Ariadne Araújo é jornalista. Começou a carreira em rádio e televisão e foi repórter especial no O POVO. Vencedora de vários prêmios Esso, é autora do livro Bárbara de Alencar, da Fundação Demócrito Rocha, e coautora do Soldados da Borracha, os Heróis Esquecidos (Ed. Escrituras). Para além da forte conexão com o Ceará de nascença, ela traz na bagagem também a experiência de vida em dois países de adoção, a Bélgica, onde pós-graduou-se e morou 8 anos, e Portugal, onde atualmente estuda e reside.
O terremoto de segunda-feira, sem danos nem vítimas, cortou o sono da gente, deu matéria a pensar, soprou na brasa do fantasma de 1755. E o telefone da polícia e dos bombeiros não parou de tocar. As pessoas queriam saber: e agora, o que devo fazer?
No meu caso, no de todo mundo, a resposta foi: nada. Se puder, se ajeite de novo na cama, e durma. Não achei conforto no colchão. Levantei, fui olhar a cidade e caraminholar. O tremor de 5.3 foi só uma amostra, em comparação à explosão total de 1755, em Portugal. Naquele 2 de novembro, o sismo foi de 9, na escala. Uma carga de energia tão grande que transformou Lisboa em poeira, em cinzas, em um campo de mortos, amputados e feridos.
A quem perguntar, em 1755: “e agora, o que devo fazer?”. Diante da nossa fragilidade humana, numa catástrofe grande assim, num perigo desta magnitude, queremos hoje o que sempre quisemos: proteção. No passado, o abrigo de uma copa de árvore até poderia bastar – não no caso de tempestades, é claro. Mas, era a proteção no sentido de abrigo, de resguardo, de teto.
Hoje essa árvore frondosa não é mais suficiente. Ligamos aos bombeiros, à polícia, à proteção civil porque queremos também a dimensão temporal da proteção: a antecipação, a prevenção, o esclarecimento. No século 17, durante a guerra civil inglesa, Thomas Hobbes defendeu a tese de um contrato social, entre cidadãos e um governo soberano. Para o filósofo, um governo central poderia nos proteger do caos e das guerras.
O governo central, visto por ele, como uma espécie de Leviatã (referência ao monstro bíblico), que concentraria todo o poder e ordenaria a sociedade, nossa vida em conjunto. Após o último terremoto, o Leviatã de Portugal acordou cedo, debaixo de perguntas da imprensa e da população, marcou reunião de governo. À porta fechada, confabulou, por horas. Nada mudou.
Portugal, uma terra de sismos. Praticamente todos os dias, há. Os últimos e maiores foram em 2007, em 2009, e em 2018 – todos longe da terra, por isso não se sentiu muito. O de segunda-feira, foi um aviso mais contundente. Não é catastrofismo, é real. Vai acontecer, ninguém tem dúvida. Mesmo se, na nossa vida cotidiana, a certeza do sismo fica guardada num canto da mente. Um dia acordarmos, na surpresa, perguntando: “o que devo fazer?”.
Talvez não seja má ideia cobrar do poder público os exercícios de simulação nas escolas e locais de trabalho, também certificados de segurança sísmica para as construções. O que, finalmente, implica em mudar a pergunta inicial. Ao invés de “o que devo fazer agora?”, refletir uns com os outros, exigir do Leviatã a proteção desejada e necessária. Fazer a ele nova pergunta: “o que vamos fazer daqui para a frente?”.
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