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Cristina Tardáguila: "Qualquer ataque a um jornalista é um ataque à liberdade de imprensa"
Reportagem Seriada

Cristina Tardáguila: "Qualquer ataque a um jornalista é um ataque à liberdade de imprensa"

Fundadora da Agência Lupa e diretora sênior de programas do International Center for Journalists (ICFJ), Cristina Tardáguila destaca o viés de gênero presente nos casos de violência on-line. E alerta: não podemos imaginar que os casos vão ficar apenas no ambiente virtual.
Episódio 60

Cristina Tardáguila: "Qualquer ataque a um jornalista é um ataque à liberdade de imprensa"

Fundadora da Agência Lupa e diretora sênior de programas do International Center for Journalists (ICFJ), Cristina Tardáguila destaca o viés de gênero presente nos casos de violência on-line. E alerta: não podemos imaginar que os casos vão ficar apenas no ambiente virtual.
Episódio 60
Tipo Notícia Por

 

 

Os ataques contra jornalistas e veículos de comunicação no Brasil vêm aumentando ano a ano, segundo relatório da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Em 2019, foram registrados 130 casos. No ano seguinte, o número saltou para 367 e, em 2021, chegou a 453. Em ano eleitoral, o alerta deve estar ligado. Ao invés de serem reativas, as empresas devem ter processos estabelecidos para que se saiba como agir em eventual caso de ataque a um profissional da casa.

É isso que defende Cristina Tardáguila, diretora sênior de programas do International Center for Journalists (ICFJ). “Estamos a alguns meses das eleições, indubitavelmente os jornalistas serão atacados e indubitavelmente isso cresce em volume — é sempre assim em todas as eleições. Mas dessa vez nós já temos nas costas uma bagagem que nos permite organizar um pouco a casa antes que venha essa avalanche de devastação”, afirma.

A maioria (62,5%) dos ataques no ano passado ocorreu no ambiente on-line. Em entrevista ao O POVO, a fundadora da Agência Lupa, especializada em fact-checking, aponta a questão de gênero envolvida nesses ataques, a problemática da desinformação e o debate sobre moderação do conteúdo nas redes sociais. “Acho que o movimento empresarial do (Elon) Musk nos permitiu ter uma conversa que não estávamos tendo.”

 

 

O POVO - Recentemente a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) lançou o relatório de monitoramento de ataques a jornalistas no Brasil. Houve 453 ataques só em 2021, e a maioria deles começou ou teve repercussão no ambiente on-line. Como você avalia essa questão e o que tem observado, nas suas pesquisas, sobre esse tipo de violência? O que espera para esse ano?

Cristina Tardáguila - A conclusão da Abraji está completamente alinhada com uma pesquisa feita pelo ICFJ mostrando o impacto da violência on-line no universo digital e como isso é um problema. A pesquisadora Julie Posetti fez um acompanhamento de mil mulheres jornalistas que estão no ambiente digital, e a conclusão é igualmente chocante. De cada quatro mulheres, três dizem ter sofrido violência on-line. É um dado assustador que nos faz pensar no que devemos fazer para melhorar esse ambiente, porque, onde há violência, ameaça, assédio, é muito mais difícil que haja um fluxo de informação para o cidadão. E, quando o cidadão não recebe informação, ele dificilmente vai tomar boas decisões. Então, é um ciclo vicioso que coloca em risco não só o bem-estar pessoal como de todo o País. Ou seja, se estamos mal informados, tomamos péssimas decisões; se tomamos péssimas decisões, temos um cotidiano e políticas públicas completamente truncados. Está no cerne do debate digital, hoje em dia, essa necessidade de encontrar maneiras de tornar o ambiente on-line um espaço mais saudável, mais amistoso, onde realmente se possa ter uma conversa e uma troca de informações menos belicosas, menos conflitivas.

OP - O relatório da Abraji traz também essa questão do gênero. Quais são as especificidades quando se fala no discurso em relação a mulheres, pessoas trans e quando envolve a orientação sexual do profissional?

