
Linguista e semioticista, professora da Universidade Federal do Ceará, com doutorado na Universidade de Liège (Bélgica) e pós-doutorado na Universidade de São Paulo
Linguista e semioticista, professora da Universidade Federal do Ceará, com doutorado na Universidade de Liège (Bélgica) e pós-doutorado na Universidade de São Paulo
No último dia 25, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o porte de maconha para uso pessoal não é crime e tão somente um ato ilícito. Como em todo assunto polêmico, somos tentados a rapidamente emitir juízos na superfície do assunto. No entanto, não seria polêmico se não houvesse muitos lados da questão a se olhar.
É preciso se perguntar quem deve de fato ser o alvo dessa lei, quem são as pessoas que realmente causam danos à sociedade e a seus membros. A demanda colocada ao STF apontava que o porte para uso pessoal não incorre em lesividade, não fere um bem tutelado pelo Estado, além de que sua criminalização viola a privacidade individual e é inviável punir alguém por autolesão. Assim, é preciso diferenciar com clareza o usuário do traficante.
Segundo o Ipea, 215 mil pessoas de uma população carcerária de 750 mil estão presas por tráfico de drogas. Sabemos que muitos desses são usuários classificados como traficantes. Segundo uma pesquisa realizada por Marcelo Campos na cidade de São Paulo, metade das incriminações por drogas se dão por quantidades entre 0-7 gramas, sem laudo que especifique o tipo e a quantidade. Ao definir o quantitativo de 40g ou 6 plantas-fêmeas, o STF estabelece um critério objetivo num universo muito sujeito à discrição do agente de segurança.
A consequência dessa decisão é que não se pode enquadrar por tráfico apenas pela quantidade, e outros elementos de prova serão necessários. Abre-se para novos pontos de vagueza. Note-se a contradição, por exemplo, de usar o critério do ponto de venda, onde se encontram traficantes e usuários; ou o acondicionamento da droga, que, em meio à informalidade, podem todos ser considerados indicadores de comércio. Além disso, resta a necessidade de maior controle sobre o que configura uma "fundada suspeita" para a ação policial, pois sabemos que hoje e historicamente essa suspeita recai no mais das vezes sobre os corpos negros.
A decisão do STF é um grande passo para tornar a lei menos tendenciosa, mas é apenas o início das discussões. Critérios objetivos para o enquadramento, restringindo a recorrência a arbitrariedade e a valores pessoais dos agentes públicos se fazem prementes, isso sem falar dos jovens pobres condenados pela venda de pequenas quantidades, que, afinal, também estão longe de ser o problema.
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