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Com taekwondo, Milena Titoneli é esperança de medalha em Tóquio
Reportagem Seriada

Com taekwondo, Milena Titoneli é esperança de medalha em Tóquio

Paulistana de 22 anos tem ascensão rápida, supera barreiras, atinge feitos históricos e se prepara para os Jogos Olímpicos
Episódio 12

Com taekwondo, Milena Titoneli é esperança de medalha em Tóquio

Paulistana de 22 anos tem ascensão rápida, supera barreiras, atinge feitos históricos e se prepara para os Jogos Olímpicos
Episódio 12
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Uma jovem paulistana de ascensão meteórica e sorriso fácil é uma das principais esperanças de medalha do Brasil nos Jogos Olímpicos de Tóquio, entre os dias 23 de julho e 8 de agosto. Antes ferramenta para cuidar da saúde, o taekwondo se tornou a profissão de Milena Titoneli ainda na adolescência. Medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de 2019, a atleta brasileira quer colocar as garras de fora também na principal competição do mundo para fazer valer a pena a longa preparação.

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Incentivada pela mãe a procurar esportes, Milena conheceu o taekwondo e se encantou. A partir daí, conquistou espaço, passou a disputar competições e se qualificou para o nível de alto rendimento. Além do feito inédito no Pan, conquistou bronze no Mundial de 2019, foi campeã mundial militar em 2018 e soma outras dezenas de medalhas em outros torneios. O bom desempenho rendeu a vaga olímpica e apoio de empresas - ela é patrocinada e faz parte do Time Ajinomoto.

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Forjada na dificuldade de quem decide praticar esportes olímpicos no Brasil e apoiada pela família - financeiramente, inclusive -, a atleta de 22 anos conversou durante quase uma hora com O POVO e falou sobre o início da carreira, destacou a oportunidade de viajar o mundo e relembrou perrengues em outros países e ponderou os pontos positivos e negativos do adiamento das Olimpíadas em razão da pandemia de Covid-19.

 

 

O POVO - Qual foi a reação da sua família quando você escolheu praticar taekwondo e voltou dos primeiros treinos?

Milena Titoneli - Eles também gostaram muito. A única coisa que assustou de primeira foi ter chegado em casa, às vezes, com roxo no braço. Normal, né? (risos) Mas eles foram foram acostumando com o tempo. A minha família sempre me deu muito, muito apoio. Inclusive, se não fosse por isso, eu não chegaria onde estou hoje, porque eles sempre se reviraram muito e fizeram de tudo para poder me ajudar, me mandar para as competições e foi fundamental. Se eu não tivesse, talvez não teria continuado ou não teria levado de uma forma profissional, não teria levado como uma carreira, como minha vida.

OP - Você se lembra como foram as primeiras competições? A família e os amigos precisaram ajudar na parte financeira?

Milena - Na época de competição estadual, por exemplo, meus pais sempre me levavam de carro, iam comigo, pagavam tudo. Quando começou a ser internacional já era um gasto diferente, bem maior. De primeira, meu pai tomou um susto, mas aí falou: 'Não, se você quer, então vamos juntos. A gente está junto, vamos fazer de tudo'. A gente fez rifa, meu pai chamou os amigos para ajudarem, já cheguei a fazer um monte de coisa. A gente comprava um negócio e rifava para poder ter o dinheiro da viagem. De início, sim, foi muito difícil, mas se a gente não tivesse passado por isso e meus pais não tivessem me ajudado, com certeza eu não teria chegado tão longe. Então é fundamental esse apoio. Se a gente não tem essa ajuda dentro de casa mesmo fica mais difícil. Graças a Deus tive esse apoio, e a gente fez de tudo: vendeu, meu pai postou no Facebook, a galera ajudou, inclusive os amigos da família ajudaram muito também nessa parte.

OP - Você lembra em que momento teve o entendimento de que poderia ser uma atleta profissional?

