Logo O POVO+
Empresas sonegadoras com dívidas de R$ 290 milhões com o ICMS no Ceará são intimadas
Reportagem Especial

Empresas sonegadoras com dívidas de R$ 290 milhões com o ICMS no Ceará são intimadas

Perfil identificado inclui empresas que cobram o ICMS em seus produtos, declaram, porém não repassam valores ao Estado. Numa lista de 200 empresas matrizes, 30 primeiras já foram convocadas para ajustar situação. Quem não comparecer deverá ser denunciado à Justiça

Empresas sonegadoras com dívidas de R$ 290 milhões com o ICMS no Ceará são intimadas

Perfil identificado inclui empresas que cobram o ICMS em seus produtos, declaram, porém não repassam valores ao Estado. Numa lista de 200 empresas matrizes, 30 primeiras já foram convocadas para ajustar situação. Quem não comparecer deverá ser denunciado à Justiça
Tipo Notícia Por

Há uma categoria de empresários sonegadores do principal imposto estadual que está sendo rastreada mais detidamente pelo Fisco cearense. A dívida deles chega perto dos R$ 300 milhões.

Eles cobram normalmente do consumidor o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), embutido no valor do produto que negociam. Declaram a quantia no faturamento de suas empresas, porém, intencionalmente, não repassam ao Estado a cifra recolhida.

Nas planilhas, criam um faz-de-conta fiscal e o dinheiro até passa a fazer parte da estratégia financeira do negócio. A manobra aumenta a margem de lucro e detona a concorrência que age corretamente dentro das regras. 

Neste perfil específico de sonegadores, já está elaborada uma lista de 200 CNPJs principais (Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas) - o equivalente à matriz de cada empresa. Juntas, essas empresas devem R$ 290,3 milhões pelo não repasse do ICMS. O valor é já com a correção de juros e multas a serem aplicadas.

É dinheiro que deveria fomentar políticas públicas de áreas como segurança pública, habitação, saneamento, qualquer investimento que o Estado assuma. Como comparação, a corrupção desvia dinheiro do cofre público; este da sonegação nem chega a entrar nos cofres públicos.

Como critério para montar o perfil desses devedores contumazes foi considerada a prática de cobrar e não recolher o imposto em pelo menos quatro meses dos últimos quatro anos - além de não terem nem sequer procurado o Estado para negociar o débito. É uma conduta reiterada.

Em julho deste ano, O POVO revelou em reportagem que, somente de 23 grandes sonegadores no Ceará, a dívida do ICMS soma R$ 90 milhões. Entre esses maus pagadores estariam uma empresa de ônibus, indústrias de mineração, de bebidas, estabelecimentos comerciais de serviços e do setor varejista. O sigilo fiscal impede a divulgação dos nomes.

De 30 já notificados, dívida é de R$ 36 milhões e quatro não compareceram

As autoridades judiciárias e policiais estão inteiradas das pendências fiscais e acompanham de perto a investida aos sonegadores. Dentre os 200 CNPJs devedores, 30 já foram convocados para audiências no Ministério Público Estadual (MPCE). É um recorte inicial. Individualmente, são os principais valores e totalizam R$ 36 milhões em dívidas de ICMS.

promotor Ricardo Rabelo, coordenador operacional do Cira-Ceará
promotor Ricardo Rabelo, coordenador operacional do Cira-Ceará (Foto: ACERVO PESSOAL)

Dessas 30 empresas, quatro não compareceram para se justificar. Poderão ser denunciadas à Justiça por isso, segundo o promotor de justiça Ricardo Rabelo, chefe do Grupo de Atuação Especial de Combate à Sonegação Fiscal (Gaesf), do MPCE.

Ele é também o coordenador operacional do Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (Cira) no Ceará. O grupo foi instituído no primeiro trimestre deste ano, em ato normativo do governador Camilo Santana, para resgatar valores da sonegação no Estado. Foi o Comitê que levantou a lista desses devedores.

A ação penal por crimes contra a ordem tributária, para os faltantes das audiências, deverá ser apresentada ainda neste mês de novembro. Se a Justiça acatar, os empresários serão tratados como réus.

O que o Cira-Ceará rastreou

De 200 CNPJs

- ICMS declarado e não pago: R$ 188,7 milhões

- Com multas e juros: R$ 290,3 milhões

De 30 CNPJs (principais débitos)

- ICMS declarado e não pago: R$ 24 milhões

- Com multas e juros: R$ 36 milhões

Fonte: Cira-Ceará

Empresa com 40 filiais não fazia repasses: "Como se concorre com uma dessas?"

Os 30 primeiros citados abrangem 145 Cadastros Gerais da Fazenda (CGFs) detectados no perfil da sonegação contumaz: cada CGF significa a filial de uma dessas empresas.

Um dos casos identificados é o de uma empresa com 40 filiais (1 CNPJ, 40 CGFs). Todas cometeram o mesmo ilícito, entre 2015 e 2019. Totalizaram 1.024 meses de imposto não repassado ao Estado, segundo relatórios da Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz) usados pelo Cira.

A média foi de 25 meses de dívida do ICMS de cada empresa. A situação caracteriza a apropriação indébita do imposto. A pena prevista é de detenção de seis meses a dois anos mais multa. A continuidade do delito agrava a punição.

“Essa empresa todo mês declara e não paga. Ele está recolhendo o imposto do consumidor final e não está repassando o que é do fisco estadual. Como se concorre com uma empresa dessas?”, questionou o promotor. Ele não quis informar o nome nem segmento, nem se é do Ceará, só detalhou que é uma empresa franqueada.

