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Manequinho trans: tatuagem de torcedor do Botafogo traz debate sobre inclusão
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Jornalista formado na Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi repórter do Vida&Arte, redator de Primeira Página e, desde 2018, é editor de Esportes. Trabalhou na cobertura das copas do Mundo (2014) e das Confederações (2013), e organizou a de 2018. Atualmente, é editor-chefe de Cidades do O POVO. Assinou coluna sobre cultura pop no Buchicho, sobre cinema no Vida&Arte e, atualmente, assumiu espaço sobre diversidade sexual e, agora, escreve sobre a inserção de minorias (com enfoque na população LGBTQ+) no meio esportivo no Esportes O POVO. Twitter: @andrebloc

André Bloc esportes

Manequinho trans: tatuagem de torcedor do Botafogo traz debate sobre inclusão

Theo Fish tatuou mascote botafoguense com os corpos e características dele, um homem trans com orgulho e coragem de levantar a bandeira da causa
Theo Fish tatuou uma versão homem trans da mascote do Botafogo (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Theo Fish tatuou uma versão homem trans da mascote do Botafogo

Theo Fish é torcedor do Botafogo-RJ, como milhões. Em homenagem ao time, fez uma tatuagem, como outros milhares. Mas, na hora de divulgar a arte eternizada no braço, viu-se silenciado — o que não é bem uma realidade nova para ele.

O "Manequinho" do Botafogo é um dos mascotes mais originais do futebol mundial. Talvez o único paralelo seja o "manneken pis", símbolo de Bruxelas, na Bélgica, que inclusive inspirou a versão carioca. Foi esta figura clássica de um menino urinando que Theo eternizou. A reviravolta foi fazer parte da arte. Então, em vez de uma criança se "aliviando", o botafoguense de 25 anos escolheu uma imagem de homem adulto com calças arriadas.

Não existe nada sexual no Manequinho. Tampouco há na tatuagem. Acontece que, assim como o próprio tatuado, a mascote de Theo é um homem trans.

"Eu acompanhava alguns grupos de torcida do Botafogo no Facebook, inclusive de vez em quando postava algo e sempre aceitavam minhas publicações. Assim que eu fiz a tatuagem, na sexta, eu queria compartilhar com a torcida, mesmo sabendo que haveria algum incômodo. E sempre aparecia que meu post foi negado pelos administrados. Fiquei triste e pensando que seria mais uma transfobia que viveria e como o futebol é um espaço com muito preconceito", resumiu à coluna o estudante de psicologia carioca que vive em Florianópolis (SC).

A solução foi tentar repercussão de forma mais orgânica. Um post no twitter viralizou e assim a história atingiu mais gente. "O preconceito veio da minoria dos torcedores, recebi muito mais mensagens positivas do que negativas".

Theo Fish é torcedor do Botafogo desde a infância e frequentou o Nilton Santos em todas as fases da vida(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Theo Fish é torcedor do Botafogo desde a infância e frequentou o Nilton Santos em todas as fases da vida

 

Segundo Theo, o objetivo era propor a discussão do tema. "Eu queria que houvesse o debate sobre corpos trans nos esportes, principalmente no futebol, onde nunca tive uma representatividade. Será que não existem jogadores trans ou apenas não há espaço para isso? E muito menos diálogo sobre a possibilidade". O estudante ressalta que precisam ser derrubadas algumas barreiras sobre o tema. "As pessoas cisgêneros têm a mania de 'explicar' o que são pessoas trans alegando que odiamos nossos corpos e precisamos mudar para se encaixar no padrão. Nós não odiamos nossos corpos, eles serão sempre corpos trans, independente de quantas cirurgias ou hormônios, eles são únicos e lindos de qualquer forma".

Para além do debate sobre inclusão em campo, a história de Theo mostra uma realidade por vezes invisível nos estádios. Theo frequentou o Nilton Santos desde a infância, bem antes de se identificar como homem. No primeiro momento de aproximação à comunidade LGBTQIA+, aos 14 anos, o ambiente se tornou mais insalubre. A tatuagem ajuda a sarar uma relação e mostrar pro mundo que existe espaço no esporte — e no Botafogo — para todo mundo. "O mascote do Botafogo é um manequinho (cis) fazendo xixi e pensei que seria a junção de duas características minhas que admiro e tenho muito orgulho. De um cara trans nadando sempre contra a maré"

A proximidade com o Botafogo ganhou uma nova camada enquanto a identidade de gênero dele foi ficando mais clara. Um marco foi a mastectomia que, entre outras coisas, permitiu que Theo tirasse a camisa para apoiar o time — algo normal para homens cis e impossível para mulheres cis e homens trans sem a operação pela sexualização forçada de seios femininos. "Antes de realizar (a cirurgia), eu sentia medo de utilizar o banheiro masculino e não me sentia, ao mesmo tempo, confortável em utilizar o feminino", rememora.

Para ele, a partir do momento em que passou a ser "lido" como homem, o time e o futebol o acolheram mais. O principal entrave segue sendo o mesmo de qualquer experiência de Theo nas ruas. O preconceito alheio gera medo e insegurança. "Infelizmente, jamais vou abaixar a guarda e sempre (vou) me preocupar em lugares como esse, pois sei que existem pessoas maldosas que são contra a minha existência".

O estádio, de certa forma, é um microcosmo para os problemas de Theo, que precisa lutar para apesar ser. E estes desafios nem de longe são os maiores na vida de uma pessoa trans. "Luto pra continuar meus estudos mas que muitas empresas fecham as portas quando descobrem que sou trans. É muito bom dar visibilidade a causa trans mas sempre lembrando que não é fácil ser transgênero no país em que mais matam os meus", desabafa.

Diante da própria experiência como homem trans com longo histórico de idas ao estádio, o estudante dá dicas de quem também quer entrar nesse ambiente. "Meu conselho é de ir com pessoas que você se sentiria mais seguro. Não consigo dizer para não se expor e deixar de ser quem é, mas, ao mesmo tempo, tenha cuidado, observe as pessoas ao redor e preserve sua vida". 

"O futebol é um esporte hetero(sexual) cisnormativo, e é apenas mais um esporte como qualquer um, não deveria existir tantas barreiras, tanto preconceito. Acho muito importante clubes grandes, como o próprio Botafogo, levantarem a bandeira LGBTQIA+ mas será que só fazer isso basta?"

Mas será que só isso basta?

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