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Bíblia, bala, boi, bet, bola
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Jornalista formado na Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi repórter do Vida&Arte, redator de Primeira Página e, desde 2018, é editor de Esportes. Trabalhou na cobertura das copas do Mundo (2014) e das Confederações (2013), e organizou a de 2018. Atualmente, é editor-chefe de Cidades do O POVO. Assinou coluna sobre cultura pop no Buchicho, sobre cinema no Vida&Arte e, atualmente, assumiu espaço sobre diversidade sexual e, agora, escreve sobre a inserção de minorias (com enfoque na população LGBTQ+) no meio esportivo no Esportes O POVO. Twitter: @andrebloc

André Bloc esportes

Bíblia, bala, boi, bet, bola

As "bets" chegaram para dominar o Brasil, outrora o país da bola, hoje dominado pelos quereres da bancada BBB (Bíblia, bala e boi)
Tipo Crônica
Neymar é citado de forma quase aleatória pelo autor da crônica (Foto: João Loureiro/Ag. Paulistão)
Foto: João Loureiro/Ag. Paulistão Neymar é citado de forma quase aleatória pelo autor da crônica

Brasil se escreve com B. Houve um tempo que a gente cria que era homenagem à bola, quando dela tínhamos a posse. Mas passa o tempo e eu me convenço que outros "bês" tomaram a narrativa para si.

Segunda-feira, 13h30min. Sem carro após um mentecapto bater na minha traseira, peço um Uber. O aplicativo é rápido em me avisar que se trata de um motorista de reputação ilibada, — 5 estrelas —, apesar de rodado, — 12 mil viagens.

A expectativa engoliu meu sorriso após 20 minutos de louvor religioso dentro do carro. Os únicos diálogos foram o "boa tarde" que iniciei e o motorista terminou, e a troca de "obrigados" por ele proposta ao fim da jornada. Daí então passei a me perguntar se cabia a mim quebrar o encanto das cinco estrelas do meu choffer fortuito, numa silenciosa pretensa intolerância religiosa minha.

O fato de eu me incomodar com uma trilha de viagem 100% gospel, enquanto os demais passageiros parecem aprová-la me pegou de surpresa. O que talvez seja prova de que ainda existe um pingo de ingenuidade dentro do meu profundo cinismo.

A verdade é que eu não faço questão de estar certo. Ou desisti de convencer os demais da minha razão, o que aflui ao mesmo fim. Mas ainda que eu não consiga ser infiel aos meus gostos, questiono meu direito de negativar, anonimamente, o que um possível trabalhador brasileiro honesto escolheu para que eu ouvisse.

O que dói é que, enjaulado naquele espaço automóvel, eu não tinha como escapar da evangelização. O que machuca é impor a sua realidade a um cliente, como se eu incluísse uma música dos Los Campesinos! a cada coluna minha.

O Brasil esquece, aos poucos, o sentido de coletividade. É o discurso do rico, do sucesso instantâneo. É o agronegócio, com o boi que destrói o meio ambiente enquanto deixa o latifundiário rico. É o crime organizado, que oferece vida pouca, mas com muito luxo regado a balas de grosso calibre. São as "bets", que matam família ao oferecer a sensação de que você está a um clique de ficar milionário.

A gente se acostumou a comprar e vender respostas fáceis. Preferia quando eu acreditava que jogar bola era o futuro da nação. Era uma mentira mais doce, engolida pelo discurso coach entremeado de neymarzismo cultural.

P.S. Mando um abraço pro Esdras Beleza, nosso ouvinte lá de Campanhã, no Porto, que, quase sem querer, deu a ideia deste texto.

 

 
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