A distância entre o racismo em Brusque e a homofobia no Rio de Janeiro
Jornalista formado na Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi repórter do Vida&Arte, redator de Primeira Página e, desde 2018, é editor de Esportes. Trabalhou na cobertura das copas do Mundo (2014) e das Confederações (2013), e organizou a de 2018. Atualmente, é editor-chefe de Cidades do O POVO. Assinou coluna sobre cultura pop no Buchicho, sobre cinema no Vida&Arte e, atualmente, assumiu espaço sobre diversidade sexual e, agora, escreve sobre a inserção de minorias (com enfoque na população LGBTQ+) no meio esportivo no Esportes O POVO. Twitter: @andrebloc
A distância entre o racismo em Brusque e a homofobia no Rio de Janeiro
No início setembro, o Brusque foi multado e perdeu pontos após acusação de injúria racial de um dirigente contra o jogador Celsinho. No mesmo mês, torcida do Flamengo dirigiu cântico homofóbico (e xenofóbico) ao Grêmio
Qual o limiar entre uma punição que educa e uma que retesa um conflito? É um dilema moral que vaza até para a esfera criminal quando falamos na possibilidade de reabilitação de alguém em conflito com a lei. Nosso modelo prisional atual de encarceramento em massa mais se assemelha a tortura do que a um caminho de emancipação, de reconstrução de um indivíduo. "Ele fez por merecer estar numa cadeia superlotada".
O dilema primordial é: como convencer alguém a não errar de novo. E isso vale para qualquer ponto da vida.
No futebol, que se pretende apolítico apesar de ser o mais político dos esportes nacionais, o limite das punições por racismo parece revisitar o tal dilema. E, como exemplo, falemos de dois casos recentes de crimes cometidos em estádios.
O primeiro foi o caso Brusque. Em campo, ainda sem liberação de torcida, um conselheiro do clube proferiu injúrias raciais dirigidas a Celsinho, do Londrina, com toda a baixeza necessária para se ser racista. O jogador denunciou na hora, o árbitro incluiu na súmula, a diretoria catarinense primeiro negou e atacou a vítima, depois pediu desculpas e, por fim, dirigente e clube foram punidos econômica e esportivamente pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD).
Júlio Antônio Petterman, presidente do Conselho Deliberativo do Brusque, foi suspenso por 360 dias por "conduta discriminatória". O clube foi multado em R$ 30 mil e perdeu 3 pontos na tabela — e essa punição é o centro da polêmica. Como o time catarinense beira a zona de rebaixamento, este caso promete ter importância nas definições da Série B.
Paralelamente, e com muito menos repercussão, houve o caso de Flamengo x Grêmio, no Maracanã, pela Copa do Brasil. Segundo vídeos, a torcida flamenguista dirigiu ofensa homofóbicas e xenófobicas ao elenco gremista. Contrariando regra da CBF, a súmula do árbitro Rodolpho Toski Marques sequer cita o ocorrido.
É lícito cobrar o mesmo rigor que houve com o Brusque no caso do Flamengo, atual bicampeão brasileiro, finalista da Libertadores, maior torcida nacional e que avançaria à semifinal da Copa do Brasil mesmo se tivesse perdido para o Grêmio? O argumento central é que o Brusque foi alguém da diretoria e no Rubro-Negro foi a torcida. Ok, discutamos.
No caso do clube catarinense podia-se argumentar também ser caso isolado. Que o conselheiro seria punido, expulso, passaria por reciclagem. Agora, desde quando um crime que parte de uma multidão é mais aceitável que o de um indivíduo?
Os trâmites e dimensões dos dois casos são distintos. Mas o escopo é parecido. E, diante da disparidade de visibilidade dos dois crimes, a diferença de tratamento salta aos olhos. A torcida do Flamengo já foi denunciada em fevereiro de 2020 por cânticos homofóbicos contra o Fluminense e nada aconteceu — no primeiro jogo nacional no retorno, as cenas se repetiram.
Que fique claro: não sei se punição esportiva é o caminho para coibir um comportamento tóxico e criminoso nos estádios. Os problemas são mais profundos, são estruturais, quase milenares. As questões, porém, precisam ter visibilidade. Precisamos reconhecer os problemas para podermos lidar com eles. As coisas precisam mudar.
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