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De Portugal para o Rio Grande do Sul
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Ariadne Araújo é jornalista. Começou a carreira em rádio e televisão e foi repórter especial no O POVO. Vencedora de vários prêmios Esso, é autora do livro Bárbara de Alencar, da Fundação Demócrito Rocha, e coautora do Soldados da Borracha, os Heróis Esquecidos (Ed. Escrituras). Para além da forte conexão com o Ceará de nascença, ela traz na bagagem também a experiência de vida em dois países de adoção, a Bélgica, onde pós-graduou-se e morou 8 anos, e Portugal, onde atualmente estuda e reside.

De Portugal para o Rio Grande do Sul

Uma campanha de doação para os desabrigados no Rio Grande do Sul mobilizou Portugal, arrecadou 300 toneladas e transformou-se em uma querela, ainda em suspense.
Tipo Crônica
Criança e cachorro em enchente de São Leopoldo, cidade do Rio Grande do Sul (Foto: Tuane Fernandes/Greenpeace)
Foto: Tuane Fernandes/Greenpeace Criança e cachorro em enchente de São Leopoldo, cidade do Rio Grande do Sul

 

A campanha SOS RS em Portugal anunciou pelas redes sociais a partida de um avião para o último dia 10 de maio, levando como carga toda a ajuda possível, para os desabrigados do Rio Grande do Sul. Com a data (supostamente) garantida e já fixada, começou-se uma corrida contra o tempo, em uma enorme mobilização de brasileiros e portugueses.

Das grandes cidades do país, disponibilizou-se armazéns e espaços de lojas, garantiu-se o alimento e o transporte para o recebimento, triagem e embalagem de tudo o que chegava. No dia previsto, os voluntários tinham embalado 300 toneladas de produtos. Incluindo, milhares de garrafas de água. Mas o avião era uma mentira.

Além das toneladas de doações encalhadas em armazéns, a gaúcha Camila Fernandes, idealizadora da campanha, recebeu numa vaquinha, via mbway, algumas centenas de euros. Com a pergunta geral – onde está o avião? ­-, o Consulado do Brasil em Portugal e o Ministério dos Negócios Estrangeiros anunciaram que nada sabiam do voo. Em outras palavras, os organizadores da campanha contaram com o ovo ainda dentro da galinha.

Para as autoridades brasileiras a situação é clara. O alto custo do envio destas toneladas, de Portugal para o Rio Grande do Sul, não faz sentido. Só o voo em si é muito mais caro que a doação. O bate-boca ganhou espaço na mídia e nas redes sociais, e mesmo os nomes de Eduardo Bolsonaro e André Ventura, líder do partido de extrema-direita, em Portugal, melaram-se à história.

Com as cobranças, novos posts anunciavam que o jogador de futebol Cristiano Ronaldo e a empresa aérea TAP assumiriam o transporte. Desmentida, de novo, de um lado e outro, Camila Fernandes apagou os vídeos comprometedores. A última notícia, segundo a SOS RS Portugal, é de que empresários e o Ministério dos Portos e Aeroportos aceitariam mandar de avião apenas o que for mais leve. O grosso das doações seguiria de navio.

Quando isto vai acontecer? Ninguém sabe. Aliás, sobre esta operação incerta, desde o começo, perguntas não faltam. Por exemplo, quanto tempo levará a viagem pelo mar e quem vai receber os produtos e distribuir entre os desabrigados? Acontece que, se levar tempo demais, terá sido em vão o esforço, desperdiçada a solidariedade.

Às vezes, de um ideia começa-se uma ação, envolvem-se centenas de pessoas, obtém-se sucesso no que se pretendia como objetivo, e falha-se na finalização da logística. Ou, pior, na forma como se faz. Enviar dinheiro para uma instituição séria no Brasil não teria sido mais eficiente e rápido? De que valem produtos perecíveis e garrafas de água, daqui há meses?

Os bem-intencionados não enchem o inferno, mas estas boas-intenções vão na carga de um navio (se é que navio há), flutuarão dias e dias no oceano, e arriscam-se a ficar de molho em águas salgadas de bacalhau, como bem dizem os portugueses. No aguardo de notícias, ficamos todos.

Foto do Ariadne Araújo

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