bem. Fiquei oito meses e voltei.

O POVO - Passou muito perrengue?

Ciel - Demais. A comunicação e a alimentação me atrapalharam muito. No time, passei por algo que nunca mais quero passar. Em 14 jogos, foram dez derrotas, três empates e uma vitória.

"Não era experiente, não tive cabeça. Comecei a beber demais, ir para a noite, coisa que no Ceará eu fazia, mas dentro de campo tinha a confiança dos jogadores e do treinador"

O POVO - Como você resume a temporada de 2008, quando arrebentou no Ceará e foi jogar no Fluminense, mas acabou decepcionando no Rio de Janeiro?

Ciel - Em 2008, foi uma temporada muito boa no Ceará. Eu jogava livre, caía pela direita, pela esquerda. Me sentia muito bem. Fui vendido para o Fluminense. Quando cheguei lá, comecei a jogar com o treinador Cuca. Ele saiu e entrou o Renê Simões. Ele montou a equipe baseado em quem jogou a Copa do Brasil. Ele perguntou na roda e os caras disseram o esquema que jogou a Copa do Brasil e foi campeão. Eu não estava na Copa do Brasil. Então, acabei saindo do time. Não era experiente, não tive cabeça. Comecei a beber demais, ir para a noite, coisa que no Ceará eu fazia, mas dentro de campo tinha a confiança dos jogadores e do treinador. No Fluminense, não tinha. Isso me atrapalhou muito. O Branco (ex-jogador campeão da Copa do Mundo de 1994) me ajudou muito, me dava conselhos. 'Poxa, o talento que você tem, você está jogando fora por bebida'. Eu não tinha maturidade e me deixei levar por essas coisas.

O POVO - Depois de 2008, você teve período ruim. A sua grande volta só veio em 2010, no ASA. Como foi essa fase extracampo de bebida e excessos?

Ciel - Esse daí era o Jociel. Falar do Jociel é complicado, um cara que bebia demais, três dias bebendo sem dormir. Só Jesus Cristo me dava forças para entrar dentro de campo e fazer um bom trabalho. Era uma luta grande contra o álcool. Eu queria muito sair dessa vida, mas a doença era mais forte, não conhecia a palavra de Deus. Eram altos e baixos. Muitas pessoas tentavam me ajudar, os amigos, os familiares. Eu lutava, mas não conseguia. Dentro de campo, eu dava conta do recado. A torcida: 'deixa ele, está dando conta do recado'. E chegou um momento que tive que parar com isso.

Ciel quando jogava no Caucaia. Com as duas filhas e a afilhada. Da esquerda para direita: a filha Sarah Yasminn, a afilhada Renatinha e a filha Sarah Letícia(Foto: PEDRO CHAVES)
Foto: PEDRO CHAVES Ciel quando jogava no Caucaia. Com as duas filhas e a afilhada. Da esquerda para direita: a filha Sarah Yasminn, a afilhada Renatinha e a filha Sarah Letícia

O POVO - E o que te fez entrar na linha, parar de beber, deixar a noitada e se tornar mais profissional? Quem te ajudou nessa época?

Ciel - Primeiro, Deus. Ele usou minha esposa e usou a minha filha. Minha esposa orava em jejum, buscando a palavra do senhor. Através dela, das orações, nunca desistindo, e graças a Deus, nós conseguimos.

O POVO - Você teve algum momento de de grande dificuldade nesse período?

Ciel - Muito. É uma doença. As pessoas falavam pra mim e eu dizia que não era doença, que eu parava quando quisesse. Chegou um momento que eu estava na academia malhando virado, tinha chegado da noite pra ir ao treino. Eu ficava olhando no espelho, o pingo de suor descendo. Cada pingo que descia era o choro das pessoas que me vê fazendo essas besteiras. Eu vi esse pingo de suor todo no meu rosto, interpretei como o choro da minha esposa quando me vê chegando em casa bêbado. E ali eu pensei: 'quero sair dessa vida'. Minha filha, em 2010, era bebê ainda. Minha esposa perguntou pra mim: 'você já parou para pensar na nossa filha vendo você bêbado? O que vai passar na mente dela?'. Isso doeu muito no meu coração. Eu vou lutar para sair dessa vida. E consegui.

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O POVO - O que mudou de fato a sua vida? Você começou a frequentar a igreja, mas chegou a fazer algum tipo de tratamento?