Essa está sendo chamada de uma "primeira onda" (etapa) de cobrança e ajustamento. As audiências foram iniciadas em setembro passado. Em dezembro, na "segunda onda", serão chamados mais 10 CNPJs - em menor número por causa do recesso de fim de ano. A sequência a cada 30 CNPJs será retomada no início de 2020.

Por conta do sigilo fiscal, nenhum nome pode ser divulgado. Os personagens seriam de atividades empresariais diversas - da indústria, do comércio, da área de serviços.

“Não queremos criminalizar a atividade empresarial, mas a classe de empresários tem que entender que a conduta de declarar e não pagar é crime. Por isso focamos em atitudes deliberadas, não em quem não repassa o imposto em meses esporádicos”, delimita o promotor.

Sonegação de ICMS no Ceará (em impostos declarados e não repassados)*

Ano  Dívida original  Multa  Juros DÍVIDA TOTAL
2016 R$ 93.471.265,53 R$ 12.339.384,57 R$ 31.522.295,42 R$ 137.332.945,52
2017 R$ 56.545.245,89 R$ 7.634.047,38 R$ 10.337.045,22 R$ 74.516.338,49
2018 R$ 55.770.750,97 R$ 8.365.575,70 R$ 5.650.194,64 R$ 69.786.521,31

(*) Os dados são considerados ano a ano, não valem como somatório. Em 2017 e 2018, a redução é decorrente do Programa de Regularização Financeira (Refis).

Fonte: Cira-Ceará

STJ considera crime; STF julgará mérito dia 11 de dezembro

Há um entendimento no Superior Tribunal de Justiça (STJ), considerando como criminosa a prática de declarar ICMS e não transferir valores ao Estado. Porém, os recursos de empresários citados já bateram a porta do Supremo Tribunal Federal (STF). No próximo dia 11 de dezembro, a Corte abriu pauta de julgamento para analisar o mérito da situação.

O Cira cearense foi instituído pelo governo estadual em março de 2019. É formado por representantes de cinco órgãos: Procuradoria Geral de Justiça (PGJ), secretarias da Fazenda (Sefaz) e Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), da Procuradoria Geral do Estado (PGE) e do Tribunal de Justiça (TJCE).

Esta é a primeira ação mais efetiva contra o calote continuado ao fisco no Ceará. Desde então, estavam em planejamento - além do operacional, há um núcleo diretivo.

O modelo do Cira hoje é aplicado em quase todo o território nacional, para amenizar a conta não paga dos sonegadores. "O Cira hoje só não existe em quatro Estados (Amapá, Rondônia, Tocantins e Mato Grosso do Sul). É um momento de combate à sonegação fiscal no País", diz o promotor Ricardo Rabelo, do Gaesf.

LEIA TAMBÉM | Bahia tem 587 empresas suspeitas de sonegar R$ 307 milhões em impostos

Em setembro último, Recife sediou o 3º Encontro Nacional dos Ciras. Os anteriores foram realizados em Belo Horizonte (2017) e João Pessoa (2018).

O POVO procurou a Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz), mas foi informado que as declarações sobre o trabalho do Cira seriam concentradas na fala do promotor Ricardo Rabelo.

O que diz a legislação

Apropriação indébita de impostos

- Art.2º, inciso II, Lei n.º 8.137/90 (dos crimes contra a Ordem Tributária):

"Constitui crime deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos".

- Pena: detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

Sonegação de impostos

- Art.1º, inciso I, Lei 4.729/65 (define sonegação fiscal):

"Prestar declaração falsa ou omitir, total ou parcialmente, informação que deva ser produzida a agentes das pessoas jurídicas de direito público interno, com a intenção de eximir-se, total ou parcialmente, do pagamento de tributos, taxas e quaisquer adicionais devidos por lei".

Pena: Detenção, de seis meses a dois anos, e multa de duas a cinco vezes o valor do tributo.

Em 2018: dívida ativa foi maior que valor arrecadado de ICMS

A dívida ativa no Ceará em 2018, que representa o valor cobrado em impostos sonegados no Estado, foi maior que o valor arrecadado de ICMS no mesmo período. Os dados são da Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz), utilizados pelo Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (Cira) no Ceará para rastrear os sonegadores do fisco estadual.

Com juros e correção, a dívida de inscrições ativas no Ceará no ano passado chegou a R$ 12,2 bilhões. O valor supera os R$ 11,9 bilhões da arrecadação do imposto estadual de 2018. Em 2016 e 2017, os valores arrecadados ainda eram maiores que o devido.

Em 2017 e 2018, houve redução significativa dos valores devidos de ICMS porque o Estado reabriu vagas para empresas no Programa de Regularização Financeira (Refis). A partir de 2019, por força de lei estadual, o acesso de empresas ao Refis está vedado pelos próximos cinco anos.

Compare valores:

Arrecadação de ICMS no Ceará *

Ano  Valor
2016  R$ 10.436.149.947,25
2017 R$ 11.353.930.911,23 
2018 R$ 11.978.962.450,17 

(*) Nesta tabela, os valores corrigidos são transferidos para os anos seguintes.

Fonte: Cira-Ceará

ICMS: Dívida total de Inscrições ativas

Ano Valor principal + multa Juros  Correção  Total da dívida
2016 R$ 3.722.011.577,71 R$ 4.811.361.247,88 R$ 216.890.098,58 R$ 8.750.262.924,17
2017 R$ 4.185.310.758,68 R$ 5.334.777.550,25 R$ 230.059.149,49 R$ 9.750.147.458,42
2018 R$ 5.722.222.887,47 R$ 6.272.119.290,70 R$ 228.310.431,74 R$ 12.222.652.609,91

Fonte: Cira-Ceará

 

O que você achou desse conteúdo?