Ariadne Araújo é jornalista. Começou a carreira em rádio e televisão e foi repórter especial no O POVO. Vencedora de vários prêmios Esso, é autora do livro Bárbara de Alencar, da Fundação Demócrito Rocha, e coautora do Soldados da Borracha, os Heróis Esquecidos (Ed. Escrituras). Para além da forte conexão com o Ceará de nascença, ela traz na bagagem também a experiência de vida em dois países de adoção, a Bélgica, onde pós-graduou-se e morou 8 anos, e Portugal, onde atualmente estuda e reside.
O turismo de massa desembarca em bloco no mesmo lugar, em busca de viver separado as mesmas experiências que são dadas ao coletivo. Cada um a seu jeito, vai mostrar ao mundo: "olha onde estou, que lindo e maravilhoso"
Foto: Letícia Guerra
A basílica da Sagrada Família está em construção há mais de 100 anos, em Barcelona (Espanha)
Acontece que, depois da pandemia, o gosto pelas viagens voltou, em força. Andamos por aí aos pés da Torre Eiffel, em Paris, alimentando pombos na Piazza San Marco, em Veneza, jogando moedas na Fontana de Trevi, em Roma. E agora ainda mais longe – pendurados em cordas no Monte Everest, no Himalaia, ou espremidos em uma trilha, na Montanha Yandang, na China. Tudo por uma foto, para o Instagram.
Por causa da sede de selfies e stories, os moradores da rua Crémieux, em Paris, com suas casinhas de operários em cores pastéis, já não suportam mais os turistas. À toda a hora do dia, para aproveitarem na luz do sol as cores de arco-íris das fachadas, fazem-se selfies e filmes. Nas janelas e portas, puseram placas – “proibido fotografar”. Quem liga? O turista de massa é assim, teimoso.
Em Barcelona, de tanto se tentar, descobriu-se o melhor ângulo para fotografar e filmar stories, mostrando por inteiro a basílica da Sagrada Família. E isto bem na saída do metrô, nos últimos degraus da escada rolante. Por conta da aglomeração e acidentes com telefones nos degraus em movimento, a prefeitura congelou a escada, colocou painéis de interdição. Complicou-se a vida dos usuários, mas os turistas deram seu jeito.
Veneza, na Itália, que está em vias de afundar, proibiu os grandes barcos poluidores – que mais parecem condomínios – de entrarem com seu formigueiro de viajantes na baía e criou uma taxa para entrar na cidade. Não creio que a taxa, que pode e deve ser usada em benefício da cidade, desestimule um viajante. Paga-se por ela saltitante, como se fosse o preço de um souvenir.
Atrás de uma cena nova e de aventuras dignas de registros, vamos cada vez mais longe. A novidade pode estar atrás do que os outros já descobriram, em viagens passadas. O bastidor, por sua vez, passa a ser nova cena. Depois, é o bastidor do bastidor. Um sistema sem fim, até a lua. Consumir espaços e temporalidades, sob a sugestão de influenciadores.
A antropóloga e socióloga Saskia Cousin escreveu o livro Sociologia do Turismo. Para ela, a mise-en-scène de viagens interroga nosso imaginário. Mesmo se vivemos apenas o instantâneo, sob camadas de filtros. O primeiro filtro nos é dado, nos panfletos e imagens publicitárias, na venda da experiência da viagem. Depois lá vamos nós, a reproduzir fotos que outros fizeram antes de nós.
Não é à toa que, segundo ela, a viagem é o tema mais popular no Instagram. Nos stories de 24 horas, temos a mesma mecânica da viagem – rápida, frenética, está hoje lá, amanhã é outra coisa. Consumidores de experiências ligeiras, a não ser que nos cortem o barato. Como fizeram os 750 moradores da cidade alpina Hallstatt, na Áustria, diante do afluxo de 1 milhão de turistas por ano.
Para evitar a multidão, colocaram tapumes, impedindo o acesso a dois pontos populares de selfies – as montanhas e o lago cintilante –, paisagem que inspirou o filme Frozen. Os moradores de Fujikawaguchico, no Japão, aos pés do Monte Fuji, adotaram também a barreira - dois metros e meio por vinte de largura. Então, sem a paisagem, fotografa-se o tapume. O bastidor do bastidor. Tudo vale no Instagram, onde nas nossas narrativas de turistas, nunca chove.
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