Tá na hora de parar de tratar reconhecimento facial como panaceia
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Jornalista formado na Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi repórter do Vida&Arte, redator de Primeira Página e, desde 2018, é editor de Esportes. Trabalhou na cobertura das copas do Mundo (2014) e das Confederações (2013), e organizou a de 2018. Atualmente, é editor-chefe de Cidades do O POVO. Assinou coluna sobre cultura pop no Buchicho, sobre cinema no Vida&Arte e, atualmente, assumiu espaço sobre diversidade sexual e, agora, escreve sobre a inserção de minorias (com enfoque na população LGBTQ+) no meio esportivo no Esportes O POVO. Twitter: @andrebloc
A cena é comum. Banal. Um grupo de policiais se dirige a um suspeito no estádio e o detém. Um criminoso a menos nas arquibancadas, tudo graças aos avanços tecnológicos. Ou não?
O caso ocorreu em Aracaju, durante a final do Campeonato Sergipano. Um homem — negro — aguardava o retorno do intervalo do jogo quando foi abordado pelo policiamento. A tecnologia de reconhecimento facial o reconhecera como sujeito foragido da lei. Portanto, parecia hora do xadrez para o moço que se distraía no celular.
O final foi feliz. A miopia da máquina foi desfeita pela checagem humana, com auxílio de documentos digitais que, por sorte, o suspeito fortuito portava. Segundo o relato do ex-brevemente-quase-criminoso, a polícia local garantiu que mais cedo o olhar robótico da biometria reconhecera um criminoso real, prontamente detido por nossos homens da lei.
A tecnologia é tratada como a cura de todos os males. Panaceia, conforme apelidaram os gregos. E assim ignoramos ônus para aceitar bônus.
Da minha parte, confesso que a realidade de liberar o acesso ao meu celular a partir da biometria facial me parece uma brusca virada de esquina para a ficção orwelliana. Minha imagem nem mais pertence a mim, é propriedade da Apple.
As ocasionais prisões motivadas pelo tal reconhecimento facial fazem com que gestores de segurança pública tratem tal tecnologia como a famigerada panaceia. Ignorando o que causa a violência. Ignorando a renovação da promessa de encarceramento em massa. Ignorando a promoção de uma sociedade de vigilância eterna. Ignorando leis de proteção de dados e imagens. Ignorando o bom e velho viés, do qual a tecnologia é tão pouco imune quanto a humanidade.
Lá em cima, ressaltei, entre travessões, que o sujeito abordado em Aracaju é negro. Não era um desvio na minha (irrefreavelmente) sinuosa narrativa. É que tal qual a fotografia em sua origem, o reconhecimento facial surgiu com histórico de viés racial. O que talvez faça com que combine perfeitamente com a atividade policial, mas divago.
Em suma, o reconhecimento facial erra. E erra mais com pessoas negras.
E ainda que eu admita ver potenciais, a imagem de alguém preso injustamente — o ônus, único que seja —, não é suplantado pelos tantos presos com justiça — os bônus, ainda que potencialmente comuns.
A tecnologia avança a cada caractere que escrevo. Os estudos de 2020, 2021, que provavam existir um viés racial nas mais comuns tecnologias de reconhecimento facial, devem ter avançado. Mas a quem cabe julgar qual a boa e qual a má tecnologia?
Lá em casa, a abertura do portão do prédio é por biometria facial. Meu irmão, quando vai me visitar, não precisa interfonar: a máquina libera o acesso, com a legenda "André Bloc".
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