Milena - Em 2014, eu fui para o meu primeiro Jogos Olímpicos da Juventude. Ali foi minha primeira competição profissional mesmo, internacional, e eu pude ver o taekwondo mundial, como as pessoas do mundo inteiro lutavam. Eu tive mais vivência. Mas acredito que o primeiro ano que eu tive mais experiência foi 2017 para 2018, que foi na categoria adulto, que eu comecei a lutar e a ver que eu poderia me encaixar, estar entre os melhores do mundo. Então o começo foi em 2014, quando eu tive essas primeiras competições, em 2015 tive também o Pan-Americano júnior, fui campeã do Pan-Americano júnior e sul-americana, mas que eu tive maior contato e pude ver que poderia levar para minha vida foi no final de 2017 para 2018, que foram os anos que eu comecei a ganhar mais coisas no adulto e pude ver que era possível estar em Olimpíadas e ter uma vida através do taekwondo.

"Graças ao resultado, eu entrei na Marinha, tenho hoje o apoio do Bolsa Pódio e, graças aos resultados, eu tive a oportunidade de disputar minha vaga olímpica, que foi em 2020, em que eu me classifiquei para os Jogos Olímpicos" Milena Titoneli, sobre entrar na Marinha e ampliar as expectativas para o esporte profissional

OP - Os resultados positivos nas competições e a ascensão rápida também foram um incentivo para você levar o esporte mais a sério?

Milena - Sim, com certeza. Em 2017, eu tive alguns resultados que puderam me fazer entrar na Marinha, que foi ali também que eu tive minha primeira ajuda, meu primeiro salário para viver. Não só a vida pessoal, mas para ter a vida profissional. Graças ao resultado, eu entrei na Marinha, tenho hoje o apoio do Bolsa Pódio e, graças aos resultados, eu tive a oportunidade de disputar minha vaga olímpica, que foi em 2020, em que eu me classifiquei para os Jogos Olímpicos. Se eu não tivesse esses resultados, eu não teria chance de estar nos Jogos Olímpicos e também, talvez, não estivesse tão motivada para continuar tentando. Então, com certeza os resultados me motivaram de alguma forma.

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" É muito bom poder conhecer o mundo inteiro, diferentes culturas, fazer amizades, fora a experiência que a gente tem dentro do esporte." Milena ao falar sobre o impacto do esporte no conhecimento pessoal e experiências esportivas

OP - Com os diversos torneios, você teve também a oportunidade de viajar pelo mundo, conhecer vários países...

Milena - Nossa, eu tomei um susto de início. Inclusive, a minha primeira competição, quando acabou, eu nem sabia o que estava disputando. Aí, quando acabou, falaram para mim: 'Ah, você vai para a China para disputar o Mundial júnior e tentar vaga para as Olimpíadas'. Eu: 'Como assim eu vou para a China?'. Lembro que liguei para o meu pai e comecei a chorar: 'Papai, vou para a China', toda feliz. Logo em seguida, comecei a ter várias viagens. No mesmo ano, fui para a Coreia, para a República Dominicana e nunca tinha viajado nem dentro do Brasil. Eu tinha feito uma viagem de avião antes disso e eu lembro que fiquei maravilhada. Fiquei muito feliz e logo depois comecei a viajar o mundo inteiro, então para mim foi um sonho que era impossível se tornando realidade. É muito bom poder conhecer o mundo inteiro, diferentes culturas, fazer amizades, fora a experiência que a gente tem dentro do esporte. É uma experiência para a vida que não tem nem como explicar.

OP - Você lembra de alguma dificuldade que passou em viagem, seja pelo idioma ou por cultura local?

Milena - Ah, a gente já passou por muita coisa. Desde ter que se virar, tipo não ter dinheiro e ter que fazer alguma coisa fora do país, ou de repente estar em algum lugar que a pessoa não fala inglês e você não consegue se comunicar... Além de ter muita coisa boa, conhecer lugares que você nunca pensou que poderia conhecer, de ver lugares lindos, parece que você está assistindo a uma televisão e não, você está ali, presente mesmo. Tem muita coisa. Acontece coisa ruim, coisa muito boa na viagem e é muito legal porque a gente consegue se virar. A gente dá um jeito, brasileiro sempre dá um jeito (risos).

