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O "rosto sem defeitos" de Endrick e o racismo velado de cada dia
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Jornalista formado na Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi repórter do Vida&Arte, redator de Primeira Página e, desde 2018, é editor de Esportes. Trabalhou na cobertura das copas do Mundo (2014) e das Confederações (2013), e organizou a de 2018. Atualmente, é editor-chefe de Cidades do O POVO. Assinou coluna sobre cultura pop no Buchicho, sobre cinema no Vida&Arte e, atualmente, assumiu espaço sobre diversidade sexual e, agora, escreve sobre a inserção de minorias (com enfoque na população LGBTQ+) no meio esportivo no Esportes O POVO. Twitter: @andrebloc

André Bloc esportes

O "rosto sem defeitos" de Endrick e o racismo velado de cada dia

Postagem "bem humorada" de canal esportivo escancara a casualidade como o racismo transparece no Brasil
Tipo Opinião
Aos 17 anos, Endrick já foi vendido pelo Palmeiras para o Real Madrid e foi convocado para a seleção brasileira (Foto: Leco Viana/ESTADÃO CONTEÚDO)
Foto: Leco Viana/ESTADÃO CONTEÚDO Aos 17 anos, Endrick já foi vendido pelo Palmeiras para o Real Madrid e foi convocado para a seleção brasileira

Endrick nem é adulto e já é milionário. Numa dessas inversões de valores que só o esporte é capaz, um adolescente de 17 anos já "deu certo na vida" pelo fato de ter nascido com imenso talento lapidado desde cedo. O que ainda assim não faz com que o atacante do Palmeiras — e dentro em breve do Real Madrid — seja imune ao racismo.

Detalhando o caso. A página de um canal esportivo postou um vídeo de manipulação digital de imagem, em que ele era o modelo/alvo. A ideia era desenhar "o rosto perfeito do Endrick". O que se segue é uma maquiagem digital para afilar o nariz, suavizar a grossura dos lábios, mudar o formato do maxilar e dos olhos e alterar a linha do cabelo. Talvez por limitação da ferramenta, até a cor da pele do jogador fica com um aspecto mais chapado — um ou outro internauta acusa de estar mais clara.

Aí vem a pergunta. É uma brincadeira de mau gosto ou racismo velado? Vamos aos fatos. Endrick não foi o único a passar pelo "processo". Antes dele, houve com o goleiro Cássio — totalmente caucasiano no panteão brasileiro de branquitude. Acontece que o do corintiano foi uma leve maquiagem digital para tirar marcas da idade e uma "cirurgia" para diminuir o queixo proeminente do arqueiro cabeludo.

 

Apesar de ser consideravelmente menos afortunado esteticamente, Cássio teve um leve tapa visual, enquanto Endrick sofreu um transplante de rosto. Eu me pergunto o que diferencia Endrick de Cássio.

Existem teses completas sobre o que é o belo para a nossa sociedade. E as características do povo preto são sistematicamente excluídas do dicionário mais coloquial. Aquele papo de cabelo ruim, sabe? É uma sociedade impregnada por uma atmosfera racista e que insiste em não desviar dos erros recorrentes.

O canal apagou a postagem em segundos e pediu desculpas. O que, diga-se, já contradiz quem nega ter havido preconceito racial. Faltou o termo "racismo" na nota, mas, bem, os advogados que a redigiriam dificilmente cairiam na armadilha de admitir um crime. Fiquemos com "erro".

Não vale entrar no jogo de adivinhar intenção. Vai saber. Sugiro o exercício do distanciamento. De tentar ver o todo.

Em Porto Alegre (RS), um homem negro foi ameaçado e agredido a canivete por um idoso branco. Chamou a polícia e acabou detido, mesmo quando testemunhas — brancas, inclusive — o apontavam como vítima.

Eu me pergunto o que diferencia Endrick do motoboy agredido.

 

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