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Nossos automóveis vão cumprir metas de descarbonização?
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Boris Feldman é mineiro, formado em Engenharia e Comunicação. Foi engenheiro da fábrica de peças para motores Metal Leve e editor de diversos cadernos de automóveis. Escreve a coluna sobre o setor automotivo no O POVO e em diversos outros jornais pelo país. Também possui quadro sobre veículos na rádio O POVO/CBN

Nossos automóveis vão cumprir metas de descarbonização?

Pesquisa da Anfavea é otimista, mas mercado pode ajustar algumas previsões
Tipo Opinião
"Nossos automóveis vão cumprir metas de descarbonização?", indaga o colunista do OP+, Boris Feldman (Foto: REUTERS/Roosevelt Cassio)
Foto: REUTERS/Roosevelt Cassio "Nossos automóveis vão cumprir metas de descarbonização?", indaga o colunista do OP+, Boris Feldman

 

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A Anfavea (Associação das Fábricas de Veículos) divulgou no final de setembro uma pesquisa intitulada “Avançando nos Caminhos da Descarbonização Automotiva no Brasil” que encomendou ao Boston Consulting Group (BCG) e que levou a diversos setores do governo, inclusive ao vice-presidente Geraldo Alckmim. Ela foi compilada a partir de centenas de entrevistas com fornecedores, consumidores, produtores de biocombustíveis e outros do setor.

Através deste estudo, a entidade pretende contribuir para o desenvolvimento de um ecossistema coerente com os compromissos de descarbonização assumidos pelos países nas Conferencias da ONU sobre as Mudanças Climáticas (COP) e que terá lugar, em 2025, em Belem (PA).

Segundo o estudo, as emissões do setor automotivo atingem 242 milhões de toneladas de CO2 por ano, mas que poderiam atingir 256 milhões em 2040, caso não se implantem novas tecnologias e biocombustíveis. O que exige uma combinação de esforços que envolve os setores de geração de energia, infraestrutura de recarga, fabricantes de veículos leves e pesados e biocombustíveis.

O que a pesquisa revela é que, adotadas novas tecnologias de propulsão que envolvem híbridos e elétricos, além de biocombustíveis, nos próximos quinze anos as emissões totais de gás carbônico (CO2) poderiam ser reduzidas em 280 milhões de toneladas. E cerca de 50% adicionais caso se adotem: renovação da frota, inspeção veicular e aumento do poder calorífico dos combustíveis (etanol e diesel).

O estudo da Anfavea/BCG foi realizado de forma criteriosa, a partir de pesquisas muito abrangentes e revela um grande potencial do setor automotivo brasileiro de reduzir significativamente o nível de emissões de CO2 caso sejam realmente aplicadas as novas tecnologias de propulsão disponíveis hoje no mercado.

Mas sinaliza que a venda de veículos híbridos e elétricos pode ser maior que a de veículos a combustão até 2030. E até 90% deles em 2040. E a importância de se elevar o teor dos combustíveis. É aí que “a porca torce o rabo”.

Distorções técnicas

Da previsão de descarbonização escapam alguns detalhes técnicos e os números podem não refletir um quadro preciso do futuro do nosso mercado. Quais?

- a afirmação de que, até 2030, a venda de carros híbridos ou elétricos poderá superar a de veículos com motores a combustão é apenas parcialmente correta. Na verdade, os veículos elétricos e híbridos plug-in contribuem significativamente para a redução de emissões. Mas o ”Full-Hybrid” ou híbrido pleno (não plug-in) reduz o consumo de combustível em percentuais apenas razoáveis, contribuindo discretamente para a descarbonização.

Maior distorção ainda está no “híbrido-leve”: a rigor, funciona somente com o motor a combustão pois o elétrico (de baixa potência) entra apenas como coparticipante de forma discreta. Também chamado de “Mild-Hybrid”, é mais uma resposta das fábricas às exigências de descarbonização que solução do problema. E deveria ser classificado pelo BCG como automóvel com motor a combustão. Já o PHEV (hibrido plug-in), ao contrário, pode rodar grandes quilometragens (às vezes dias ou semanas) apenas com a energia das baterias.

- outra questão não levada em conta no estudo da Anfavea são os problemas causados pelo aumento da participação do biocombustível na gasolina e no diesel. O Projeto de Lei “Combustiveis do Futuro”, já praticamente aprovado pelo Congresso, sugere o aumento dos percentuais de etanol na gasolina e biodiesel no diesel. Mas nenhuma legislação é capaz de resolver a dificuldade técnica e os problemas que poderão prejudicar o funcionamento dos motores.

No caso do etanol, ao contrário dos flex, carros a gasolina não foram projetados para receber 35% de etanol na mistura. São aqueles produzidos antes de 2003 (início da tecnologia flex) ou os importados de qualquer época.

No caso dos motores a diesel, a elevação do teor de biodiesel dos atuais 14% (B14) para 20% em 2030 (B20), pode provocar entupimento e travamento de motores de ônibus, caminhões, jipes e máquinas agrícolas. Segundo os frotistas, quase uma catástrofe. Pois o biodiesel absorve umidade provocando borra no fundo do tanque. Existem soluções para o problema, mas de custo elevado. O HVO (Hydrotreated Vegetal Oil) ou “Diesel Verde”, por exemplo, tem exatamente a mesma molécula do diesel, mas custa cerca do dobro.

No frigir dos ovos, o estudo desenvolvido pela Anfavea é pertinente, adequado e oportuno. Mas algumas questões de ordem técnica precisam ser solucionadas, pois há que se ter maior rigor na classificação dos automóveis elétricos e híbridos e no aumento da utilização do biocombustível.

No caso do biodiesel, a própria Anfavea se manifestou oficialmente contra o aumento de seu teor no diesel. Em 2021, ela publicou um manifesto em conjunto com outras entidades do setor afirmando que a elevação do teor de biodiesel deveria ser precedida de uma “análise ampla e criteriosa, que garanta a viabilidade técnica e a segurança para seus produtores e usuários”.

Mais Boris? autopapo.com.br

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