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Os clubes têm a obrigação de ampliar a voz das vítimas de racismo
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Jornalista formado na Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi repórter do Vida&Arte, redator de Primeira Página e, desde 2018, é editor de Esportes. Trabalhou na cobertura das copas do Mundo (2014) e das Confederações (2013), e organizou a de 2018. Atualmente, é editor-chefe de Cidades do O POVO. Assinou coluna sobre cultura pop no Buchicho, sobre cinema no Vida&Arte e, atualmente, assumiu espaço sobre diversidade sexual e, agora, escreve sobre a inserção de minorias (com enfoque na população LGBTQ+) no meio esportivo no Esportes O POVO. Twitter: @andrebloc

André Bloc esportes

Os clubes têm a obrigação de ampliar a voz das vítimas de racismo

O francês Mike Maignan, do Milan, foi atacado por torcedores da Udinese durante partida do Campeonato Italiano. A queixa dele só foi ouvida porque os colegas decidiram se pôr do lado da vítima
Tipo Opinião
O goleiro francês do Milan comemora com os companheiros após vencer a partida de futebol da Série A italiana Udinese Calcio x AC Milan no estádio Friuli - Dacia Arena em Udine, em 20 de janeiro de 2024. O AC Milan se recuperou de uma desvantagem de gol para vencer a Udinese por 3 a 2 em em uma partida que foi brevemente suspensa por Mike Maignan ter sido abusado racialmente por torcedores da casa. A partida foi marcada por gritos de macacos dirigidos a Maignan por parte de um grupo de torcedores da Udinese que indignaram o goleiro francês. O jogo foi interrompido no final do primeiro tempo pelo árbitro Fabio Maresca após persistentes abusos racistas contra Maignan, que saiu de campo ao lado de seus companheiros. (Foto: GABRIELE MENIS / ANSA / AFP)
Foto: GABRIELE MENIS / ANSA / AFP O goleiro francês do Milan comemora com os companheiros após vencer a partida de futebol da Série A italiana Udinese Calcio x AC Milan no estádio Friuli - Dacia Arena em Udine, em 20 de janeiro de 2024. O AC Milan se recuperou de uma desvantagem de gol para vencer a Udinese por 3 a 2 em em uma partida que foi brevemente suspensa por Mike Maignan ter sido abusado racialmente por torcedores da casa. A partida foi marcada por gritos de macacos dirigidos a Maignan por parte de um grupo de torcedores da Udinese que indignaram o goleiro francês. O jogo foi interrompido no final do primeiro tempo pelo árbitro Fabio Maresca após persistentes abusos racistas contra Maignan, que saiu de campo ao lado de seus companheiros.

Bicha. Lembro da Copa do Mundo de 2014, quando os brasileiros, insatisfeitos com a própria estupidez, resolveram importar a bobeira alheia de chamar o goleiro adversário de "bicha". Naquela homofobia banal gotejava o ódio cotidiano. E qualquer medida contra a LGBTfobia nos estádios, fosse ela pública ou privada, era encontrada com a mesma justificativa de que "é assim porque sempre foi assim".

Dez anos se passaram, o grito foi esquecido, depois de uma série de punições sociais, que ameaçavam virar sanções esportivas. A homofobia está no armário, estendendo o braço sempre que o contexto futebolístico pede um tempero de estupidez.

Abro esse ínterim para mostrar o avanço a partir da conscientização pelo medo. A turbe torcedora não se tornou magicamente engajada. Apenas desenvolveu o medo de ser punida. Para isso, várias peças se moveram no Brasil. Ainda faltam muitas para o xeque-mate contra o preconceito no futebol. Mas, no ex-país do futebol, as minoriafobias chocam.

É raro que nosso provincianismo, nosso viralatismo, nos prometa oportunidade de ensinar. Para nós, a fortuna é rir de si mesmos — nos apelidar de ex-país do futebol, diria. Mas nossos estádios teriam dificuldades de tolerar um goleiro sendo chamado de "macaco". O torcedor ao lado seria o primeiro a levantar o gesto de "pare". Não porque somos mais engajados. Quiçá porque apanhamos mais cedo.

O francês Mike Maignan, do Milan, ouviu xingamentos da torcida da Udinese. Primeiro ignorou. Depois, reportou ao árbitro. Em seguida, deixou o campo. A diferença é que ele foi seguido pelos colegas. A partida podia acabar.

 

Acabou voltando a campo, vencendo um jogo de duas viradas. Admitiu que não queria voltar, mas que a resposta certa era ganhar os três pontos. Atento ao que acontece na Europa — e só lá —, o presidente da Fifa, Gianni Infantino, passou a defender derrota automática a clubes em casos de racismo. O progresso vem a trote, nunca chega a galopar.

Estivesse só, como antecessores estiveram, Maignan não teria sido ouvido. A voz dele foi ampliada pelos colegas, que deixaram o campo dispostos a perder. A empatia é uma vitória que se basta.

Proponho este jogo, em que todos os não preconceituosos ganham. A cada caso de racismo, machismo, homofobia, transfobia, outrofobia, um time inteiro deixa o campo. Que os estúpidos fiquem sozinhos, na arquibancada ou no gramado.

Cada time é uma voz. Deixe que a Fifa, os cartolas, a Conmebol, os dirigentes, corram atrás de construir um ambiente justo para todos. Talvez assim a sociedade desaprenda a ser preconceituosa. Deixe no passado os comportamentos do passado.

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