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Orgulho do Time do Kanal
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Jornalista formado na Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi repórter do Vida&Arte, redator de Primeira Página e, desde 2018, é editor de Esportes. Trabalhou na cobertura das copas do Mundo (2014) e das Confederações (2013), e organizou a de 2018. Atualmente, é editor-chefe de Cidades do O POVO. Assinou coluna sobre cultura pop no Buchicho, sobre cinema no Vida&Arte e, atualmente, assumiu espaço sobre diversidade sexual e, agora, escreve sobre a inserção de minorias (com enfoque na população LGBTQ+) no meio esportivo no Esportes O POVO. Twitter: @andrebloc

André Bloc esportes

Orgulho do Time do Kanal

Com novo segundo uniforme, Ceará "assume" comunidade do Canal da avenida Eduardo Girão e esvai a possibilidade de crítica classicista dirigida por rivais
Novo uniforme do Ceará para a temporada 2022 (Foto: Stephan Eilert/Ceará SC)
Foto: Stephan Eilert/Ceará SC Novo uniforme do Ceará para a temporada 2022

Costumo brincar, entre amigos, que é quase impossível xingar alguém em português sem ser machista, racista, LGBTfóbico ou capacitista. Sobra pouca opção além disso ou mencionar a mãe — o que não escapa da misoginia, diga-se. Existe, porém, uma alternativa bem comum ao futebol: o classicismo.

É neste contexto de combate ao preconceito contra classes sociais que o marketing do Ceará se provou brilhante. Anos depois de vestir com orgulho a alcunha de “Time do Povo” — e criar um plano de sócio-torcedor com esse nome —, o Alvinegro agora desconstrói um apelido pejorativo com que parte da torcida do Fortaleza se refere ao rival: Time do Kanal.

Para quem conhece as imediações da sede do Ceará, contrapostas à origem mais “elitista” do Fortaleza, a distinção classicista fica clara. O Alvinegro seria popular — pobre — por ser circundado pela comunidade próxima ao Canal da avenida Eduardo Girão, por onde passa o riacho Tauape.

Como todo xingamento, o objetivo é diminuir o rival. Pois o Ceará tem mais é de ter orgulho da origem e das belezas de Porangabuçu e do Jardim América.

Até porque, uma vez que uma torcida levanta a cabeça com orgulho, o xingamento não o atinge mais. O próprio Fortaleza já fez parecido, ainda que mais timidamente, ao mostrar orgulho do Stella Foot-Ball Clube, clube cuja origem é intrinsecamente ligada à do Tricolor e cujo nome feminino é usado por parte da torcida do Ceará como xingamento machista e homofóbico. Os dois não são exceção, diga-se. O Flamengo hoje canta “festa na favela” e o Palmeiras adotou o porco como mascote.

Sem Kanal e sem Stella, talvez os rivais voltem a se chamar de “come ovo” e “chupa manga”, em referências aos anos de maior penúria. São apelidos mais saudáveis, que brincam com a pobreza que os próprios clubes já enfrentaram. E superaram, diga-se de passagem. São, hoje, agremiações milionárias. Mas nem por isso devem esquecer as próprias origens. O Ferroviário sempre mostrou bastante orgulho de ser um time de operários e está mais que certo nessa conta.

Rivalidade é um troço muito próprio do futebol. Pode impulsionar e pode afogar uma iniciativa. Vivemos hoje, porém, o ápice do esporte cearense. O que não faz do torcedor de hoje mais importante do que o do passado, da origem. Os do presente só são mais sortudos. As agruras, os tempos de vacas magras, a gente lembra como parte do caminho. A mesquinhez, a provocação infantil, fica da boca pra fora e morre ali.

Outros times podiam seguir o exemplo do “Time do Kanal”. Imagina se um dia o São Paulo resolve desconstruiu o pejorativo Bambi e usa a possibilidade para enfrentar a homofobia? Mas, talvez, eu sonhe demais.

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