Jornalista, professora e consultora. Mestre em Políticas Públicas, especialista em Responsabilidade Social e Psicologia Positiva. Foi diretora de Redação do O POVO, coordenadora do Unicef, secretária adjunta da Cultura e assesora Institucional do Cuca. É autora do livro De esfulepante a felicitante, uma questão de gentileza
A moça me pediu um absorvente. Com um jeito de quem precisava urgentemente. Uma sensação que as mulheres em fase menstrual conhecem bem. Percebi o desconforto dela, sentada e encolhida na lateral de um grande supermercado. Ela viu em mim, em outra mulher, a possibilidade de compreensão para uma necessidade básica ser suprida.
Naquela calçada ela podia ter fome, sede, precisar de um banho, ser pressionada por um possível vício a pedir dinheiro para comprar pão, que seria convertido em drogas. Conjecturas que podem ser a realidade de quem mora nas ruas e vive à mercê da ajuda dos outros. Mas ela tinha uma necessidade mensal e natural às mulheres e esta premência passou adiante de qualquer outra.
Incluir o absorvente nas minhas compras foi fácil. Difícil foi esquecer o olhar dela, atravessando meu sono. Associei o rápido contato que tivemos à realidade de moradores em situação de rua e catadores que entrevistei para o meu livro Buraco de dentro. Lembrei de leitores que comentaram sobre a dificuldade inicial de adentrar na história contada pelo personagem, por retratar a dureza da realidade de tentativa de sobreviver dos que são invisibilizados.
A moça do absorvente é dessa imensa nação paralela dos invisibilizados. Assim como a sua realidade: sua menstruação, onde toma banho, se teve filhos, onde os deixa, como dorme, as vacinas que tomou (tomou?), as vezes que pode ter sido contaminada pela covid, por infecções sexualmente transmissíveis etc.
Digitei no Google: Onde pegar absorvente de graça? A resposta, datada de 29/2/24: “Por fim, para retirar o absorvente gratuito, basta se dirigir a qualquer drogaria do Farmácia Popular e apresentar a autorização digital ou a versão impressa emitida pelo Meu SUS Digital, junto com um documento de identidade oficial com foto e CPF”.
Excelente iniciativa de o Governo distribuir absorvente gratuito, mas como essas pessoas vão obter estes documentos digitais? Se já há algo a caminho para resolver isso, precisa ser melhor divulgado. E que não seja por televisão, porque raro são os moradores de rua que assistem; e nem por escrito, porque grande parte dessa nação é de analfabetos; e nem digital, pois não têm celulares.
Em um país de tantas diferenças sociais como o nosso, penso que mesmo nas capitais um dos veículos mais democráticos ainda seria o carro, bicicleta ou moto de som. Estes sim podem chegar com notícia que interessam e beneficiam os mais vulneráveis.
Custei a dormir naquele dia. Quando acordei e levantei da minha cama confortável, depois de me desenrolar do lençol limpo e cheiroso, tentei pensar como estava sendo o acordar daquela jovem menstruada.
Aqueles olhos pediam mais que um absorvente. Pediam respeito à sua dignidade. Pediam acesso facilitado a qualquer política pública que prometa protegê-la. Pediam que nosso olhar envergonhado se transforme em palavras, gestos e movimento de mudança.
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