Tardáguila - Não tenho a menor dúvida sobre o viés de gênero. O ataque digital é massivamente mais centrado nas mulheres do que nos homens e talvez nos LGBTs todos mais do que nos homens (heterossexuais). Outro dado que trago aqui desse estudo, The Chilling, é que enquanto 75% das mulheres acabaram confirmando terem sido vítimas de violência on-line, só 25% realmente reportou essa violência inclusive para seu próprio chefe dentro da redação. Já tem um medo dentro da própria vítima, e isso é um problema que temos que trabalhar demais. O estudo da Julie Posetti traz algumas recomendações muito objetivas para serem levadas adiante. A primeira coisa — e é muito possível que essa reportagem enfrente isso — é culpar a vítima. Isso tem sido o dia a dia de muitas mulheres repórteres não só no Brasil. E o que é mais importante, a Julie Posetti chegou a uma conclusão muito impressionante: ela selecionou um grupo de mil e se centrou em um estudo de 5 ou 6 mulheres que efetivamente enfrentam barra pesadíssima. Não tem nenhuma brasileira nesse grupo ainda, mas, nesse grupo de mulheres que ela selecionou, os ataques saíram do universo digital e aconteceram no universo real. Então, não podemos imaginar que o que é violento no on-line ficará apenas no on-line.

"É muito difícil ser atacado, é muito difícil ser racional no momento do ataque." Cristina Tardáguila ao comentar a repercussão dos ataques online

OP - Nesse contexto de eleições, isso acende um alerta ainda maior, no Brasil?

Tardáguila - Sem dúvida nenhuma. Eu até brinco: os jornalistas, em ano eleitoral, estão passando as olimpíadas deles. Vai ser o ano em que tudo que você treinou você coloca em jogo. Mas, por mais que você se prepare, você nunca está pronto. É muito difícil ser atacado, é muito difícil ser racional no momento do ataque. E há uma coisa que eu vivo insistindo em várias conversas que eu tenho sobre esse assunto: da necessidade de nós, jornalistas, redações, estabelecermos processos; caso uma coisa aconteça, nunca sermos reativos, termos um caminho trilhado, claro, sobre como agir. Vai acionar o jurídico? Vai à polícia? Vai responder na própria rede social? Vai botar um segurança? Essa regra vale para o estagiário e para o diretor? Quais são as situações de proteção e o que define um ataque? Para cada redação pode ser diferente. Essa conversa precisa acontecer agora. Estamos a alguns meses das eleições, indubitavelmente os jornalistas serão atacados e indubitavelmente isso cresce em volume — é sempre assim em todas as eleições. Mas dessa vez nós já temos nas costas uma bagagem que nos permite organizar um pouco a casa antes que venha essa avalanche de devastação.

 

 

Ataques a jornalistas nos últimos três anos

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OP - Nesse contexto das redes sociais, vimos a questão da compra do Twitter pelo empresário Elon Musk. O que está sendo discutido quando se fala sobre essa compra e sobre o gerenciamento dessa rede social por uma pessoa que fala em liberdade de expressão e menos regulação do conteúdo?

Tardáguila - Acho que o movimento empresarial do Musk nos permitiu ter uma conversa que não estávamos tendo. É importante entendermos que o Musk fez alguns anúncios bem específicos: ele disse que vai tratar o Twitter como uma praça pública onde todo mundo pode falar o que quiser, que vai abrir o algoritmo para que as pessoas entendam que estão sendo influenciadas por algoritmos, que vai diminuir ao máximo a moderação e que vai devolver algumas contas, entre elas a do ex-presidente americano Donald Trump. Não temos muitas informações nem de quando, nem de como, nem se tudo que ele anunciou vai ser mesmo feito. Então, com todos esses ‘ses’, eu queria trazer uma reflexão: na verdade, o que estamos debatendo aqui é qual internet queremos, e, quando ele fala em uma praça pública onde todo mundo se reúne para conversar e falar o que quiser, eu evidentemente vou pensar na praça pública no mundo offline. Não existe uma praça pública em que não há o mínimo de organização. Ela não seria saudável, não seria praticável. A proposta de um ambiente completamente livre de moderação não encontra eco na vida real. Em qualquer ambiente, temos algum tipo de jeito de estar, forma de socializar. Então, me causa um pouco de estranhamento a possibilidade de isso ser real dentro do Twitter.

OP - E logo depois do anúncio da compra do Twitter veio a carta do Orkut anunciando que havia um novo projeto e falando sobre a não venda de dados dos usuários. Ainda não temos muitas informações, mas você acha que pode sinalizar maior competitividade?

