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Há vida nas UTIs, e muita!
Foto de Ana Márcia Diógenes
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Jornalista, professora e consultora. Mestre em Políticas Públicas, especialista em Responsabilidade Social e Psicologia Positiva. Foi diretora de Redação do O POVO, coordenadora do Unicef, secretária adjunta da Cultura e assesora Institucional do Cuca. É autora do livro De esfulepante a felicitante, uma questão de gentileza

Há vida nas UTIs, e muita!

Enquanto para alguns o viver é trocado por fogos de artifícios; para familiares e intensivistas, cuidado e afeto são as energias a serem pulsadas
Tipo Crônica
Quando a vida se ressignifica na UTI (Foto: Reprodução/Casa do cuidar)
Foto: Reprodução/Casa do cuidar Quando a vida se ressignifica na UTI

Enquanto há quem exploda bomba em si para tentar sangrar a democracia, outros lutam bravamente, por si ou pelo outro, para salvar qualquer resquício de vida possível. O primeiro caso, pirotécnico e midiático, ocupou todos os espaços, aconteceu para ser manchete, para pedir música fúnebre no Fantástico, para atingir o Supremo Tribunal Federal, o Governo Federal e cada brasileiro.

Quero falar é sobre a vida. Especialmente sobre aquela que pulsa em batimentos fraquinhos ou apressados, em tubos de soro e medicamento, em aparelhos de monitoramento para garantir mais um dia, outro dia, mais outro... Vidas que se dão no silêncio cortado por bips e passos de profissionais que tentam mantê-las e resgatá-las. Que se dão na ansiedade e torcida dos parentes a cada visita permitida, nos pacientes que se esforçam em seguir.

Algumas situações me levaram a estar em contato com o tema Unidade de Terapia Intensiva - UTI. Uma dessas por meio de uma amiga, que tem câncer sem possibilidade de cura. Ela me contou que, das primeiras vezes que precisou ficar internada, pensou no lugar como um fim de tudo. A ideia mudou a partir das vezes que tem voltado, e bem, para casa: “UTI é vida. É lá que a gente tem a possibilidade de continuar viva”.

Mais recentemente, as visitas contínuas a um parente na UTI, me fez presenciar o cotidiano de quem frenética e meticulosamente luta para manter o estoque de vida de cada paciente. A grande maioria dos leitos era ocupada por idosos. Alguns acordados, outros sedados. Pessoas e suas extensões em fios, tubos, soro, medicamentos.

 

"... é importante lembrar que há vida, e muita, em cada segundo de cuidado e afeto em uma UTI"

 

Familiares ao lado dos pacientes conversavam com os acordados, faziam orações para os que dormiam, conferiam fraldas e objetos pessoais. Falavam sobre os próximos passos com médicos e enfermeiras, voltaram para os acamados e traduziam em afeto o que podia ser dito. Na hora limite da visita, o tchau parecia despedida de criança quando os pais viajam. O momento era esticado em afago na mão, beliscões nos pés sob as mantas, beijos na cabeça.

Há uma linguagem e um tempo diferentes em uma UTI. O olhar e a voz se adaptam em sistemas sensoriais para comunicar/captar as trocas entre doente e familiares. A fala faz o câmbio, o mundo externo e o daquele ambiente onde dia e noite se misturam. É comum que a divisão do tempo seja marcada pelo paciente, a partir das até duas visitas ao dia, a depender do hospital. A duração do contato é pouca para tantas conversas possíveis. Por isso, incomensuráveis.

O amor familiar é aliado fundamental da medicina. A transmissão do afeto por meio do olhar gera uma energia simbólica que dá curso à compreensão de que tudo está sendo feito para garantir a volta para casa. A presença de familiares e amigos enraíza boas memórias e vontade de juntar outras.

São duas situações infinitamente opostas que revelam, para mim, o que a real valorização do viver significa. De um lado, a intolerância política que leva uma pessoa a dar fim à própria existência. Do outro, quem vê vida em suas tênues filigranas de possibilidades, seja profissionalmente, como os médicos intensivistas, seja pelo afeito de familiares e amigos.

Para quem banaliza a vida, ela não é mais que fogos de artifício, de brilho intenso, que rápido desaparece. Já para quem valoriza o viver, é importante lembrar que há vida, e muita, em cada segundo de cuidado e afeto em uma UTI.

Foto do Ana Márcia Diógenes

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