Milena Titoneli, do taekwondo, conquistou medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de 2019, em Lima
Foto: Washington Alves/COB
Milena Titoneli, do taekwondo, conquistou medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de 2019, em Lima

OP - No Pan de Lima, em 2019, você conseguiu um feito inédito para o taekwondo brasileiro ainda muito jovem. Como foi a preparação?

Milena - Os Jogos Pan-Americanos, a gente teve uma preparação muito, muito intensa. Desde viagens, que a gente viajou muito para poder ter mais experiência de luta, para poder aprender, por exemplo, com as principais potências da Europa e da Ásia, e também para ter vivência com as minhas adversárias. O tempo todo assistindo elas, assistindo luta e sempre tendo uma preparação física e técnica voltada para aquela competição específica. Cada dia, por exemplo, a gente estudava uma atleta e fazia (o treino) em cima dela e no outro dia fazia em cima de outra atleta e por aí vai. Então eu conhecia todas as atletas que iam lutar comigo, que poderiam lutar comigo, e a gente já chegou lá com uma estratégia marcada, conhecia todo mundo, já tinha experiência. Todas as meninas com quem eu lutei já tinha lutado antes, inclusive perdido para todas, mas a gente ajustou direitinho e conseguiu chegar lá da melhor forma e foi a minha melhor performance até hoje.

"Foi inexplicável a sensação. Sensação de dever cumprido, mas de sonho realizado também. É muito bom poder contribuir para a história tanto do meu esporte quanto do país, do esporte dentro do país." Milena ao lembrar a medalha de ouro

OP - E qual foi a sensação de ganhar aquela medalha de ouro?

Milena - Foi inexplicável a sensação. Sensação de dever cumprido, mas de sonho realizado também. É muito bom poder contribuir para a história tanto do meu esporte quanto do país, do esporte dentro do país. E eu estou disposta a quebrar metas, quebrar tudo que já foi feito. Quero fazer história dentro do meu esporte e fico muito feliz que eu esteja conseguindo e contribuindo para tudo.

OP - Aliás, como é a preparação para as competições de forma geral? A tecnologia hoje é uma aliada para analisar as adversárias?

Milena - Essa parte de estudo, a gente tem acesso a vídeo de luta de todo mundo, então pega diversas lutas para ver o forte da atleta e no que ela é fraca também, no que ela toma ponto, em qual situação da luta e tudo mais. Além disso, a gente tem a Paula, da Confederação, que é analista e ajuda a gente. Todos os vídeos das adversárias ela passa para a gente, coloca lá quantos pontos tomou, por exemplo, do lado direito, do lado esquerdo, na cabeça, e isso facilita muito para a gente também porque consegue ver qual estratégia pode usar para pontuar mais fácil, o que a atleta geralmente toma de ponto, o que dá para fazer. A gente vai olhando isso e encaixando no que eu gosto de fazer, no que eu sou boa na luta, no que eu geralmente faço, e vai treinando em cima disso. Aí, as pessoas que treinam comigo simulam a minha adversária, fazendo o que ela faz, para poder treinar a defesa, o contra-ataque e vai montando as estratégias em cima de cada atleta. Eu tenho um estilo de luta e, de repente, com tal atleta funciona, mas com outra não funciona e eu tenho que mudar. Então tem que ir treinando para poder adaptar de acordo com a adversária.

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" Esse adiamento foi bom porque eu consegui pegar, melhorar minha parte técnica, parte física e hoje já me sinto muito melhor e a confiança está bem melhor para os Jogos Olímpicos." Milena, sobre a adiamento das Olimpíadas de 2020 para 2021

OP - Em razão da pandemia, as Olimpíadas acabaram sendo adiadas de 2020 para 2021. Como você encarou isso, principalmente do ponto de vista psicológico?