Tardáguila - Óbvio. Eu sempre digo que a pior coisa que pode acontecer para as redes sociais é elas serem monopolizadas, sou bem crítica a isso. Ainda mais porque estamos — quer queira, quer não — na “infância” das redes sociais, então temos muito o que aprender sobre para onde elas podem ir, o que elas podem fazer, quais são os riscos, o que está em jogo. A possível volta do Orkut não só me traz o momento de saudade da plataforma, de como era suave aquele uso de redes sociais. Fico imaginando como seria hoje em dia se o Orkut tivesse envelhecido como envelheceu o Twitter, o Facebook e as demais redes. Também seria um espaço de muita desinformação, de muito ódio, de violência? Ou teria sido um espaço blindado? Acho que todas as propostas que estão na mesa têm perfis diferentes, interesses diferentes, clientes diferentes e estão todas sendo testadas ao mesmo tempo. Precisamos ter o tempo histórico correndo para ver qual delas vinga, qual delas tinha razão, qual se adaptou mais velozmente à realidade — porque também tem isso, a realidade vai mudar de um dia para o outro. Estamos vendo, por exemplo, a Europa aprovando um marco legislativo que exige diferentes movimentos das redes sociais. Os executivos têm que se adaptar rápido.

"O problema é muito maior do que dariam conta apenas as organizações que se dedicam ao fact-checking. Mas é inegável que houve um enorme avanço de 2018 para cá, de 2016 para cá." Cristina ao falar sobre a responsabilidade das plataformas

OP - E como tem sido essa experiência de checagens e parcerias com as plataformas? Como você avalia essa parceria agora no período da pandemia e o que pode evoluir, para as eleições, por exemplo, e para outros cenários?

Tardáguila - De cara, vou repetir o que sempre digo: as plataformas e as redes sociais sempre podem fazer mais. O problema é muito maior do que dariam conta apenas as organizações que se dedicam ao fact-checking. Mas é inegável que houve um enorme avanço de 2018 para cá, de 2016 para cá. A qualidade da informação sobre Covid-19 teria sido muito pior, não fosse por parcerias desse tipo. Teríamos visto o movimento antivacina correr livre, por exemplo, no Instagram, no Facebook, por falta desse tipo de marcação. Claro, muito pode ser feito. Existem várias redes muito importantes que ainda são tímidas nessa associação com os checadores, e aí falamos obviamente do Telegram, do WhatsApp — apesar de ter algumas coisas em andamento, poderiam ser muito mais —, do TikTok, que é gigante. Há um espaço muito grande ainda para que haja um bom uso do trabalho dos checadores. Ele está aí disponível, ele é público e seria ótimo que esse esforço que é feito diariamente por essas pequenas redações fosse mais bem aproveitado pelos poderosos donos de redes sociais. Por outro lado, é importante imaginarmos, já pensando em eleição, que algumas pequenas mudanças de produto poderiam ter impactos muito grandes.

Outro dia vimos como foi a campanha para fazer o título eleitoral com 16 anos. No momento em que o Facebook faz um megafone, aquela mensagem que chega para todos os usuários, o volume de visitas ao site da Justiça Eleitoral é impressionante. Quando você entra no WhatsApp, hoje em dia, não tem nenhum lugar para buscar as últimas verificações, por exemplo. Seria ótimo se o Telegram ou o WhatsApp mandassem pushes no celular. Você poderia receber (uma mensagem dizendo): “Atenção, não é verdadeira a informação de que dois mais dois é igual a cinco”. Temos que ter capacidade de gritar alto quando alguma coisa muito equivocada estiver solta, e isso ainda está por ser feito.

 


 

"Nós, como Brasil, como unidade, como País, como democracia, precisamos entender que absolutamente qualquer ataque a um jornalista é um ataque à liberdade de imprensa e devemos tratar isso como tal." Cristina sobre a liberdade de imprensa

OP - Voltando à violência contra jornalistas, como está essa questão especificamente com checadores?

Tardáguila - Os checadores comem o pão que o diabo amassou todos os dias há muito tempo, isso é um fato, e é muito interessante observar como que checador não tem amigo (risos). E isso é bom. Cada dia tem um grupo político ou um grupo ideológico muito chateado com checadores, e essa alternância é o que garante a independência. De modo geral, o checador vive respondendo àquela pergunta: “mas quem checa o checador?”. E a resposta é muito óbvia, é “você”, porque absolutamente todas as verificações publicadas estão repletas de hiperlinks, e é possível refazer o passo a passo do trabalho do checador. É completamente diferente você ler uma checagem e você ler uma reportagem. O que vamos esperar para as Eleições? É muito comum o checador ser atacado pelo político quando ele recebe um falso, e é muito comum esse mesmo político apoiar a mesma equipe de checagem quando ele ganha um verdadeiro.

