Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira
Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira
Volta e meia me lembro da Clarice Lispector. Escritora para ser conhecida e reconhecida a partir de seu legado e não ser esquecida jamais – não somente pela rica literatura com que presenteou as sociedades leitoras, mas muito mais por ter posto nela tantas questões importantes sobre a existência feminina em uma época na qual o silêncio às mulheres ainda era imposto pela sociedade machista.
Em romances e contos, a existência humana com foco na vivência feminina é um forte exemplo dos caminhos propostos por sua escrita. Pondo em evidência a mulher de sua época, Clarice se permitia uma viagem profunda pelo universo das personagens, todas em intenso conflito com elas mesmas, com seu estar no mundo. O mergulho vertical nas experiências de vida das personagens expõe as fraturas que as machucam, que as tornam instáveis, inseguras no transitar existencial. A literatura de Clarice Lispector é um universo de possibilidades a eclodir no interior de cada leitor.
Existir sempre foi tema presente em seus escritos e a experiência de vida é processo a se verificar no próprio desenrolar de sua arte como escritora. Nele, enquanto se desenvolve a escrita da história narrada, verifica-se novo “nascimento” e “crescimento” da autora. Penso que na extensão de uma obra literária, cada novo projeto concluído resulta não somente no crescimento da obra em si, mas no renascimento da mente criativa que o desenvolveu. Penso que a leitura de uma obra literária faz renascer diante do leitor quem a escreveu – um renascimento que amplia a ressonância daquela escritura, redimensionando e ressignificando, também, o leitor.
Clarice foi extraordinária em seus textos e ainda é e cada vez mais se amplia em suas ideias e interpretações da vida tão logo se realize um nova leitura de qualquer parte de sua obra, principalmente quando o leitor está atento às vicissitudes do que ela escreveu. Ao lado dela, ponho Lygia Fagundes Teles, outra mulher detentora de maestria na composição de sua obra literária e a quem dedico texto a ser publicado em breve.
Romances e contos clariceanos são fundamentais para quem queira transitar na literatura brasileira, seguindo o olhar e o pensar de viés feminino. Perto do coração selvagem (o primeiro e sempre festejado romance da ucraniana-brasileira), A paixão segundo G. H., Água viva e A Hora da Estrela são exemplos do romanceiro clariceano em que a autora vai construindo as personagens a partir da desconstrução delas baseada no mergulho a que são lançadas dentro de si mesmas e no entrechoque delas com a realidade social – a sociedade dominada pelo machismo e nela a mulher que luta para alcançar seu espaço, brigando consigo mesma, combatendo todos que a oprimem. Um combate não explícito, mas subjetivo, intimista.
Dos romances citados, o menos intenso no fluxo de consciência trabalhado pela escritora é o último. A personagem feminina Macabéa é uma mulher que, comparada a outras personagens da autora, se constitui simplesmente “comum”, sem grandes pretensões de descobertas, sem necessidade de compreender o mundo que a cerca. Macabéa apenas vive, apenas segue seu fluxo de existência sem maiores perspectivas ou desejos de novidades. Inspira e expira, meramente, acomodada em seu desamparo e miserabilismo.
Macabéa se configura como uma personagem feminina que não apresenta em sua existência qualquer proximidade com o feminismo, com os posicionamentos em favor da existência da mulher de maneira justa, mais agudamente compreendida como ser de vontade, de inteligência, com criticismo e verdade, sentimentos e desejos. Uma personagem “não personagem” clariceana.
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