Milena - A gente classificou em março e, bem quando chegou no Brasil, começou a pandemia e começou a fechar tudo. A gente teve pouco tempo para ter uma ideia de como continuar. Eu tive dez dias de descanso, que já estava programado, e nesses dez dias a gente já começou a pensar no que fazer. Então, nós alugamos uma chácara no interior de São Paulo, montamos um centro de treinamento lá para poder continuar isolado, com poucas pessoas, porque não podia parar. A Confederação ajudou a gente nisso, o COB (Comitê Olímpico Brasileiro). A gente passou seis meses nessa chácara, depois foi para a Europa, passou três meses de treinamento lá, aí voltou para cá, abriu o nosso CT, em São Caetano, continuou os treinos por um mês e meio, mais ou menos, e aí o que aconteceu? Fechou de novo. A gente teve que voltar para a Europa, passou três meses lá. Então, basicamente a nossa preparação foi feita em isolamento em uma chácara e na Europa. Essa questão dos Jogos terem sido adiados, de início foi bem triste, eu fiquei bem chateada, porque estava chegando já, naquela vontade de lutar, mas a gente tentou ver pelo lado bom. Eu tinha muita coisa para melhorar, muita técnica, porque 2019 e 2020 foram anos que eu tive que viajar muito... Tipo, em um mês, viajava de duas a três vezes para competir, então não conseguia ter um treinamento contínuo. Esse adiamento foi bom porque eu consegui pegar, melhorar minha parte técnica, parte física e hoje já me sinto muito melhor e a confiança está bem melhor para os Jogos Olímpicos. Tanto para mim quanto para o mundo inteiro acredito que foi bom e ruim, teve seu lado bom e seu lado ruim do adiamento, mas agora já está chegando de novo, já estou com aquela ansiedade boa. E tem que ter a cabeça muito forte mesmo, um preparo mental, porque se não tiver pode ser que... O corpo pode estar bem, o físico pode estar bem, o técnico pode estar bem, mas a cabeça é que manda. Então se a cabeça não está boa, nada responde, e a cabeça é que mostra o caminho.

OP - Para você, especialmente, quais foram os prós e contras do adiamento?

Milena - Os prós foram o que eu falei, de poder treinar, estudar mais, poder melhorar o que eu preciso melhorar: o que eu tenho de ruim e o que é bom. O contra é porque, além de adiar, ter que esperar mais um ano para poder lutar, a gente tem que ir adaptando. Como o mundo está passando por um problema muito difícil, muitas vezes eu tenho que ficar muito longe de casa, muito longe da família, ter uma vida que eu não era acostumada. Às vezes isso pega também, é bem difícil, porque eu sou uma pessoa muito apegada a minha família. Por exemplo, agora eu tive que passar três meses na Europa, já passei três meses ano passado, além de ter ficado isolada nessa chácara, então essa parte está sendo muito difícil para mim. Mas a gente está conseguindo adaptar, minha família também tem me apoiado todos os dias, conversado muito. A gente que a meta, o sonho que é maior do que tudo. Vai dar certo, está acabando (risos). A gente está muito, muito animado. Outra questão também é que não vai poder ter público lá nos Jogos Olímpicos e é diferente, porque a gente sempre sonhou: 'Ah, meu pai e minha mãe vão estar lá, vou ganhar uma medalha e sair correndo para o braço deles na arquibancada', mas se tem que ser desse jeito vai ser desse jeito. Acredito que a energia dos Jogos Olímpicos nunca vai ser perdida, vai continuar sendo os Jogos Olímpicos, vai ser histórico. Como tudo na vida, tem o lado bom e o lado ruim, a gente só tem que saber levar e focar no lado bom. Eu tento sempre focar no lado bom, pensar positivo, porque na maioria das vezes dá certo (risos).

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OP - Nesse caso, para manter contato com a família, a tecnologia também ajudou?

