
Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira. É autor dos livros
Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira. É autor dos livros
Me lembro de que, quando criança, minha mãe, em algumas situações, fez “emendas” em roupas minhas e de meus irmãos. Me lembro de que fez cerzimento em algumas peças, em camisas colocou novo bolso em posição diretamente oposta ao existente desde a confecção original. E continuávamos vestidos. Para felicidade nossa, essas ações não eram regras, mas exceções impercebíveis como defeitos, tamanha a capacidade de mamãe em fazer consertos como arte (não é todo mundo que consegue fazer emendas / remendos eficientes, bons, bem ajustados).
Lá pela adolescência, ampliando um pouco os conhecimentos que talvez já tivesse, me deparei com estudos em literatura e neles vislumbrei conhecer poemas clássicos em estrutura de soneto. Houve encantamento meu pela forma precisa com que ele precisava ser desenvolvido e pela maneira como vários temas eram abordados pelos diversos poetas denominados clássicos, parnasianos, simbolistas. Hoje, também cometo meus sonetos.
Causou-me estranheza, então, quando ouvi, pela primeira vez, a frase “A emenda saiu pior que o soneto”. Como? Um soneto precisar de emenda? Mas o soneto não era – e ainda é – um poema escrito com perfeição? Após entender o significado da proposição e saber de sua origem – delineada a partir de fala de professor em sala de aula – me dei conta de que nos livros didáticos sobre literatura, em capítulos pautando estudos de poemas, os sonetos apresentados eram sempre perfeitos, uma vez que nessas obras só constavam poetas consagrados e de muitíssima qualificada escrita e os sonetos deles não precisavam de emendas, ou remendos, ou consertos.
Distante dos volumes de estudos literários (onde os sonetos permanecem perfeitos), no cotidiano de nossa vida mais prática, “A emenda saiu pior que o soneto” só se apresenta como metáfora para erros cometidos em referência a algo realizado em condição configurada como pior que o feito original. Pode servir, então, a sentença, para quase tudo, contanto que a feitura de algo se estabeleça como inferior à anterior.
Por exemplo: aos legisladores congressistas é permitido propor emendas à Constituição Federal. Naturalmente, o desejo óbvio de todos os cidadãos que não são pares deles é que as ações nas duas casas, almejando qualquer alteração planejada à Carta Magna, sejam plenamente adequadas ao bom e justo funcionamento da sociedade em toda a sua extensão, sem gerar privilégios para poucos e malefícios para a maior parte da população. Nem sempre é isso o que acontece.
Em meu modo de ver, muitas atuações sobre a Carta Magna no congresso, ao invés de ajustar o proposto nela ao adequado ordenamento social, visam ao benefício próprio e aos interesses de pessoas próximas, algumas vezes familiares, outras vezes amigas – ou ambas juntas. Aquela que foi comemorada, em 1988, como uma constituição cidadã está, há algum tempo, sendo transformada em “monstrengo”, em um “soneto mal escrito” que vai ficando pior a cada nova interferência sofrida.
O “monstrengo” vai adquirindo novas formas e nele, claro, quanto mais se mexe mais feio fica – e a população não é beneficiada (o feio não é para ela). Uma das mais recentes investidas dos “eleitos pelo povo” e, portanto, representantes dele, trata do benefício de não sofrer penalização por ser “ficha suja”. Na ordenação eleitoral, aquele político cometedor de crimes perde sua condição de “ficha limpa” e fica inelegível por oito anos. Pois bem: congressistas, portanto políticos eleitos com votos de cidadãos eleitores, estão entendendo de “emendar”, “remendar”, “cerzir”, “costurar” a Lei Complementar nº 135 que, por sua vez, alterou a Lei Complementar nº 64. O texto aprovado agora na CCJ do senado propõe que seja reduzido o tempo de inelegibilidade de políticos condenados criminalmente.
Não é literatura – nem poema nem ficção –, é a vida real. Deputados e senadores eleitos com nossos votos no intuito de nos representarem para atenderem por intermediação às nossas necessidades como cidadãos e como população estão legislando em causa própria. Isso porque inventaram, em benefício próprio, que uma vez “eleitos legitimamente pelo ‘povo’”, podem fazer “o que lhes der na telha”, inclusive esquecer quem os elegeu para pensar em si mesmos.
E nos municípios? O que têm feito prefeitos e vereadores?
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