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O pisca-pisca dos pirilampos em extinção
Foto de Ariadne Araújo
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Ariadne Araújo é jornalista. Começou a carreira em rádio e televisão e foi repórter especial no O POVO. Vencedora de vários prêmios Esso, é autora do livro Bárbara de Alencar, da Fundação Demócrito Rocha, e coautora do Soldados da Borracha, os Heróis Esquecidos (Ed. Escrituras). Para além da forte conexão com o Ceará de nascença, ela traz na bagagem também a experiência de vida em dois países de adoção, a Bélgica, onde pós-graduou-se e morou 8 anos, e Portugal, onde atualmente estuda e reside.

O pisca-pisca dos pirilampos em extinção

Tive a sorte de crescer entre pirilampos. Dentro de um vidro, três ou quatro deles tornavam-se uma lanterna mágica. Pelos olhos adultos de hoje, não foi boa ideia. Mas aquelas luzinhas verdes iluminam até hoje minha memória de adulto. Privilégio de quem conviveu com a espécie, hoje em risco de extinção.
Tipo Crônica
Vaga-lumes ou pirilampos (Foto: Wikipedia / Creative Commons)
Foto: Wikipedia / Creative Commons Vaga-lumes ou pirilampos

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De onde vem esta miríade de luzinhas verdes? Com meu bocal de vidro, nas noites quentes do interior do Ceará, eu capturava três ou quatro para confecionar minha lanterna mágica e observar os segredos dos insetos. Naquela época, os pirilampos da minha infância ainda não estavam ameaçados pela poluição luminosa das cidades, pelos inseticidas e químicos em hortas e jardins, pelas alterações climáticas. Apenas, pela minha fatal curiosidade e imaginação, que me fazia persegui-los. E um certo desejo (em vão) de me tornar cientista.

Descubro hoje, muito atrasada na novidade, que há quem dedique a vida aos pirilampos. Todos os anos, em países diferentes, reúnem-se em simpósios internacionais, homens e mulheres - enquanto o resto do mundo fala em mortes – para discutirem planos urgentes de salvação dos pirilampos da extinção. Deu-me vontade de ir ao Porto, para uma das excursões noturnas, no Parque Biológico de Vila Nova de Gaia, e viver outra vez a magia dos voos coloridos. Pois, além das luzes verdes, há os que acendem pontinhos vermelhos e outros amarelos.

Em Portugal, temos vaga-lumes europeus, o vaga-lume de lunetas, o lusitano e o preto. Todos, em declínio. O fenômeno da bioluminescência, que provoca o espetáculo das luzes intermitentes, está ligado à comunicação entre parceiros. As fêmeas ficam no chão, com uma luz mais branda. Os machos voam alto, em piscadelas. O ciclo de vida é de um a três anos. Depois de se reproduzirem, morrem. Sem saber, impedi alguns destes acasalamentos de luzes. Mas entrou na minha a vida, em definitivo, a fascinação e o amor por eles.

Como salvá-los da nossa indiferença, de hoje? Da extinção total? Uma criança que nunca correu atrás de um pirilampo, que triste. Que nunca examinou a luzinha, pousada mansamente na ponta de um dedo, que triste. Talvez os miúdos, vez ou outra, para um contato real com as coisas da natureza – a qual pertencemos e com a qual estamos visceralmente ligados. Mostrar a eles o brilho natural dos insetos, em contraponto aos pontos leds dos telefones. Aproveitar e com eles lembrar-se que os pirilampos não são meros pisca-piscas.

Efêmera e frágil, a bioluminescência destes insetos (de outros seres vivos também, por exemplo, no fundo dos oceanos) é um pisca-pisca de alerta: Se ela se apaga, sabemos que se agrava o estado do Planeta. Talvez por isso, por uma fração de segundos, a luz pulsante de um vaga-lume faz-me pensar no brilho fugidio de uma estrela – das quais resultamos todos, poeiras de explosões estelares. O tempo pisca breve para os vaga-lumes, o tempo pisca breve para nós. Pirilampos, homens, mulheres - seres vivos num breve instante de tempo, em que podemos brilhar.

Foto do Ariadne Araújo

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