Jornalista formado na Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi repórter do Vida&Arte, redator de Primeira Página e, desde 2018, é editor de Esportes. Trabalhou na cobertura das copas do Mundo (2014) e das Confederações (2013), e organizou a de 2018. Atualmente, é editor-chefe de Cidades do O POVO. Assinou coluna sobre cultura pop no Buchicho, sobre cinema no Vida&Arte e, atualmente, assumiu espaço sobre diversidade sexual e, agora, escreve sobre a inserção de minorias (com enfoque na população LGBTQ+) no meio esportivo no Esportes O POVO. Twitter: @andrebloc
Cerveja gelada num dia quente de futebol parece que sempre dá samba. Mas transformar a água em vinho numa sociedade violenta como a nossa nem sempre pode ser a melhor das ideias
Estádio Presidente Vargas, 1º de julho de 2001. Dez e tanto da manhã. Já era segundo tempo do segundo jogo da semifinal do segundo turno do Campeonato Cearense. O Fortaleza vencia o Itapajé por 4 a 0, o que levaria a partida à prorrogação porque o futebol local tinha essas manias de ignorar a dimensão de cada vitória — o Galo Serrano vencera a ida em casa por 2 a 1. Calor dos infernos, passa um ambulante.
"Opa, tem cerveja?". "Tem não, só tem Kaiser". "Pois vai ela". Eu tinha 13 anos. Segundo jogo da vida em um PV ainda com os esburacados vãos entre o piso e a arquibancada. E ali, entre gols de bicicleta de Clodoaldo e chutaços de fora da área de Daniel Frasson, entendi a bebida como ingrediente do futebol.
Talvez naquele 2001 em que Clodoaldo nem bem era um "terror" o futebol não fosse tão divisivo. Ou talvez éramos mais tolerantes com a violência. O cenário quase amadorístico permitia meiotas traficadas na cueca e drinques diluídos em Marujinho. A mim parecia que esporte era festa e o banho de cerveja a cada gol era consequência da celebração — quiçá forma de aterrar a felicidade em uma nesga de lamento mundano.
Hoje é era de arenas. Não tem ambulante vendendo cerveja vagabunda e barata. É tudo caro, ligeiramente pasteurizado, um mijo amargo cheio de cereais não malteados. Várias Kaiseres, com grife.
O futebol cearense é outro. Não cabe mais um 8 a 0 fake em semifinal de campeonato. O futebol brasileiro é outro. A bebida deixou de ser lubrificante do espetáculo, virando algoz. Algoz de quem?
Nos tempos em que eu ainda usava camisa de time, lembro rumar para o Clássico-Rei com a blusa escondida. E, em caso de derrota, de guardá-la do olhar dos vitoriosos — que enxergavam facilmente meu ingênuo ardil, prontos para frescar com minha derrotada cara.
Tudo muda, nada muda. Naqueles tempos de então podia bandeira, podia latinha de cerveja, podia homofobia. O que é lícito no torcer? A mim, me parece absurda a hipótese de futebol e cerveja serem imiscíveis. Mas sou filho das minhas experiências, temperadas em saudosismo. Nunca vivi, mas já vi que álcool é combustível de violência.
O que custo a crer é que proibição soluciona algo. Que o diga a "guerra às drogas", há décadas inevitavelmente vencida pelos entorpecentes. Se o futebol evoluiu tanto, está na hora da legislação no entorno dele crescer também. Acho — no sentido de tenho certeza — que a discussão sobre proibição de bebida em estádios é válida. Contanto que se baseie em dados, e não em moralismos.
P.S. A memória do colunista é boa, mas as dúvidas sobre aquele jogo foram sanadas por pesquisa de Roberto Araújo, do O POVO.DOC, que resgatou as matéria de Fortaleza 5 (3)x 0 (0) Itapajé.
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