
Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira
Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira
Quem nasceu antes do advento dos CDs (1979), quem ouviu discos em eletrolas e radiolas, quem saiu de casa algumas vezes para comprar discos em lojas especializadas em vendas deles até o final dos anos 1970, também toda aquela pessoa que tenha um disco de vinil em casa sabe que nele há músicas gravadas em dois lados, os chamados Lado A e Lado B.
Na forma de disco compacto (simples, com uma música em cada lado; duplo, com duas músicas em cada lado) ou de disco longo (com 12 músicas, seis em cada lado; com 8 músicas, quatro em cada lado), os vinis receberam gravações musicais de variados artistas, grupos musicais, orquestras dos mais diversos estilos em todo lugar do mundo.
Embora escute músicas estrangeiras desde a infância (por influência de minha irmã nascida primeiro), sempre dei preferência às composições nacionais e, entre elas, sempre me chamaram mais a atenção as canções. As variações melódicas, as letras cantadas, as maneiras como cada cantor ou cantora projeta sua voz para dar vida aos versos de cada estrofe, as formas como instrumentos específicos participam em todo o contexto harmonizado para chegar ao público e despertar nele encantamento sempre me interessaram e ainda me interessam muito.
No cancioneiro brasileiro, então, e nos dois lados dos vinis, sempre ouvi – e ainda escuto – músicas de muita qualidade. Independentemente do lado em que os artistas e as gravadoras colocavam as músicas para as quais supunham haveria maior sucesso (incluo aqui as chamadas “músicas de trabalho”), a população ouvinte, os fãs que tinham acesso aos discos sempre encontravam uma ou outra música, às vezes várias delas, em qualquer um dos lados, as quais consideravam como excelentes, tamanho o impacto delas no espírito deles, tamanho o apelo delas a aspectos subjetivos humanos.
Mas há sim o fato de que as gravadoras e os artistas debatiam entre si qual a música que chamaria maior atenção do público, qual a que deveria ser tocada preferencialmente nas rádios, nos programas de auditório, quando nos momentos de divulgação do trabalho. Enfim, simplificando, a pergunta orbitaria sobre qual a música “de maior apelo comercial”, aquela que poderia ser “vendida” ampla e rapidamente. Sim, se por acaso chegasse a uma gravadora um projeto musical avaliado como sem possibilidade comercial ele não seguia adiante. Todo projeto deveria ter músicas “de fácil consumo”, portanto, músicas que caíssem no gosto popular rapidamente. Sem isso nenhum projeto seguia adiante.
Gostar de uma música ou não é algo muito subjetivo, principalmente quando se considera a possibilidade de ela ser apreciada por pessoas distintas entre si e distantes do entendimento técnico sobre harmonia, melodia, arranjos, fatores que a compõem. Tais ouvintes não se interessam em saber por que tal música foi posta no Lado A, enquanto outra foi para o Lado B. Em verdade, como leigas, são apenas pessoas que gostam ou não gostam de uma ou outra música, de um ou outro estilo de música, de um ou outro artista meio que por intuição, por suas subjetividades e até por entender que uma ou outra “tem algo a ver com a sua vida”.
Os críticos, porém, especializados que são pelos estudos que fazem sobre a música e seu universo, apreciam ou não apreciam uma ou outra, considerando os “pilares” de sua construção. Ao ouvirem uma composição musical, certamente avaliam a qualidade melódica, o ajustamento harmônico, a adequação dos arranjos, o desempenho dos músicos em cada instrumento tocado, a possibilidade vocal e a interpretação de quem canta (quando há a canção). Tendo ouvidos “treinados” e conhecimentos mais profundos, avaliam as composições por critérios desconhecidos pela população em geral.
Os críticos, então, podem ter – e costumam ter – opiniões bem diversas daquelas apresentadas por populações ouvintes comuns quanto a uma obra musical. Não será difícil, portanto, ler ou ouvir um ou outro ou vários analistas afirmando que em um dado disco em vinil as melhores músicas não estão no Lado A (o de apelo mais comercial), mas no Lado B (o de apelo menos comercial e, por isso, mais experimental, mais intimista até do artista em foco).
Nesse primeiro quarto já vivido do século XXI, quando os CDs musicais perdem a cada novo dia mais espaço para as plataformas de streaming, as gravações em vinil dão sinais de terem voltado, pois há, sim, diversos artistas gravando suas músicas nesse formato midiático, mesmo que o produto venha com “recheios” digitais. Volta, portanto, ao discurso de muitas pessoas, as expressões “está no Lado A”, ou “está no Lado B”, fazendo referência a músicas gravadas em vinil.
Tem mais: quando você ler ou ouvir um intérprete dizendo que fará um show apresentando músicas do “Lado B” de um artista, saiba que ele está declarando constar no seu repertório do espetáculo escolhas de músicas “não comerciais”, antes uma seleção musical de cunho mais intimista e mais experimental, ou seja, músicas que, possivelmente, lhe tocarão mais profundamente a alma, suas subjetividades.
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