Vamos ver essa alternância, e isso é muito curioso. Agora, volto a citar o estudo feito pela Julie Posetti. Nós, como Brasil, como unidade, como País, como democracia, precisamos entender que absolutamente qualquer ataque a um jornalista é um ataque à liberdade de imprensa e devemos tratar isso como tal. Não devemos tratar isso como um caso pequeno da Maria, do João, do Pedro. Não são esses pequenos repórteres. Qualquer ataque que é feito à informação ou a quem informa é um ataque à liberdade de expressão, e isso deve ser considerado algo muito grave, como é nas grandes democracias do mundo.

 

Ataques a jornalistas por meios digitais

Made with Flourish
 

OP - Como você avalia iniciativas governamentais de checagem, justamente porque você está falando sobre essa reação de políticos?

Tardáguila - Para ser checador você precisa necessariamente ser apartidário, no sentido amplo da palavra. Você não pode usar a sua técnica para defender uma ideia, uma religião, um partido, um político, uma postura. A IFCN (International fact-checking Network) mede anualmente se seus membros não estão defendendo ou atacando com forma sistemática um ponto de vista, uma ideia, uma pessoa. Então, tendo isso como sombrinha da conversa, precisamos entender que esse é um debate que os checadores profissionais têm há muito tempo. Desde 2016 vemos uma expansão do fact-checking muito grande pelo mundo. Páginas como “A verdade sobre Hillary” ou “A verdade sobre Donald Trump”, para não dizer os brasileiros, que você entra, olha e tem cara de checagem, tem jeito de checagem, mas é só verdadeiro sobre um ou só falso sobre o outro. Isso os checadores não reconhecem como fact-checking. E temos extrema preocupação com essa deturpação, com a fronteira entre o fact-checking e a propaganda política. E claro, os marqueteiros da política já entenderam que as etiquetas de verdadeiro e falso são atrativas aos olhos. E a ideia de que uma força política possa checar entra em conflito com a ideia de independência e partidarismo. Se você é uma força política, você tem que defender uma ideia, você tem que defender uma posição, espera-se que você faça isso. Então são duas coisas que colidem.

OP - Você falou sobre a questão legislativa na União Europeia. Aqui, temos tanto o “PL das Fake News”, que visa trazer essas normas de moderação de conteúdo, quanto, com a Covid-19, acabamos tendo, aqui no Ceará e em outros estados, a criação de leis para punir a propagação de desinformação. Como você percebe essa punição por meio de leis? É a melhor saída para tratar sobre esse tema?

Tardáguila - Desde 2018, trabalho apurando, analisando, lendo sobre as tentativas de proibir o avanço das notícias falsas pelo mundo, e já tive oportunidade inclusive de ir à Ásia, que é onde há mais exemplos de leis. Já visitei Tailândia, Índia, Cingapura, Taiwan. E é com base nesse estudo que posso dizer com muita tranquilidade que a relação entre legislação e diminuição das notícias falsas não existe. Não existe nenhum caso comprovado de que, por força de uma lei, seja ela em qual país for, aquele país reagiu com menos desinformação. Essa é uma inocência do brasileiro, é praticamente não querer ver o que está acontecendo lá fora. Na Ásia, as leis contra a desinformação já existem desde 2019 ou de 2018, e elas têm vários problemas entre elas, mas basicamente temos um problema em comum no planeta: não sabemos o conceito de desinformação. Não conseguimos sentar, pegar um lápis e escrever “desinformação é...”. E eu pessoalmente já estive em vários comitês, em vários eventos em que o objetivo final era esse, descrever desinformação. Tentamos isso com legislador, com jornalista, com empresário.

  

OP - E nunca deu certo?

Tardáguila - Nunca deu certo. Ou fica muito grande, a definição, e aí você acaba, por exemplo, “matando” todos os humoristas ou todos os artistas. Ou você vai para o extremo oposto e faz algo tão curtinho que deixa de fora a fotografia cuja legenda não bate, o falso contexto. Então, nunca se chegou a uma definição clara que pudesse ser adotada mundialmente sobre esse problema. Logo, se não temos uma definição clara sobre o problema, como vamos poder criminalizar alguém por fazer algo que não sabemos o que é? Vimos o caso do Ceará e lamento que esse tipo de tentativa aconteça. Eu sou pessoalmente, assim como todos os checadores do mundo, radicalmente contra uma legislação. Achamos que não é por aí. Acho que o PL 2.630 não deve passar, não sou a favor do texto como está, mas acho que ele tem um ponto interessante: nossos políticos entenderam que, em lugar de irmos atrás do conteúdo, devemos ir atrás do comportamento. O comportamento desinformativo deve ser observado mais de perto. O PL tem vários problemas, traz proteção aos políticos, o que é um absurdo, o PL tenta trazer para o universo da desinformação uma questão econômica da briga das plataformas com a grande mídia. Não curto o texto como está, mas curto o debate. Precisamos dizer que tipo de internet queremos, mas temos que conversar muito antes, até chegar a um texto que tenha efeito.