Milena - A tecnologia é que salva mesmo nesses momentos: ligação de vídeo toda semana, quase todo dia, nem que sejam 20 minutinhos conversando, mas a gente sempre tenta manter contato e é por aí mesmo. FaceTime, WhatsApp... (risos). É o que tá salvando mesmo.

OP - Para uma atleta, principalmente jovem, uma das principais dificuldades deve ser o cuidado com a alimentação na rotina para não afetar o desempenho. Como se manter na linha com a dieta?

Milena - É bem difícil porque, além do peso, a gente tem que ter uma alimentação regrada, regulada, por conta da performance também. Às vezes, você come uma besteira ali e já te atrapalha no treino. Eu amo comer uma besteirinha (risos), quem não? Mas a gente tem que ter uma programação, seguir direitinho. Inclusive, se tiver uma alimentação balanceada, pode, sim, incluir pelo menos uma vez na semana um alimento diferente, que a gente goste. Depois de um tempo que a gente começa a seguir a dieta, tudo fica melhor, já vai até motivando a gente a continuar. E o que me ajuda muito também, para recuperação dos treinos, além da alimentação, é o Aminovital, que me ajuda muito mesmo. Às vezes, eu tenho que fazer dois, três treinos no dia, um seguido do outro, e preciso me recuperar de alguma forma. Mas a alimentação balanceada hoje em dia é muito importante na minha rotina. Se não tiver, às vezes atrapalha na performance, até mesmo no peso, e é um dos pilares, uma das coisas mais importantes para uma boa performance.

Milena Titoneli, do taekwondo, durante treino(Foto: Divulgação/Time Ajinomoto)
Foto: Divulgação/Time Ajinomoto Milena Titoneli, do taekwondo, durante treino

OP - Qual é a sua rotina de treinos?

Milena - De segunda a sábado eu treino, só no domingo que eu não faço treino nenhum, é o meu dia de descanso. Mas todos os dias a gente faz treino físico, na parte da manhã, e treino técnico, na parte da tarde. De vez em quando, dependendo do calendário, a gente inclui mais um treino à noite para poder fazer alguma correção ou treinar, por exemplo, flexibilidade, mobilidade, que são muito importantes para a gente também. Mas esses treinos duram de uma hora e meia a duas horas cada um, então posso dizer que treino de três a cinco horas por dia e é bem puxado, um treino muito intenso, o tempo inteiro dando o máximo. Mas é uma rotina que, se eu dou uma quebrada, já sinto falta, meu corpo já sente muita falta. Já estou acostumada, mas é bem puxado (risos).

" Após o Pan que começou a dar uma melhorada, mas precisei ser campeã dos Jogos Pan-Americanos para poder ter uma visibilidade, então é bem difícil." Milena, ao relatar os obstáculos que venceu para obter apoio financeiro

OP - Conseguir apoio e patrocínio para o esporte olímpico no Brasil ainda é uma grande dificuldade para os atletas?

Milena - É muito difícil, principalmente quando você está no início de carreira, que o pessoal não conhece. Eu passei por muita dificuldade nisso também. Após o Pan que começou a dar uma melhorada, mas precisei ser campeã dos Jogos Pan-Americanos para poder ter uma visibilidade, então é bem difícil. Mas a Confederação também ajudou muito a gente, eu tenho o apoio da Marinha também, da Bolsa Pódio, que foram fundamentais para eu poder rodar. E a Confederação ajudou muito a gente nessa reta final, o Comitê Olímpico também. Mas é muito difícil mesmo conseguir um patrocínio. Até com títulos é difícil, porque o taekwondo não é muito reconhecido no Brasil, poucas pessoas conhecem. Graças a Deus tive essas ajudas e hoje em dia consigo me preparar, fazer planejamentos e poder competir. De início é muito difícil, a gente tem que se desdobrar porque para conseguir patrocínio no taekwondo é difícil, muito difícil.

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OP - A chance de disputar as Olímpiadas era a grande meta quando você começou a carreira?