Ciel - Eu passei por acompanhamento do doutor do ASA. De vez em quando, eu ia aos hospitais dar uma palestra sobre a bebida. Eu estava vendo as pessoas que sofreram acidentes de carro, de moto, por causa da bebida. Abriu meus olhos essa experiência. Comecei a enxergar que a bebida não combinava com direção. Quando eu bebia, eu dirigia. Isso foi me fortalecendo também. As pessoas queriam até me internar. Eu brincava: 'não vou me internar porque não sou doido'. A gente não enxerga quando está doente. Chega em um momento que a gente abre os olhos.

"De 2019 pra cá, tiveram duas ou três chances de vestir a camisa do Ceará novamente, mas não foi a vontade do senhor. Sempre vou ter carinho por esse clube"

O POVO - Qual a importância do ASA na tua vida, time em que você deu a volta por cima? Como confiaram em você mesmo com todos esses problemas?

Ciel - A primeira oportunidade que surgiu para eu voltar a disputar o Campeonato Alagoano foi no Corinthians de Alagoas. Eles queriam um meia. Tinha amizade com o Daniel, zagueiro que jogou no Ceará. Ele estava lá e me perguntou se eu estava desempregado. 'Estou precisando'. Ele falou que lá não tinha condição de pagar bem. Eu disse: 'o que você quiser pagar, eu vou'. Eu queria jogar para ver se pegava a Série B. Eu fui e joguei o Alagoano. Fomos até a semifinal e perdemos para o Murici. Caímos fora. Em quatro jogos, fiz três gols. E aí o ASA viu, gostou e me contratou.

O POVO - E o que aconteceu que deu tudo certo no ASA?

Ciel - O amor do senhor Jesus Cristo porque o que eu aprontava lá, não era brincadeira. Eu chegava bêbado, faltava treino.

O POVO - Nessa época você ainda vivia na noitada?

Ciel - Eu chegava bêbado, chegava atrasado. Mas quando entrava dentro de campo, fazia gol e o time ganhava. Até hoje a torcida fala. Mas isso não é vida para atleta. Quem é profissional sabe. É falta de respeito com os companheiros. Eu não pensava isso antes. Hoje, a gente pensa.

Ciel quandojogava nos Emirados Árabes(Foto: ACERVO PESSOAL)
Foto: ACERVO PESSOAL Ciel quandojogava nos Emirados Árabes

O POVO - E logo depois, em 2011, você foi para os Emirados Árabes. Foi aí que você largou a bebida?

Ciel - Eu levei até 2015 assim. Mas eu só bebia quando vinha de férias ao Brasil. Lá é proibido. Quando vinha de férias, eu pegava pesado. Eram 40 dias de folga, 40 dias bebendo. Eu fechava espaço, colocava três bandas para tocar por três dias.

O POVO - Mas conta um pouco sobre esse período lá, porque você se tornou ídolo.

Ciel - Foi uma caminhada muito boa. No primeiro ano, cheguei em novembro de 2010 (para jogar no Shabab Dubai). O time era treinado pelo Caio Júnior (técnico que viria a morrer no acidente de avião de Chapecoense), depois passou a ser o Bonamigo (ex-treinador do Fortaleza). O clube estava há oito anos sem ser campeão. Quando cheguei, no primeiro campeonato, fomos campeões. Já cheguei bem fazendo gol. Na semifinal, fiz dois gols. Na final, fiz mais dois. Foi aí que começou minha jornada, fui conquistando todo mundo através de título. Meu contrato era de seis meses e eles renovaram por mais um ano. Fui bem de novo e conquistei mais dois títulos. Logo em seguida aumentaram meu contrato por mais três anos e compraram meu passe.

O jogador com a família, que teve papel fundamental na virada que Ciel deu na vida(Foto: ACERVO PESSOAL)
Foto: ACERVO PESSOAL O jogador com a família, que teve papel fundamental na virada que Ciel deu na vida

O POVO - O que tinha lá que te deu condições para brilhar? Você se adaptou rápido?

