
Linguista e semioticista, professora da Universidade Federal do Ceará, com doutorado na Universidade de Liège (Bélgica) e pós-doutorado na Universidade de São Paulo
Linguista e semioticista, professora da Universidade Federal do Ceará, com doutorado na Universidade de Liège (Bélgica) e pós-doutorado na Universidade de São Paulo
Começaram as Olimpíadas. As telas se invadem de feitos sobre-humanos e corpos incríveis. É a festa do auge do que podem os seres humanos. Para dar início a essa ode à perfeição extrema, outros corpos também se fizeram presentes. Na seção "Festividades" da abertura dos jogos, vimos pessoas LGBTQIAPN atrás de uma longa mesa, tudo cheio de cores e brilhos. A essa cena, segue-se um desfile de inspiração ballroom sobre a mesa, que se torna assim passarela. Ao final, deitado à frente, um homem pintado de azul, rodeado de flores e frutas.
A apresentação foi recebida com muita crítica por setores conservadores da sociedade francesa e no mundo. Via-se na disposição ao longo da mesa uma referência à tela de Leonardo da Vinci, A última ceia. Acusam-se então os organizadores de paródia e desprezo pelos valores cristãos. Mas essa crítica parece pouco coerente, uma vez que esse mesmo quadro já foi objeto de inúmeras releituras: de publicidade a filmes, desenhos animados, múltiplas variações de como se representam os sujeitos. Esse quadro, de fato, entrou para a cultura popular. Lília Schwarz, em postagem do Instagram, aponta como a cena do quadro não faz parte do cânone cristão: "Trata-se de obra de imaginação, mas sua fama foi tal que ela se converteu em realidade."
Em meio às discussões, uma outra referência se oferece: a pintura A festa dos deuses, de Jan Harmenz. Nela, também uma mesa, ao centro Apolo coroado, ao lado de Diana, Minerva, Marte, Venus… e Baco, deitado à frente come uvas. Enfim, os deuses do Olimpo. Talvez uma referência mais apropriada para a abertura das Olimpíadas, justamente. Apesar de escapar à fúria dos críticos, essa referência não muda em essência a questão. Dado que foi pintado 200 anos depois do quadro de Da Vinci, ela pode bem ser das primeiras releituras da última ceia.
A questão de fato é: por que todas as muitas paródias, de tom por vezes muito mais ferino, não incomodam na mesma medida? A resposta está no preconceito contra corpos divergentes, de Barbara Butch, lésbica ativista pelo respeito aos corpos gordos, das drag queens, das pessoas trans, da diversidade. A proposta de celebrar a diversidade dos corpos humanos no evento que exibe o limite da habilidade física é primorosa e não pode se deixar ofuscar pelo preconceito e pela intolerância. n
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