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Canções que não foram feitas para mim...
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Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira

Canções que não foram feitas para mim...

Tipo Crônica

Relembro: minha inserção plena na música como compositor e intérprete foi em 1979, quando conheci Matteus Viana. Jovens, nos tornamos amigos, parceiros musicais, compadres. Tenho a feliz alegria em dizer que nossa amizade permanece e nossas parcerias musicais também ainda acontecem.

Minhas inclinações poéticas e musicais tiveram início dentro da casa dos meus pais, com influência de pai e mãe para a literatura e para a música. Como? Não faltaram livros (com fábulas; com contos maravilhosos; enciclopédias) aos filhos – nem jornais (meu pai, principalmente, era assíduo leitor dos diários) nem revistas (em quadrinhos; O Cruzeiro; Placar), tampouco discos, quando a professora e o industriário tiveram algum fôlego para investir em uma vitrolinha.

Após a vitrolinha, não sei exatamente se em 1969 ou 1970, os discos em vinil foram chegando. Meu pai ouvia os discos que comprava e ainda “arranhava” um pouco algumas melodias deles em um violão com estampa de coqueiros no tampo; minha mãe ouvia e cantarolava uma ou outra canção daqueles artistas que, desde então, foram conquistando os cômodos da casa antes quase sempre silenciosos (o silêncio só não era pleno quando havia a sonoridade musical a partir das estações de rádio preferidas por quem cuidava da casa, enquanto a professora professorava).

Pixinguinha, Dorival Caymmi, Assis Valente, Vicente Celestino, Noel Rosa, Ataulfo Alves, Zé Keti, Lupiscínio Rodrigues, recordo, foram os primeiros nomes a ressoarem suas vozes lar adentro, vindos a nós por meio do projeto intitulado História da Música Popular Brasileira, encampado pela Editora Abril Cultural no início dos anos 1970 – sem mulheres, nas primeiras publicações, pois naquela época as compositoras ainda não tinham espaço socioartístico.

Quase ao mesmo tempo, foram entrando na casa da minha pré-adolescência vozes ligadas à adolescência de minha irmã: Os incríveis, Renato e seus Blue Caps, The Golden Boys e o para sempre maravilhoso Tim Maia, além de uns estrangeiros que caíram no gosto dela. E, para a alegria anual de minha mãe, Roberto Carlos se fez presente naquele meio já musicalizado, chegando em forma de presente pelo carinho do marido. E foi com a tentativa de imitação do Rei que comecei a transitar pelas variações melódicas do canto orquestrado. Pois bem, naquele tempo, munido de um cabo de vassoura, eu tentava imitar o inimitável. E com ele, estou certo, comecei a gostar de cantar.

“Ana”, “Uma palavra amiga”, “Meu pequeno Cachoeiro”, “Pra você”, “Jesus Cristo” foram me povoando o espírito de tal maneira que findei me apaixonando, tal qual minha mãe se apaixonara, pelas canções cantadas por Roberto Carlos. As composições românticas, de cunho amoroso, por excelência, fui entendendo como se feitas para mim, naquele tempo de criança-adolescente se apaixonando por tudo sem nem saber o significado do apaixonar-se.

“Detalhes”, por exemplo, cantava como se a tivesse composto, como se as minudências apresentadas na letra fossem pertinentes a mim – eu, ainda sem idade para aquilo tudo dito ali. Certamente nada do que digo aqui é exclusividade minha, tamanha a presença de RC na vida da sociedade brasileira.

Enquanto eu crescia, a música ia me acompanhando de alguma maneira e nos seus mais variados estilos. A balada romântica, o “brega”, o rock, o pop-rock, o xote, o baião, o samba, o samba-jazz... Tal qual aconteceu com muita gente, esses estilos musicais foram me povoando o dia a dia, primeiro como ouvinte, depois como intérprete, em alguns deles também como compositor. Nesse percurso, são muitas as influências, são muitos os impactos, são muitas as predileções, são muitos os carinhos desenvolvidos por tantas composições maravilhosas feitas por brasileiros tão talentosos.

Hoje, dentro da maturidade, vasculhar o passado e encontrar nele as portas que se foram abrindo para mim sem que eu as percebesse é algo alentador, diante da condição de quem busca redefinir-se, ressignificar os passos e o sentido da própria existência. Estou seguro quanto ao processo desenvolvido silenciosa e firmemente para que eu chegasse a esse tempo de agora constituído da maneira como estou. Seguir em frente não é desafio; é o imperativo.

Foto do Chico Araujo

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