Ciel - A comissão do Bonamigo tinha um ex-jogador, o Edson, que ele era auxiliar. Eu falei pra ele logo quando cheguei: 'não quero ficar aqui'. Eu brincava com ele. Naquele tempo, era do mundo, tinha acabado de sair do Brasil, que tinha bebida, festa, mulher, praia. E ele falou: 'Ciel, aqui não tem isso'. Meu pensamento era esse. Chegou um momento que ele disse: 'se você quer ter vida boa, dar uma condição para sua família, colocar a cabeça no lugar e pensar em só jogar, se fizer metade do que fez no Brasil, você vai ser ídolo aqui'. Quando ele falou isso, eu me concentrei. Fui lutando, trabalhando até alcançar. Guardei as palavras dele e fui buscar.

O POVO - Como era a tua idolatria nos Emirados Árabes?

Ciel - Foi espetacular. Até hoje recebo mensagens da torcida pedindo para eu voltar. Eu vejo o carinho de todos. É fruto do trabalho, do que trabalhei junto com os companheiro. Os títulos começaram a vir. O estilo de jogo, a agressividade. Fui entrando no coração deles. Não só da torcida, mas da diretoria, comissão, dos jogadores. Receber esse carinho até hoje é muito gratificante.

O POVO - Recebeu muitos presentes dos sheiks?

Ciel - Muito!

O POVO - O que você ganhava?

Ciel - Eu ganhei uma casa. Ganhava lazer em hotel, restaurante. Ganhava muitos presentes para minhas filhas.

O POVO - Nesse período, você já foi com a sua família?

Ciel - Eu fui com meu irmão, que estava querendo entrar no meio do futebol como empresário. Ficamos juntos dois meses. Depois minha esposa foi. A gente não era casado ainda. Ela foi, não tínhamos condições de casar ainda. Mas depois casamos.

"Era uma luta grande contra o álcool. Eu queria muito sair dessa vida, mas a doença era mais forte, não conhecia a palavra de Deus. Eram altos e baixos. Muitas pessoas tentavam me ajudar, os amigos, os familiares. Eu lutava, mas não conseguia. Dentro de campo, eu dava conta do recado. A torcida: 'deixa ele, está dando conta do recado'. E chegou um momento que tive que parar com isso"

O POVO - E qual foi o momento mesmo que você deixou os excessos, a bebida, e se tornou mais religioso e profissional?

Ciel - Foi dia um de outubro de 2016. Me converti no Ceará, na Nova Criação, com o pastor Pedro. Me entreguei a Jesus Cristo. Dali pra cá foi uma reviravolta na minha vida. Quem convive comigo sabe.

O POVO - Você teve passagem marcante no Ceará e até hoje o torcedor tem carinho por você...

Ciel - O Ceará é time que tenho carinho enorme. Eu conquistei isso através do meu trabalho dentro de campo. Até hoje eu tenho o carinho dos torcedores, da diretoria. De 2019 pra cá, tiveram duas ou três chances de vestir a camisa do Ceará novamente, mas não foi a vontade do senhor. Sempre vou ter carinho por esse clube. Quando saí do Salgueiro, fui para o Icasa e depois cheguei ao Ceará. Foi ali que comecei a jogar a Série B, fiz uma temporada boa. Tenho muito respeito por esse clube que abriu as portas pra mim.

O POVO - De 2018 pra cá, quando retornou de vez ao Brasil, você passou a marcar muitos gols. Qual o segredo de chegar aos 39 anos em alto nível?

Ciel - Isso aí é determinação, foco e trabalho. Nas minhas horas vagas, eu faço o meu extra. Tenho personal com quem trabalho pela manhã. Esse trabalho que faço é para prevenção de lesão. À tarde, trabalho no clube. E assim a gente colhe os frutos dentro de campo, fazendo gols, boas partidas. Os números dizem tudo. As pessoas pensam que é sorte. Nunca foi sorte, sempre foi Deus. Mas a gente tem que buscar, trabalhar, fazer o sacrifício. Muitas pessoas veem a vida do Cristiano Ronaldo, do Messi, brigando por bola de ouro. 'Ah, é porque o cara nasceu com a estrela'. Não é. O cara trabalha todo dia. Temos que nos espelhar nesses caras. As pessoas só querem ver a vitória, o momento, mas não sabe que o cara está trabalhando forte.

O POVO - E teve algum momento que você ficou perto de defender o Fortaleza?

Ciel - Sim. Quando o Bonamigo estava lá (em 2017), fui visitá-lo. Ele conversou com o Papelin (executivo de Futebol do Tricolor) para me contratar. Mas eu estava em Dubai ainda. Eu queria ficar lá. Mas ninguém sabe o dia de amanhã. As pessoas me perguntavam: 'Ciel, você tem coragem de vestir a camisa do Fortaleza?'. Tenho, por que não? Eu sou profissional. Vou dar sempre o meu melhor. Tem que saber dividir as coisas.

