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Textão sobre dois tempos
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Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira. É autor dos livros

Textão sobre dois tempos

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Tipo Crônica

Na minha infância e na minha adolescência convivi muito com livros didáticos e não didáticos – de literatura (histórias infantis como fábulas, contos de fadas, contos maravilhosos, poemas infantis; romances, crônicas, contos, poemas...), de ciências, de História.

Também fui me desenvolvendo na companhia de revistas (em quadrinhos, esportivas, culturais) e de enciclopédias ("Delta Larrousse", "O mundo da criança"), todo esse material contribuindo para o desenvolvimento de meu hábito em leituras.

Minha mãe, professora, nos orientava, a mim e a meus irmãos sobre os fatos existentes em cada leitura que fazíamos, não poucas vezes nos exigindo a releitura de algum texto não compreendido adequadamente. Compreender pode estabelecer tempo não imediato.

Minha mãe nos interrogava sobre os temas existentes nos textos lidos. Educava-nos, então, para a reflexão, para a não aceitação rápida e passiva da primeira ideia que nos ocorresse. Sem dizer com palavras explícitas, ela nos orientava para não aceitarmos os acontecimentos da vida de maneira inerte.

Nesse caminho para o conhecimento de mundo via leitura, meu pai também deu profunda colaboração, ao nos fazer ver, diariamente, suas leituras em jornal. Pelo que me consta, lia sobre esportes – principalmente sobre o futebol local –, política, querendo saber o que acontecia no país (leitura calada, ruminada em silêncio, pois até o início de minha juventude perdurava a ditadura militar no Brasil) e economia (talvez tentando entender se seu salário de empregado em serraria lhe permitiria algo além das necessidades básicas cotidianas).

Em minha casa, portanto, mãe e pai educavam os filhos para saberem lidar com a vida, quando chegasse o momento de cada um assumir as responsabilidades próprias, indo, certamente, além do que eles puderam ir. Claro que estou fazendo um recorte dos ensinamentos caseiros; muito mais nos concederam.

Resgato a minha formação primeira e a de meus irmãos para chegar ao seguinte ponto: nesses tempos contemporâneos, de mídias e redes sociais digitais, a velocidade imperando em tudo e alcançando a todos, a leitura crítica está perdendo seu espaço para o consumo imediato de superficialidades.

Esse texto, por exemplo, escrito ao tempo de duas horas, estabelecido o trâmite do ir e vir compreensivo do que se escreve para saber se palavras e ideias reinam ajustadas e revisado algumas vezes chegará a quem, despertará a reflexão de quem? Me arrisco a dizer que talvez (sim, não posso afirmar categoricamente) seja lido na íntegra somente por quem tenha se formado, tal qual eu fui, nos tempos de ontem, tempo em que importava saber das coisas criticamente, reflexivamente.

Tudo que vejo me leva a crer – esse texto é a minha visão, compreende? – que muitas pessoas (claro, não todas) nascidas em concomitância ao advento da Internet, mas, principalmente, as que nasceram e cresceram "respirando" redes sociais, com a conivência passiva e comprometedora dos pais, não conseguiram desenvolver habilidades leitoras necessárias ao conhecimento do mundo de forma crítica, sabendo julgar o que precisa de julgamento, sabendo separar "o joio do trigo", sabendo reconhecer o que importa e o que deve ser descartado, quem deve ser levado a sério até em suas contradições e quem deve ser lançado ao desprezo e ao esquecimento.

Sim, estou fazendo juízo de valor, tendo por base argumentativa um ponto de vista pautado no saber de que no cotidiano contemporâneo muitas pessoas estão se deixando seduzir por discursos superficiais apresentados na rapidez das redes sociais digitais, travestindo de "verdades" inúmeras mentiras, ilusões, falsidades.

Entendo que, nesse contexto atual, encontram espaço para se tornarem "personalidades" vários "influenciadores" e outros "espertalhões", alguns dos quais entraram no ambiente político sem preparo para as obrigações que esse lugar exige (honestidade, seriedade, republicanismo, humanismo) e hoje confundem populações que se acostumaram com a superficialidade que a velocidade imperante tem pedido delas.

Sim, o século XXI está oferecendo e cobrando das pessoas bem mais celeridade que aquela referida pelos modernistas de 1922 e o preço que as sociedades estão pagando para sobreviverem dentro desse espaço e tempo acelerado é incalculável.

Foto do Chico Araujo

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