
Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira. É autor dos livros
Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira. É autor dos livros
A chibata serviu muito bem a senhores de engenhos e outros mais na época da escravidão. Marcavam os corpos dos negros escravizados com ela sempre quando encontravam motivação para surras. O prazer a partir da submissão era pretexto. A submissão sempre é necessária para que os “senhores” sintam suas botas sob quem deseja escravizado. Se não ocorre o curvamento, o ato extremo ao servilismo há de resolver – entendem.
A mineira Ana Maria Gonçalves refere em "Um defeito de cor" a eliminação de “malês” na Bahia. Os “malês” escravizados ousaram exigir liberdade religiosa, negando o catolicismo e exaltando a religião islâmica, condizente com o fato de serem muçulmanos. Desejaram ver respeitados crença, cultos e costumes e, por isso, não somente as botas vieram a pesar sob seus corpos, porém estes vieram a receber as balas desferidas pela polícia da época. A Bahia poderia ser de “todos os santos”; o estado não se entendia laico e não aceitaria matriz religiosa não católica como expoente.
A História do Brasil tem exemplos do quanto o “pé do ‘senhor’” sobre o pescoço de escravizados foi intenso e oportunamente enfrentado. Mesmo após a interrupção da escravatura, mesmo após a “libertação” dos escravizados, negros ficaram sofrendo castigos de “senhores” crentes de que poderiam – até deveriam – castigá-los por serem inferiores. O Rio de Janeiro, no início do século XX, foi palco da ação impetuosa de João Cândido, comandando companheiros também negros no enfrentamento à Marinha opressora da época. No pleito: fim dos castigos físicos, alimentação e trabalho em melhores condições. No fim, prisão e mortes, envoltas na fantasia de acordo mentiroso.
Todos sabemos: elites olham de cima para baixo e acreditam e defendem e propagam, em seu benefício, a ideia de superioridade “natural”. Em verdade, a suposta supremacia emerge de certo poder econômico e político, muitas vezes um imbrincado no outro, e se expressa especialmente como opressão. O “pé do ‘senhor’”, enfim, se anunciava, no passado, de diversas formas, como ainda hoje se pode ver, por exemplo, na alimentação racionada e inadequada, na moradia insalubre, no trabalho excessivo, nas condições, enfim, análogas às da escravidão em diversos lugares do país.
Aquilo a que se convencionou chamar “elites” brasileiras parece ter desde seu engendramento propensão a querer sob seus calçados todo e qualquer vivente que lhe possa servir em favorecimento à realização dos desejos, não lhe importando qualquer consequência negativa para o outro – subjugado. Tem sido assim e tudo está a indicar que assim permanecerá, agora de maneira mais contundente, pois difundida ferozmente nos plurais ambientes das comunicações digitais.
Há alguns anos se dizia que quem tivesse informação teria poder. Naquele momento, a informação referida se constituía como verdadeira, ou seja, quem soubesse, de fato e com propriedade, estaria à frente de todos que não tivessem o mesmo conhecimento. Hoje, essa ideia foi reformulada. No mundo digital, diga algo que chame bastante atenção e você poderá chegar aos píncaros da glória, pouco importando se o dito será verdade ou mentira.
De certa maneira, é assim que as atuais “elites” põem suas botas no pescoço das populações. Como poder econômico e política estão cada vez mais imbrincados, podem-se ver atuações no cenário nacional voltados para lançar na sociedade deliberada confusão, a partir da qual o subjugamento acontece, primeiramente entre sorrisos, quando apoiado, depois entre gritos encolerizados e chibatas, quando contraditos.
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