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A ridícula ideia de morrer em um estádio
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Jornalista formado na Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi repórter do Vida&Arte, redator de Primeira Página e, desde 2018, é editor de Esportes. Trabalhou na cobertura das copas do Mundo (2014) e das Confederações (2013), e organizou a de 2018. Atualmente, é editor-chefe de Cidades do O POVO. Assinou coluna sobre cultura pop no Buchicho, sobre cinema no Vida&Arte e, atualmente, assumiu espaço sobre diversidade sexual e, agora, escreve sobre a inserção de minorias (com enfoque na população LGBTQ+) no meio esportivo no Esportes O POVO. Twitter: @andrebloc

André Bloc esportes

A ridícula ideia de morrer em um estádio

Morte de Gabriela Anelli Marchiano, torcedora do Palmeiras, é símbolo do encadeamento de desmandos que permitem que absurdos aconteçam
Tipo Opinião
Gabriela Anelli, 23 anos, torcedora que morreu após sofrer ferimentos em confusão durante Palmeiras x Flamengo, pela Série A (Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal Gabriela Anelli, 23 anos, torcedora que morreu após sofrer ferimentos em confusão durante Palmeiras x Flamengo, pela Série A

Há muita coisa errada numa sociedade em que uma jovem decide ir ao estádio e nunca mais volta para casa. Fico imaginando um pai, uma mãe, que não sabia que um informal "tchau, bom jogo" seria a última frase que diria para a filha. Luto é algo que não tem fim. Enterrar filho é algo do qual muitos não se recuperam. Se é que é possível voltar desse abismo.

A previsão de futuro mais fácil que já acertei foi quando, meses atrás, em alguma coluna perdida, apostei que em breve voltaríamos a falar sobre morte de torcedores em estádios. Futebol é sintoma de uma sociedade desigual. Violência em estádio é diagnóstico para uma sociedade doente.

Gabriela Anelli Marchiano tinha 23 anos. Nem tinha nascido na época do Palmeiras dos 100 gols, em 1996, e já está morta. É como se ela tivesse ido para o cinema e fosse baleada por um idiota qualquer. Ou pior, porque não existe o mesmo amparo do poder público para qualquer matinê cinematográfica. É como sair para andar de bicicleta na orla da praia e um bêbado estúpido invadir a calçada e encerrar uma vida inocente.

Ou seja, é evitável. São muitas burrices, estupidezes, arrogâncias concatenadas para alguém morrer em um estádio. Clubes que nada fazem além de acirrar ânimos com declarações vitimistas. Torcidas organizadas, que se aliam a rivais para ganhar força — ou talvez para fomentar o poder paralelo do crime. Policiais e chefes do Judiciário que investem em discursos inócuos de higienismo social para se isentar de riscos. Jornalistas que buscam soluções fáceis, alimentam teorias conspiratórias e, no caso de certo ex-apresentador de reality show, chegam ao cúmulo de sugerir culpa de vítimas.

São Paulo proíbe torcidas rivais e continua gente morrendo. Daqui a pouco, vai ser torcida única para todos os jogos. Depois, podemos fechar os estádios. Se não der certo, vamos encerrar as disputas, que é bom que garante que não tem violência no esporte. Mas, repito, o futebol só é palco de violência numa sociedade violenta. Frustrada, raivosa. Desigual, cruel, criminosa.

A culpa é de flamenguistas. E de palmeirenses. E de policiais. E de promotores. Dirigentes e jogadores. Torcedores e membros de facção. De todos. Menos de Gabriela. A ela, apenas o meu pesar.

Parafraseando Rosa Montero, é ridícula a ideia de nunca mais te ver, Gabriela.

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