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João Fonseca e a vida em cor de rosa
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Jornalista formado na Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi repórter do Vida&Arte, redator de Primeira Página e, em 2018, virou editor-adjunto de Esportes. Trabalhou na cobertura das Copas do Mundo (2014) e das Confederações (2013), e organizou a de 2018. Atualmente, é editor-chefe de Esportes do O POVO, depois de ter chefiado a área de Cidades. Escreve sobre a inserção de minorias (com enfoque na população LGBTQ+) no meio esportivo no Esportes O POVO

André Bloc esportes

João Fonseca e a vida em cor de rosa

João Fonseca, fenômeno do tênis brasileiro (e mundial), opta por sempre jogar de rosa. O que é natural para ele, mas que para mim seria um ato de ousadia
João Fonseca foi campeão em Camberra com uma camisa rosa e preta, com detalhes brancos (Foto: Reprodução/Instagram/ATP/Challenger Tour)
Foto: Reprodução/Instagram/ATP/Challenger Tour João Fonseca foi campeão em Camberra com uma camisa rosa e preta, com detalhes brancos

O primeiro aspecto que notei no jovem fenômeno João Fonseca, ainda no início de 2024, foi a camisa. A minha geração talvez a chamasse de “salmão” por covardia — ou, no meu caso, por daltonismo. Mas foi surpreendente ver um menino de então 17 anos optar por trajar rosa.

Apurei o olhar, tanto pelos resultados dele, quanto para o tom das blusas. O rosa seguiu lá, às vezes só, noutras adornado de branco, recentemente junto ao preto. É até bom poder elogiar a vestimenta de um tenista brasileiro, já que o colorido de Gustavo Kuerten só era aceitável diante da beleza da paralela de esquerda do manezinho da ilha.

Na minha juventude, como em todas, muito se falava sobre sexualidade, mas nada se dizia. Cresci sem saber me reconhecer e odiando qualquer sombra que sugerisse o que eu não aceitava no espelho. Eu não tinha como me reconhecer gay quando o termo era pouco mais do que uma provocação vazia.

Era impensável trajar rosa. Não posso falar de antes, mas o damarismo cultural era bem incutido no imaginário adolescente do início dos anos 2000, décadas antes da dogmática ministra da mulher ser conhecida nacionalmente. Rosa é cor de menina. No meu tempo, elogiar a camisa do Palermo era ser subversivo, corajoso. Enfim, era mostrar segurança de si, algo raro em adolescentes.

Em mim, a cicatriz arde até hoje. Canso de me ver optando por usar uma blusa rosa na ilusão de que assim serei mais facilmente identificado como homossexual. Sigo sendo vítima do meu anacronismo, agarrado aos preconceitos que me fizeram me odiar. Gosto de pensar que assim subverto os traumas — mas reforço, internamente, que rosa é cor de viado.

O mundo, porém, se move independentemente da minha evolução pessoal. Digamos que o coletivo supera traumas mais facilmente do que os indivíduos, até porque a sociedade prefere ignorar os problemas que cultiva. Que as inseguranças da minha geração fiquem no passado.

No Natal, fui com meu pai e meu sobrinho comprar tênis e, com surpresa, notei que o rapazote de 11 anos escolheu um par cor de rosa. Bonito, único. “Salmão”.

O discurso está pronto na minha mente. Roupa não tem gênero, cor não tem sexo. Posso usar o que eu quiser, quando eu quiser.

Falta só eu me convencer disso.

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