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Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira
Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira
Minha experiência leitora nesse momento: "O silêncio e o olhar: personagens da minha infância", livro de crônicas do poeta, escritor, professor e amigo Hélder Pinheiro, um cidadão brasileiro ciente de suas obrigações para com a sociedade, a quem muito respeito e por quem tenho grande admiração.
Nesse seu livro, Hélder exercita sua memória, trazendo para o tempo presente pessoas com quem se avistou em algum tempo de sua puerilidade. O avô paterno, Pedro, analfabeto, mas poeta criador de repentes; a parteira que o recebeu, Nazaré Dorinha – sua mãe de umbigo; a portadora de deficiência física causada pela “boba” (poliomielite), Dona Dorinha; o homem do teatro de fantoches que não deixava nenhuma criança ter acesso aos bonecos, Joaquim Bonequeiro; a diretora do grupo escolar de Capistrano, uma das poucas moradoras da cidade que em 1970 possuía “televisão”, onde o escritor pôde assistir aos jogos da Copa do Mundo de Futebol, Dona Teresinha.
Em textos curtos, tessitura tradicional para as crônicas, Hélder vai legando para o leitor acesso a personagens de sua puerilidade que emanam de sua memória para novo patamar de existência. Com sensibilidade e sentimento amoroso, suas crônicas são leves, mesmo se o tema em foco não seja de muita alegria, como a abordagem referente a “Dona Isprito”, senhora de idade que ele conheceu quando já debilitada da saúde e que veio a falecer algum tempo depois de tê-la conhecido, fazendo-o guardar na memória sua imagem e sua delicadeza ao tocar-lhe as mãos.
O poeta e cronista Hélder Pinheiro tece seus textos com palavras que não nos dizem dores, mas que nos transmitem alegria e deslumbramento. Sobre sua avó paterna, Raquel Alves, diz de sua independência financeira, fato que, para a época (casou-se em 1913), denotava sua altivez. Esta característica se projetava de maneiras diferentes para as pessoas: algumas tinham sua atenção, sua predileção, outras nem tanto, ficando-lhe distantes. Essa avó é marcante na memória pelo apego ao trabalho, principalmente em momentos de grande dificuldade e precisão.
São muitas as personagens rememoradas pelo escritor Hélder Pinheiro em seu "O silêncio e o olhar: personagens da minha infância" e todas elas, em cada crônica desenvolvida, são tratadas com sensibilidade, carinho, respeito, amor. “Vovó Irene”, por exemplo, é recordada com o sabor da emoção sentida quando ela, bem idosa, fez-lhe uma “serenata”, tocando teclado unicamente para o neto no apartamento em que moravam.
Aspectos culturais e costumes naturalmente se fazem presentes nos escritos do cronista, uma vez que existimos reproduzindo e produzindo cultura e hábitos. No livro, a crônica “Pão moído II” põe em destaque “a lembrança do pão de milho”, uma outra maneira de se referir ao cuscuz. O despertar dessa lembrança foi causado a partir de uma visita feita a um cunhado de pessoa conhecida e sua vizinha na cidade de Campina Grande; quando chegaram à visitação, o visitado estava no roçado colhendo espigas de milho para fazer canjica – a utilização de milho zarolho acordou na memória o “fazer cuscuz” da infância.
Sua vivência como professor de literatura – Hélder, destaco, é professor de reconhecida excelência! –, se pode constatar ao se ler “Um verso sobre rosas”, em que relembra satisfeito pedido feito por amiga para que lhe informasse ‘um ou mais versos sobre rosas’, fato que o levou a “navegar” novamente por livros de poemas de autores de sua predileção – Vinicius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade entre eles, além da festejadíssima Cecília Meireles. A procura de poemas em benefício do atendimento à amiga foi período de profunda satisfação, uma espécie de despertar no espírito sensações extremamente positivas e felizes.
Já me alongo e concluo esse meu escrito referindo-me à crônica “O silêncio e o olhar” – que também dá título ao livro. Nessa crônica, Hélder evidencia momentos seus olhando e sendo olhado por sua mãe, D. Denise, quando ela, já bem idosa, foi deixando de falar. O filho, nos encontros com a mãe, então, experiencia o silêncio dela e o olhar que não conseguia traduzir: “... segura nossa mão com força e nos olha de um modo que daria tudo pra decifrar, um pouquinho que fosse. Contento-me em fitar seus olhos, tentar ouvir e dizer algo que nem mesmo sei. Um ficar ali olhando e sendo olhado”. É um texto de altíssima sensibilidade, a experiência do amor tonificado no encontro do olhar de mãe e filho. Duas histórias de vida amalgamadas no silêncio inevitável. Concluo, copiando a frase final da crônica:
“Agora é o silêncio e o olhar. E a nossa perplexidade.”
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