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Narrativas
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Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira. É autor dos livros

Narrativas

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Tipo Crônica

Consta na literatura folclórica amazônica brasileira a história de que a sereia Iara, metade mulher e metade peixe, seduz os homens que estejam navegando em rios ou próximos às margens deles com seus encantos corpóreos visíveis e voz maviosa e os leva para o mais profundo daquelas águas, onde, evidentemente, morrem, ou, metaforicamente, ficam encantados e desaparecem por buscarem se aproximar dela.

Existe na literatura alemã relacionada aos Irmãos Grimm a história de um músico, “O Flautista de Hamelin”, que, tocando sua flauta mágica, encantou ratos e os levou ao afogamento em rio próximo da cidade infestada. Nessa história, porém, foram prometidas ao flautista moedas de ouro, caso ele conseguisse desinfestar a cidade. Consegue e é traído, pois os ricos do lugar, após verem o problema resolvido, festejam, mas o expulsam da cidade negando o pagamento.

Ora, e o que há em seguida? O músico encanta as crianças e as leva para lugar ignorado, jogando a cidade em desespero. Até que os poderosos entendem que precisam entregar os anéis, ou seja, as moedas de ouro prometidas para não perderem suas crianças. Duas narrativas. Duas histórias bem populares. No ambiente da literatura, histórias assim são aceitáveis, porque ali a fantasia, o fabuloso, o inverossímil cabe bem, tornando-se verossímil e verdadeiro. Ali.

No dia a dia real, verdadeiro, não são adequadas as validações de "narrativas" em semelhança às histórias acima. Romances, contos, fábulas, novelas, crônicas são exemplos de textos onde narrativas cabem, uma vez que elas são próprias ao ambiente literário, portanto, ao mundo da ficção. Na ficção, o fabuloso impera e os fatos acontecem ao sabor da vontade e da criatividade dos autores ficcionistas. Na ficção tudo vale, até o acontecimento dos personagens em universos paralelos. Mas ali.

Na vida real, a ideia de que os fatos, como eles são, contam-se por meio de relatos em textos, portanto, não em falas ficcionais, é algo certo e bem aceito. Reportagens, notícias, documentários exemplificam a existência de textos pautados em verdade, em fatos incontestáveis. Não cabe no mundo civilizado a ideia de que existem “narrativas”, pois elas não são do mundo da realidade. Então, deve-se duvidar das intenções de quem põe em seu discurso a expressão “são ‘narrativas’”, principalmente se há repetições insistentes do termo.

Há de se ter muito cuidado, portanto, com quem cria "narrativas" e as divulga como se fossem "relatos": o termo “narrativa” estabelece relação com as ficções, portanto com algo não verdadeiro; o “relato” comunica a existência de verdades em um mundo que é real, onde não deveriam existir mentiras. Mesmo admitindo-se a ideia de que “a arte imita a vida” e que “a vida pode se espelhar na arte” não é adequado, justo, honesto difundir falsidades na sociedade querendo fazê-la crer nelas como se fossem veridicidades.

Tempo estranhíssimo esse em que estamos vivendo onde lorotas são espalhadas aos quatro cantos para nos ludibriar. Sim, há quem nos queira tratar como ouvintes do canto da sereia Iara, ou como seres seduzidos pelo som encantador criado por flautista mágico. Observemos que, nas duas situações, quem se deixa levar pela sedução, sucumbe, morre, enquanto aquele que encanta permanece.

Cuidado: mentiras podem estar sendo contadas nesse instante com o intuito de que haja crença nelas. Não caiamos em “canto de sereia” nem nos deixemos ludibriar pelo som “mavioso” de “flautistas” enganadores. O preço a ser pago pode ser muito alto.

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