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Até quando o corpo masculino vai nos abusar?
Foto de Ana Márcia Diógenes
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Jornalista, professora e consultora. Mestre em Políticas Públicas, especialista em Responsabilidade Social e Psicologia Positiva. Foi diretora de Redação do O POVO, coordenadora do Unicef, secretária adjunta da Cultura e assesora Institucional do Cuca. É autora do livro De esfulepante a felicitante, uma questão de gentileza

Até quando o corpo masculino vai nos abusar?

Proponho um exercício aos homens: parar a cada 8 minutos e pensar que uma mulher da sua família está sendo estuprada neste intervalo em algum lugar do Brasil
Tipo Crônica
Protesto contra o feminicídio e violência contra mulheres. (Foto: Edgard Garrido/Reuters/Direitos reservados)
Foto: Edgard Garrido/Reuters/Direitos reservados Protesto contra o feminicídio e violência contra mulheres.

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Escrever sob uma forte gripe, daquelas que atrapalham o dia e a noite, pode causar alterações no pensamento, no texto produzido? Será que azeda o que vem à mente, ou os temas que vão surgindo são amargos por si só e apenas se misturam ao ar que o resfriado vai deixando ser respirado aos pouquinhos?

Alguns assuntos têm me acompanhado esses dias, junto da gripe. Um deles é o caso de assédio sexual em que um homem de alto cargo, como um ministro, usou da sua masculinidade e de seu poder, para constranger sexualmente mulheres, inclusive em postos tão elevados quanto o dele. Ou seja, parecia não haver qualquer barreira ou punição em praticar o assédio.

Do outro lado do mundo, uma francesa de 72 anos descobriu, por acaso, que por mais de dez anos foi estuprada por 51 homens, após ser drogada pelo próprio marido com quem era casada por cinco décadas. Um dos estupradores era, inclusive, o próprio marido.

O caso foi descoberto após o homem ser flagrado fazendo foto por baixo da saia de três mulheres em um supermercado. A polícia apreendeu o computador dele e encontrou fotos e vídeos de vários homens estuprando a francesa, dopada na própria moradia do casal. O marido admitiu que sentia prazer ao ver outros homens fazendo sexo com a mulher em estado de inconsciência.

Em agosto último, na Praia Grande (SP), uma adolescente de 13 anos marcou encontro com um rapaz de 15 anos com quem vinha se relacionando. Lá, foi convidada a fazer sexo a três. A proposta não foi aceita. Após a ingestão de bastante bebida alcoólica, a menina foi estuprada por dez a 12 homens, em pelo menos três locais diferentes. Passou dois dias desaparecida e a família informou à polícia, que acabou descobrindo o crime e prendendo envolvidos.

Brancos, pretos, amarelos. Adolescentes, adultos, idosos. Com ou sem poder intelectual, financeiro ou físico. Sempre homens e sua relação de poder com corpos femininos, de posse, de uso e abuso. Como se a mulher fosse algo menor, com menos força e voz, como não houvesse uma vontade a ser consultada e respeitada. Um objeto a ser usado e descartado.

De onde um homem tira a ideia de que tem esse direito? Em que parte da mente forja, inescrupulosamente, o crime de que um corpo pode fazer o que quer com outro corpo? Seria da força física, do formato do membro masculino, como se fosse projétil em terra sem lei? Somos terra sem lei? Ou a lei dos homens sempre foi de fato apenas fabricada por homens, o que explicaria também a certeza da impunidade por parte da população masculina que comete crimes contra a mulher?

Como ainda se aceita que casos assim aconteçam em todo lugar, a qualquer hora, e sigam destruindo a vida de tantas meninas, adolescentes, adultas e idosas? Mulheres, sempre mulheres e nossas perdas em uma sociedade que parece querer nos manter vulneráveis.

Antes tudo isso fosse devaneios de uma gripe. É um mal maior, que a humanidade precisa confrontar urgentemente.

Deixei os números para o final. A cada oito minutos, uma mulher é estuprada no Brasil (Relatório Anual Socioeconômico da Mulher, Agência Brasil, 2024). Que tal cada homem parar um dia inteiro olhando o relógio e imaginar a angústia de cada uma dessas mulheres? Por dia, seria como ver 180 mulheres serem violentadas. E se fosse sua filha? Sua mãe? Sua mulher? Sua avó? Sua tia? Sua prima? Sua irmã? Sua amiga?

Todas as mulheres estupradas são conhecidas de alguém.

Foto do Ana Márcia Diógenes

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