Ariadne Araújo é jornalista. Começou a carreira em rádio e televisão e foi repórter especial no O POVO. Vencedora de vários prêmios Esso, é autora do livro Bárbara de Alencar, da Fundação Demócrito Rocha, e coautora do Soldados da Borracha, os Heróis Esquecidos (Ed. Escrituras). Para além da forte conexão com o Ceará de nascença, ela traz na bagagem também a experiência de vida em dois países de adoção, a Bélgica, onde pós-graduou-se e morou 8 anos, e Portugal, onde atualmente estuda e reside.
Da Amazônia, os povos indígenas não-contatados lançam-nos flechas. Mensagem clara para que os deixemos em paz. No território deles, entra-se para pesca e caça ilegais, tráfico e plantio de drogas, extração de ouro. E agora, mais do que nunca, também para salvar almas
Foto: Comunicação Social – SR/PF/AM
Região do Vale do Javari, no Oeste do Amazonas
No Vale do Javari, fronteira do Brasil com a Colômbia e Peru, em um território do tamanho de Portugal, vivem 7 povos indígenas (ainda) não-contatados. São, em meio a outros, os Matsés, os Marubo, os Korubo – todos, por vontade própria, isolados. Apartados do nosso mundo moderno de forma voluntária, para não morrerem com nossos vírus, nossas armas e vítimas de nossa cobiça. Apesar desta vontade expressa, resistem a um constante cerco.
No território deles, navegam grandes barcos de pesca ilegal, mineradoras reviram os leitos dos rios em busca de ouro, vê-se o vai-e-vem dos narcotraficantes, entram grupos de caçadores em busca de animais selvagens. Sem esquecer a indústria agroalimentar. E, como se não bastasse tudo isso, de bíblia na mão, chegam também os que querem salvar almas. Grupos de missionários extremistas evangélicos, com dinheiro e helicópteros para localizar nos céus e contatar na terra estes povos, que escapam do nosso modo de vida.
No vale do rio Puré, na Colômbia, muitos povos tomaram a mesma decisão de isolamento. Igual na reserva da Biosfera de Pilón, na Bolívia. Também na floresta de Chaço, no Paraguai. Idem com Yanomami, Hoti, Piaroa, na Venezuela. Também os povos na Papua Ocidental. E, de todos eles, ainda mais radicais na decisão, os Sentinela, que vivem em algumas das paradisíacas ilhas Andaman, no Golfo de Bengala. Anos atrás, lançaram uma flecha em um missionário americano que foi até lá, a ponto de desembarcar para contatá-los.
Não posso decidir sobre qual destes perigos conhecidos para eles é o mais grave. Sabendo que qualquer contato, de longe ou de perto, significa a morte. Que a vida destes povos depende da integridade da floresta, como um todo. Enquanto, cada vez mais perto, à espera de uma oportunidade, estão os missionários. A missão evangelizadora Ethnos 360, a cada dia, aproxima-se mais e mais dos Yuri e dos Passé, na Colombia. No Brasil, escondem-se na mata, em pequenos grupos.
Populações mais vulneráveis do Planeta. Segundo as previsões de quem os acompanha, têm apenas algumas décadas pela frente em situação de isolamento, até que doenças simples, como gripes, as balas, o desmatamento e as bíblias os alcancem. Não são o nosso passado pré-histórico. São nossos contemporâneos, parte da nossa humanidade na Terra. Antípodas do nosso estilo de vida – globalizado e hiper conectados. Insuportável? Parece que sim.
Viver sem smartphone e televisão, também sem a crença em um Deus cristão, como isso é possível. Pois que sejam muitas as flechas, até este fatídico dia chegar. Para os de fraca memória, quando os primeiros invasores chegaram no século 16, onde hoje chamamos Brasil, viviam 11 milhões de indígenas. Resta hoje 1 milhão e 700 mil. No Vale do Javari, segundo estimativa, de 3 a 6 mil indivíduos. Ser moderno não é ter o direito de escolher como viver?
Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página
e clique no sino para receber notificações.
Esse conteúdo é de acesso exclusivo aos assinantes do OP+
Filmes, documentários, clube de descontos, reportagens, colunistas, jornal e muito mais
Conteúdo exclusivo para assinantes do OPOVO+. Já é assinante?
Entrar.
Estamos disponibilizando gratuitamente um conteúdo de acesso exclusivo de assinantes. Para mais colunas, vídeos e reportagens especiais como essas assine OPOVO +.