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PL do aborto é proposta de mortes anunciadas
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Jornalista, professora e consultora. Mestre em Políticas Públicas, especialista em Responsabilidade Social e Psicologia Positiva. Foi diretora de Redação do O POVO, coordenadora do Unicef, secretária adjunta da Cultura e assesora Institucional do Cuca. É autora do livro De esfulepante a felicitante, uma questão de gentileza

PL do aborto é proposta de mortes anunciadas

Mesquinhez nas barganhas políticas pode matar crianças-mães estupradas ou deixá-las mais tempo presas do que seus algozes
Tipo Análise
EM FORTALEZA, manifestantes contra a PL do Aborto se concentraram na Praça do Ferreira  (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS EM FORTALEZA, manifestantes contra a PL do Aborto se concentraram na Praça do Ferreira

Não é apenas um projeto de lei, é um atestado de óbito antecipado da criança-mãe. Não é apenas sobre o feto, é um atentado à infância da mãe. Não é apenas sobre vida, é uma aposta de que o machismo e a hedionda violência física e emocional do estupro vão continuar perpetrando a força diante da fragilidade. Não é apenas sobre política, faz parte de um contexto maior de desfazer direitos para achincalhar as conquistas sociais e gerar um território sem lei.

E é também inconstitucional, segundo parecer da Ordem dos Advogados do Brasil. Com 41 páginas, o documento da OAB teve a aprovação de 81 membros do seu Conselho Federal, nesta segunda-feira. O texto aponta que o projeto de lei, apresentado pelo deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), tem linguagem “depreciativa” e que a iniciativa seria “atroz e retrógrada”.

Exatamente há uma semana, no dia 12 de junho, o projeto, que equipara o aborto legal ao crime de homicídio, vem tramitando em regime de urgência. Se o projeto avançar, cairá o que prevê o artigo 128, do Código Penal Brasileiro, de que uma das possibilidades do aborto legal é a mãe que tenha sido estuprada consentir com o procedimento. Se houver aprovação do PL, mesmo que a mãe decida, estará ainda proibida de abortar, caso a gestação tenha ultrapassado 22 semanas. Se o fizer, será presa, assim como o médico.

Caso o aborto seja equiparado a um homicídio simples, a pena de reclusão iria de seis a 20 anos. Enquanto isso, o crime de estupro, se a vítima for adulta, é de seis anos, podendo chegar a 10. Placar deste jogo de absurdos: estupro – 10 x aborto – 20. De acordo com o PL, o aborto fruto de estupro seria mais negativo para a sociedade do que o próprio estupro.

O autor do projeto chegou a declarar que as meninas menores de 18 anos teriam que cumprir medidas socioeducativas caso abortem, inclusive em situações de estupro. O deputado teve o desplante de justificar que tal atendimento seria para que o estupro não voltasse a acontecer. Esta colocação engasga na garganta de qualquer pessoa que entenda que crianças e adolescentes devem ser protegidos pelo Estado, a família e a sociedade, e não condenados pelo Estado e pela sociedade que não conseguiram protegê-los.

Enquete realizada pela própria Câmara dos Deputados sobre o PL do Aborto, e que já alcançava mais de um milhão de votos até esta quarta-feira, revela que uma maioria expressiva de brasileiros, 88%, é contra a proposta. Deveria ser de 100%. Afinal, é impossível uma pessoa em sã consciência considerar normal que a pena para uma mulher que interrompa uma gravidez seja mais rígida do que a imposta ao homem que a estuprou. Em praticamente todas as capitais, atos públicos nas ruas referendaram o resultado da enquete, e pediram a rejeição ao PL neste último fim de semana.

Dentre os absurdos, estaria ainda que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), teria se comprometido com a bancada evangélica de levar o tema para discussão no plenário como contrapartida do apoio que estes parlamentares deram na recondução dele à presidência da Casa, ano passado. Ou seja, o que prevalece não são os impactos negativos sobre os mais vulneráveis, e nem os suados avanços históricos na perspectiva de gênero.

E, por falar nos mais vulneráveis, é fundamental refletir e tomar posição. Quanto mais vulnerabilizadas estiverem a infância e a adolescência, mais propensas a serem estupradas e gerarem crianças mais passíveis de estupro. Que projeto de lei horrendo é este que quer criminalizar as vítimas?

No Brasil de ranço bolsonarista, a vida é banalizada como troco nas negociações políticas.

Aliás, você já viu como os parlamentais federais do seu Estado votaram em relação a este PL? Sugiro acompanhar para ver se merecem seu voto.

Foto do Ana Márcia Diógenes

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