O POVO - Você quase vestiu a camisa do Ferroviário em 2018. Por que não deu certo?

Ciel - Tiveram várias oportunidades. Até hoje eu recebo mensagens do torcedor. Pela minha parte, eu tinha acertado tudo. Só que o Caucaia não quis liberar da última vez. A gente tem que entender. Não foi pela minha parte. As pessoas falam que o Ciel está pedindo isso, aquilo. Não foi isso que aconteceu.

Ciel deixou o Caucaia como artilheiro do Cearense, com 8 gols(Foto: Pedro Chaves / FCF)
Foto: Pedro Chaves / FCF Ciel deixou o Caucaia como artilheiro do Cearense, com 8 gols

O POVO - Você jogou no Caucaia em 2018, 2019, 2020 e 2021. É o time em que você mais balançou as redes na carreira. O que representa o Caucaia nessa fase mais experiente da tua carreira?

Ciel - É uma segunda casa. Através da amizade com o ex-prefeito, o Naumi, ele fez o convite para jogar no Caucaia. Ele foi lá em casa e levou uma camisa. Surgiu a oportunidade e fui jogar. Isso aí foi dando muito certo. Já no primeiro ano, fomos para a final e perdemos para o Ferroviário (Fares Lopes). Fui o artilheiro junto com o Cariús. E fui me dando bem. Saía, voltava e era artilheiro. As coisas foram acontecendo com gols e títulos.

O POVO - Você tem mais gols do que Messi e Cristiano Ronaldo em 2021. Como você se sente à frente dos maiores jogadores da atualidade?

Ciel - Quando voltei de Dubai para o Brasil, em 2018, fiz uma oração e entreguei nas mãos de Jesus Cristo. Eu falei assim: 'não quero te pedir dinheiro, só quero que o senhor me abençoe porque tudo que conquistei lá fora, quero conquistar aqui. Quando pedi isso, ele já me deu uma final em 2018 contra o Ferroviário, já como artilheiro. Saí da ponta e vim pra dentro. E assim foi acontecendo. Na outra (temporada, em 2019), teve artilharia e título. De lá pra cá, estou colhendo tudo que plantei e pedi ao senhor.

O POVO - Deixar CR7 e Messi pra trás não é pouca coisa...

Ciel - Não é fácil. Mas deixa os homens quietos.

O POVO - Na penúltima rodada da Copa do Nordeste, você fez um golaço do meio de campo. Repercutiu muito porque você fez o gol que o Pelé não fez. Gostaria que você falasse sobre esse momento.

Ciel - Minha ficha nem caiu ainda. No Instagram, muito gente mandou esse vídeo. Isso é fruto do trabalho. No jogo contra o Sampaio, eu fiz desse mesmo jeito, mas a bola não entrou. Em todos os jogos, fico observando o goleiro quando estou no meio de campo. Nesse jogo, eu observei bastante. Quando o goleiro chutou pra mim (logo após o Salgueiro sofrer o gol do CRB), eu botei (a bola) no meio de campo e fiquei olhando. Se ele ficar ali, vai ser o último tiro. Eu venho treinando todo dia isso aqui, fico brincando com os goleiros aqui: 'um dia eu vou acertar'. Foi um gol espetacular. Fui dormir 2h30min da manhã só olhando esse vídeo. Foi uma coisa que encheu meus olhos de lágrima.

O POVO - Por que você se autointitula como Ciel 99?

Ciel - Começou em 2010, quando tive oportunidade de ir pra Dubai. Eu acompanhei a história do Ronaldo, de superação dele, da cirurgia do joelho, se recuperou e voltou aos gramados com a camisa 99. De 2010 para 2016, foi quando conheci Jesus Cristo. Em 2016, eu me converti. É aí que entra os 99. São referentes a 99 ovelhas. Aquela perdida Jesus foi em busca e deixou as 99. O pastor falou pra mim sobre essa música e encaixou com a superação do Ronaldo. E me identifiquei bastante com essa camisa. De lá pra cá só tive conquistas com gols e títulos. E onde eu vou jogar sempre peço essa camisa.

Veja também, em vídeo, entrevista com Ciel em 2020, onde ele relembra a carreira.

 

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