Milena - Desde que eu comecei a ver o taekwondo como minha profissão, como minha carreira, os Jogos Olímpicos eram o meu maior sonho. Eu me lembro de, mais nova, em 2012, acordar de madrugada para poder assistir à competição, assistir aos Jogos Olímpicos. Em 2016, eu tentei a vaga, não consegui. Baixei dez quilos para tentar uma vaga, mas, infelizmente, não consegui. Fui lá, assisti todos os dias do taekwondo presencialmente e sempre disse que queria estar lá. Hoje o sonho é possível, está se tornando realidade. Com certeza os Jogos Olímpicos são minha maior meta, meu maior sonho na carreira.

OP - Vi que você gosta bastante de música. Já escolheu alguma para embalar a competição em Tóquio?

Milena - Olha, eu tenho muitas músicas preferidas. Ainda tenho que pensar em uma assim. Se eu colocar, por exemplo, para entrar na luta. Mas eu tenho muitas. Geralmente eu escuto muito rap para poder entrar na luta, gosto bastante. Gosto, inclusive, de umas músicas do Projota. Tem aquela música 'Moleque de Vila', que fala umas coisas que me motivam muito a entrar na quadra e dar o sangue lá dentro.

Milena Titoneli, do taekwondo, em desfilo dos uniformes do Time Brasil para os Jogos Olímpicos de Tóquio(Foto: Alexandre Loureiro/COB)
Foto: Alexandre Loureiro/COB Milena Titoneli, do taekwondo, em desfilo dos uniformes do Time Brasil para os Jogos Olímpicos de Tóquio

OP - Ainda aos 22 anos, você vai representar o Brasil nas Olimpíadas e com expectativa de medalha. Como conter a ansiedade?

Milena - É uma responsabilidade muito grande, pode-se dizer até que é uma pressão grande, mas acredito que o Brasil inteiro está torcendo, querendo o nosso melhor, e a gente tem que levar isso como motivação, como algo que vai dar força. Eu penso assim. Eu tento fazer muito trabalho psicológico, porque às vezes bate aquela ânsia, aquele frio na barriga, e eu fico: 'Ah, meu Deus, está chegando'. Eu consigo me concentrar para poder continuar fazendo o trabalho, poder chegar lá da melhor forma psicologicamente, principalmente, e continuar fazendo esse trabalho mental, porque, se não fizer, pode ser que chegando lá dê aquela travada. Não sei, porque nunca vivi esse momento, mas estou muito ansiosa e muito animada ao mesmo tempo. Quero pisar lá e fazer o meu melhor.

OP - Claro que a sua família também está na torcida, mas eles fazem algum tipo de cobrança por resultado, mesmo de forma indireta?

Milena - O tempo todo eles falam, acreditam que eu vou chegar lá e fazer diferente. Meu pai até fala que eu sempre surpreendo, porque às vezes ele me vê como a criança ainda e não sabe como eu trabalho, porque não vê diretamente nos treinos, mas sabe que eu trabalho muito. E às vezes ele diz que ele mesmo se surpreende com coisas que acontecem na minha carreira. A gente sempre conversa, eles sempre falam que acreditam muito em mim, que é diferente ver um atleta e uma pessoa que tem uma vida 'normal'. A gente sempre conversa, mas, ao mesmo tempo, eles tentam não colocar pressão em mim porque sabem que é uma pressão muito grande, que talvez possa atrapalhar. Às vezes, a gente conversa cinco minutos sobre o assunto, mas não se aprofunda muito, porque também eles têm um pouco de medo de me atrapalhar em algo, só que eu sei que eles estão lá por mim, estão torcendo, e eu estou por eles também.

OP - Quais as principais lembranças que você tem das Olimpíadas?