 

 

>> Assista a seguir à entrevista na íntegra

OP - Vi um texto seu que fala sobre a pouca abordagem da educação midiática. Como você definiria a importância da educação midiática para o combate à desinformação, à proliferação de informações falsas? Em que o PL peca ao tratar ou não tratar o suficiente dela e como ela poderia ser melhor abordada?

Tardáguila - Eu pessoalmente dediquei centenas de horas a explicar a dezenas de parlamentares, seja no Senado, seja na Câmara, o que é a educação midiática, qual a importância, o que é feito nos outros países. Participei de todas as sessões e foi com muita dor no coração que eu vi que o PL trouxe um parágrafo sobre educação midiática, e esse parágrafo é um monte de palavras que não dizem nada. “Vamos envidar esforços para fazer alguma coisa”. Não existe bala de prata quanto às notícias falsas, é um processo, assim como foi com o spam. Me causa muito estranhamento imaginarmos que a próxima geração, se não receber educação agora, vai padecer do que já padecemos hoje. As crianças não estão nem aí para lei, não estão nem aí se tem ou se não tem PL, mas, daqui a dez anos, elas vão estar consumindo o que consumimos hoje em um nível muito maior. Se elas não estiverem preparadas para o que já encontramos hoje, como queremos que elas estejam preparadas para encontrar um volume ou uma realidade completamente mais impactante? Mais uma vez o Brasil deixa de lado a educação. Eu, pessoalmente, junto com o Instituto Palavra Aberta, escrevi cinco pontos bem objetivos para serem levados, apresentamos isso. Foi um artigo no jornal Folha de S.Paulo, foi encaminhado a todos os todos os parlamentares que estavam envolvidos no debate sobre o PL 2.630. São cinco pontos muito básicos que eu nunca entendi porque que não entraram. Eu acho que sempre a educação deveria gerar consenso.

"Por último, acho que precisamos ter um esforço muito grande de entender que educação midiática obviamente não pode ser de elite, não pode ser para os brancos ricos. Ela tem que estar pensada para a diversidade do Brasil." Cristina ao abordar a educação midiátiva

OP - Quais são esses cinco pontos?

Tardáguila - De forma geral, trazemos a informação de que nenhuma mudança na base curricular nacional precisa ser feita para que o tema educação midiática e combate à desinformação entre em sala de aula. Segundo: é necessário que, no nível universitário, seja formado um grupo de futuros ou atuais professores que sejam capazes de ensinar educação midiática. Depois, temos que imaginar como se paga tudo isso. Precisamos criar um mecanismo pra financiar a educação midiática, e aí desenhamos “n” cenários. Um deles: que tal partido “A”, que comprovadamente desinformou, ter que botar não sei quantos por cento no fundo da educação midiática? Isso seria uma possibilidade. Outra: fulano pagou não sei quantos milhões de dólares para impulsionar um conteúdo falso nas redes sociais. Hoje, a rede social põe esse dinheiro no bolso. Esse dinheiro teria que voltar para a sociedade. Então, isso poderia ser uma forma de financiar. Por último, acho que precisamos ter um esforço muito grande de entender que educação midiática obviamente não pode ser de elite, não pode ser para os brancos ricos. Ela tem que estar pensada para a diversidade do Brasil.

E não pode obviamente ser entendida como um meio de manipulação. Vemos, nos últimos tempos, uma dissonância de alguns termos no Brasil. Liberdade de expressão virou outra coisa, educação está virando outra coisa — e não pode ser outra coisa. Precisa ensinar, por exemplo: “essa imagem foi manipulada”. Não tem como não ser, eu mostrando tecnicamente que ela foi manipulada. E é muito importante que as crianças de hoje em dia saibam, por exemplo, se virmos, hoje, uma foto do Michael Jackson no morro Santa Marta, no Rio de Janeiro, saber que aquela foto não é de hoje, foi tirada quando Michael Jackson estava vivo e fez um clipe. Esse tipo de capacidade é técnica, não é subjetiva, e esse é um dos pilares da educação midiática a ser abordado em qualquer tentativa de regulamentação.

 

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