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Preconceitos contra o verde
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Ariadne Araújo é jornalista. Começou a carreira em rádio e televisão e foi repórter especial no O POVO. Vencedora de vários prêmios Esso, é autora do livro Bárbara de Alencar, da Fundação Demócrito Rocha, e coautora do Soldados da Borracha, os Heróis Esquecidos (Ed. Escrituras). Para além da forte conexão com o Ceará de nascença, ela traz na bagagem também a experiência de vida em dois países de adoção, a Bélgica, onde pós-graduou-se e morou 8 anos, e Portugal, onde atualmente estuda e reside.

Preconceitos contra o verde

No fundo da prateleira de uma livraria no Porto, achei a coleção de livros que contam a história das cores. Cada capa indica uma cor, as letrinhas do texto também no mesmo tom. Para o presente que eu buscava, escolhi o vermelho.
Tipo Crônica
Na Idade Média, o verde era considerado a cor dos diabos, das fadas, das feiticeiras e dos gênios, dos cadáveres, dos mortos-vivos e todos os tipos de criaturas malignas




 (Foto: Fernanda Barros / O Povo)
Foto: Fernanda Barros / O Povo Na Idade Média, o verde era considerado a cor dos diabos, das fadas, das feiticeiras e dos gênios, dos cadáveres, dos mortos-vivos e todos os tipos de criaturas malignas

 

A presenteada, pelo que me disse, amou o livro com a história do vermelho, ao decorrer do tempo e no espaço geográfico mundial. Não achei o azul, que se destinava aos meus olhos amorosos desta cor intrigante. E poderíamos ter ficado por aí, mais um caso de uma busca frustrada por um livro, quando me chegou uma reportagem sobre o verde. Pensei logo: o que estaria acontecendo que todo mundo de repente anda a falar das cores?

Fiquei intrigada com as seculares superstições e preconceitos com o verde. Na Idade Média, era considerada a cor dos diabos, das fadas, das feiticeiras e dos gênios, dos cadáveres, dos mortos-vivos e todos os tipos de criaturas malignas. Ainda hoje, nos filmes, podemos ver resquícios desta crença, nos zumbis e filmes de horror - o bolor, os vômitos, a sujeira. A Rainha Vitória, por exemplo, tinha horror ao verde, proibiu-o no Palácio de Buckingham. Nos barcos, dizia-se, atraía tempestades e raios.

No teatro medieval, o personagem de Judas vestia-se tradicionalmente de verde. Cor da traição, dos ciúmes, da inveja, da doença, da morte. Difícil para se obter boa fixação, durante muito tempo experimentou-se estabilizar o verde com óxido de cobre, cianeto e até arsênico. Imagine o desastre. Depois da morte de alguns atores, espalhou-se no meio teatral que a cor dava má sorte. Conta-se que Molière, todo de verde no alto do palco, numa cena final do O Doente Imaginário, sentiu-se mal, desmaiou e acabou por morrer em casa, ainda fantasiado.

Nos finais de século 18, um químico sueco inventou um tom bem fechado, o verde-escuro. O novo tom de verde dava uma nova roupagem à cor, distanciando-a da fama terrível de até então. Todos queriam a nova cor de Carl Scheele. Fabricantes de tecidos, tintureiros e artistas da moda trabalharam o pigmento em roupas, capas, tapetes, tintas e tecidos para forrar paredes. Tal e qual no teatro medieval, lá vai de novo o problema, as pessoas que usavam morriam, inexplicavelmente. Até se descobrir a causa do envenenamento. Não era a cor em si, mas o arsênico usado no verde-escuro.

Os problemas químicos do passado foram aos pouco superados. As ideias ecologistas varreram de vez as superstições com o verde. De mal-amada, a cor passou a um lugar destaque, de onde não saiu mais até hoje. Os super-heróis usam verde, os extraterrestres também. As passarelas andam cheias de clorofila, idem para as marcas das empresas. É a cor das florestas e da natureza intocável, longe do cinza dos rolos de fumaças das queimadas. Há, no entanto, quem não goste.

Se gosto não se discute, que seja pelo menos no caso de cores. Indissociável da história dos imaginários coletivos, posso aceitar que alguém suspeite ainda do verde – dado o passado tóxico. Mas, como todo preconceito, não passa de uma caixa de “achismos”. Embora possamos hoje rir de algumas destas ideias simplificadas e congeladas no tempo – discriminantes, portanto –, muitas destas “verdades” têm ainda a pele dura. E matam, nos dias de hoje.

O verde está aí para nos ensinar algo sobre a toxidade e o ridículo de nossas ideias preconcebidas. Compro a coleção completa das cores?

Foto do Ariadne Araújo

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