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As lições de Francisco
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Cientista política, professora e pesquisadora. Doutoranda em Ciência Política na Universidade de Brasília, mestra em Ciência Política pela Universidade Federal do Piauí, pesquisa políticas públicas. Faz parte da Red de Politólogas e da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas. Escreve sobre política, literatura e psicanálise

As lições de Francisco

O Papa argentino se tornou uma lanterna contra a ascensão da extrema-direita que engolfa diversos países em negacionismo e intolerância. Dentro das possibilidades doutrinárias, escolheu pregar o evangelho ao invés de perseguir e condenar
PAPA Francisco em seu caixão aberto durante o rito da Confirmação da Morte do Pontífice na Capela de Santa Marta, no Vaticano (Foto: AFP PHOTO / VATICAN MEDIA)
Foto: AFP PHOTO / VATICAN MEDIA PAPA Francisco em seu caixão aberto durante o rito da Confirmação da Morte do Pontífice na Capela de Santa Marta, no Vaticano

Muitas lições ficam do papado de Francisco, que morreu na última segunda-feira (21/4). Uma delas é que a liderança carismática, nos termos weberianos, ainda faz sentido no século 21 e pode ajudar na condução de instituições transatlânticas, aquelas que demandam tempo e esforços hercúleos para mudar de direção. Mas a principal é que a arte da política se faz, sobretudo, nos gestos.

Entre 2013 e 2025, o mundo mudou significativamente, e o Papa argentino se tornou uma lanterna contra a ascensão da extrema-direita que engolfa diversos países em negacionismo e intolerância. Dentro das possibilidades doutrinárias, Francisco escolheu pregar o evangelho ao invés de perseguir e condenar, o que lhe rendeu reconhecimento até mesmo de opositores.

Ao suceder um papa conservador, ele investiu na proximidade com os fiéis e deu início a reformas importantes para a Igreja Católica. Foi responsável por abrir o diálogo do catolicismo com pessoas LGBT, recomendando aos padres acolhimento. Além disso, posicionou-se firmemente em questões de imigração, crise climática, concentração de renda e de um cessar-fogo em Gaza. Também denunciou com veemência as desigualdades e o uso político da fé. Uma figura que soube trabalhar discurso e prática, reavivando os simbolismos cristãos e mobilizando afetos até mesmo entre aqueles que não creem.

Até em sua morte, Francisco foi fiel ao estilo que escolheu para viver o papado. Optou por ritos fúnebres mais simples, renunciando a honras excessivas. Seu caixão, feito de madeira modesta, é um gesto final que sintetiza sua visão de Igreja: uma instituição menos voltada para o poder terreno e mais atenta ao sofrimento humano. A simplicidade foi o último gesto político do Papa.

Nos dias seguintes à sua morte, chama a atenção que Francisco nomeou 108 dos 135 cardeais eleitores. Alguns fazem a aposta, ainda que sem garantia, de que o próximo Conclave pode eleger um novo Papa que dê continuidade às mudanças que ele começou. Seria uma jogada de mestre. Mas, como eu disse, não há garantia. Pode ser que, depois do avanço promovido por ele, tenhamos um recuo significativo com a eleição de um papa mais conservador. O futuro da Igreja está, mais uma vez, nas mãos do Espírito - e dos homens que o interpretam.

 

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