Milena - Eu comecei a ter mais contato com os Jogos Olímpicos depois que eu comecei a praticar o taekwondo mesmo, nunca fui muito chegada em esporte. O momento que ficou muito marcado para mim foi em 2012, eu acordando de madrugada e ligando a TV para assistir a Natália Falavigna em Londres, disputando. Infelizmente, ela não conseguiu a medalha naquele ano, mas eu me lembro dela entrando na quadra e eu me vi nela ali. Sempre me inspirei muito na Natália e foi um momento que ficou marcado para mim, não esqueço essa cena. E também em 2016 mesmo, quando o Maicon (Andrade) conseguiu uma medalha para o Brasil (no taekwondo) e eu vi a torcida brasileira gritando, ele abraçando. Foi uma energia que arrepia só de lembrar. Ficou muito marcado para mim.

OP - A ascensão no esporte também possibilita o contato com ídolos, convivência com pessoas famosas. Quem você já conheceu ao longo desses anos?

Milena - "A Natália (Falavigna) hoje é coordenadora da Confederação, então tenho um contato mais próximo com ela. Mas em 2012 mesmo, ela treinava em São Caetano e eu tenho uma foto com ela daquela época. Poder ver a foto de 2012 e hoje, a gente trabalhando juntas, é muito legal. Também já tive a oportunidade de conhecer muitas pessoas, de ver pessoas. Por exemplo, o Arthur Zanetti (da ginástica artística) eu já tive um pouco mais de contato, porque ele é daqui de São Caetano e a gente já vivenciou algumas coisas, mas já pude conhecer o Arthur Nory (também da ginástica artística), me lembro quando vi a própria Mayra Aguiar, do judô, e fiquei: 'Meu Deus, é a Mayra' (risos). A própria Ana Marcela (Cunha, da natação), que eu acompanho um pouco mais, e muitas outras pessoas. É muito legal, por exemplo, estar em uma competição, olhar para o lado e ver aquele atleta que você só via em... O próprio Time Brasil, lá no Rio, quando a gente se reúne e vê outros atletas, é muito legal você estar tomando café e, na mesa ao lado, estar aquela pessoa que você acompanhava pela TV. O esporte realmente me proporciona coisas que eu nem sei como explicar, nem sei como agradecer"

OP - Você citou algumas vezes que era fã da Natália Falavigna e hoje trabalha diretamente com ela. Vocês conversam sobre as Olimpíadas?

Milena - Ela conversa comigo, especialmente. Eu já tive algumas conversas com ela e é muito legal. Quando ela fala, vem aquele brilho no olho, porque ela foi uma atleta excepcional no taekwondo, fez muita história, é mulher também. Eu tenho uma conexão com ela que toda vez que ela fala, eu me vejo fazendo e vejo como os sonhos podem ser possíveis de serem realizados. Às vezes ela me conta algumas experiências que ela teve e é muito legal. Me motiva a querer fazer melhor também, a poder chegar lá e ser como ela.

OP - Nas redes sociais, você costuma usar imagens e emojis de um leão, além de ter uma tatuagem. De onde vem essa ligação e por que te inspira?

Milena - A questão do leão é porque, além de ser meu signo, eu sempre fui uma pessoa muito quieta, nunca me expressei muito bem. E eu tenho muita dificuldade com isso, às vezes ouço coisas que talvez machuquem ou não concordo com algo, mas não quero falar para não gerar algum conflito, e isso é como se eu tivesse algo muito grande dentro de mim, mas que eu não conseguisse soltar. Dentro de quadra eu sinto como se estivesse soltando tudo que tem aqui dentro e é como se fosse o leão saindo da jaula. Isso eu levo para a minha vida porque não só na quadra eu tenho que ter coragem, tenho que ter coragem para outras coisas na vida também para poder viver realmente. É isso que eu falo: tenho um leão dentro de mim que está saindo da jaula, que eu estou crescendo com isso. E também o leão representa força, muita força e é um animal que eu me identifico muito, inclusive tenho uma tatuagem nas costas. O leão representa muita coisa dentro da minha vida e eu quero ser um leão saindo da jaula, uma leão na minha vida. Ter força, coragem e, principalmente, essa questão de poder sair da jaula e poder me expressar.

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