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Ziraldo: Adeus ao primeiro amigo
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Jornalista formado na Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi repórter do Vida&Arte, redator de Primeira Página e, desde 2018, é editor de Esportes. Trabalhou na cobertura das copas do Mundo (2014) e das Confederações (2013), e organizou a de 2018. Atualmente, é editor-chefe de Cidades do O POVO. Assinou coluna sobre cultura pop no Buchicho, sobre cinema no Vida&Arte e, atualmente, assumiu espaço sobre diversidade sexual e, agora, escreve sobre a inserção de minorias (com enfoque na população LGBTQ+) no meio esportivo no Esportes O POVO. Twitter: @andrebloc

André Bloc esportes

Ziraldo: Adeus ao primeiro amigo

Soube que meu velho amigo morreu em paz, enquanto dormia, tal qual o Vô Passarim em "Menino Maluquinho", que vi na escola e tive vergonha de me emocionar
Crianças cearenses interagem com o cartunista e escritor Ziraldo durante ação na Caixa Cultural em 2016 (Foto: Aurélio Alves)
Foto: Aurélio Alves Crianças cearenses interagem com o cartunista e escritor Ziraldo durante ação na Caixa Cultural em 2016

Deito na cama e um objeto pontiagudo arranha minhas costas. Um livro da familiar lavra de Ana Maria Machado. De novo, só o nome do meu sobrinho mais velho plastificado num canto de página. Guardei, feliz de compartilhar uma companhia de infância com o jovem decano da nova geração familiar.

No sábado, ao saber da morte di Ziraldo, me veio um pensamento que não me surgia há 30 anos. "Perdi meu primeiro amigo", rememorei sem saber por quê. E ali apaguei, entre personagens sobre os quais não pensava há décadas.

O primeiro livro que li era de Ziraldo. Se não tiver sido, passou a ser agora. Mas eu lembro. E se eu lembro vira verdade, à revelia de fatos.

Lembrei do "Menino Marrom", que era como meu pai me chamava — e eu odiava, naquele medo escondido que todo caçula nutre de ser adotado. Do Joelho Juvenal, de Jeremias o Bom, do Bichinho da Maçã.

Lembrei do Menino Maluquinho imitando o Saci e até de duelar com meu irmão do meio em um jogo de tabuleiro desse mesmo garoto sem juízo — sempre de óculos, eu era o Junim. Lembrei de Flicts e me dei conta que até hoje me sinto de uma cor diferente das outras. Vai ver é efeito colateral do daltonismo.

Com calma, pensei nos outros Ziraldos. Naquele subversivo que ilustrava pornochanchadas num traço capaz de driblar a censura. Ou no cáustico chargista do Pasquim, impresso em livros que dividi com meus pais quando adolesci. Descobri tantos quadrinhos que nem sei se já tinha descoberto 20 anos atrás. É bom descobrir coisa boa várias vezes.

Soube que meu velho amigo morreu em paz, enquanto dormia, tal qual o Vô Passarim em "Menino Maluquinho", que vi na escola e tive vergonha de me emocionar. 

Daí bateu uma vergonha de medir uma carreira quase centenária pela régua das minhas memórias. De resumir um artista tão ativo, tão político, às reminiscências de minha meninice.

Mas o Ziraldo estava ali quando eu não conseguia ter mais ninguém comigo. Era eu, o Menino Marrom, com ele, o Menino da Panela na Cabeça, que protagonizava o primeiro "livro com mais de 100 páginas" que eu me orgulhava de ter lido. Eu não pensava neles há décadas. Mas eles sempre estiveram aqui.

Meu sobrinho é agregador, destemido como nunca fui. Mas é bom saber que as Anas Marias Machados, as Ruths Rochas, os Ziraldos, ainda estão ali para fazer companhia.

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