
Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira
Chico Araujo é cearense, licenciado em Letras, professor de Língua Portuguesa e de Literatura brasileira
Foi o austríaco Freud quem cunhou o termo “objeto de desejo” e essa expressão pego agora por empréstimo à psicanálise que ele desenvolveu. Só um ponto de início, uma busca de contexto pertinente.
O psiquiatra desenvolveu tese em que propôs ter o ser humano desejos que vão além de suas necessidades fisiológicas e que agem nele de maneira subjetiva, imperativa e complexa, o que chamou de pulsões. Ele estabeleceu que os sonhos são mecanismos que nos possibilitam compreender nossa existência e os relacionou aos desejos que temos. Decifrá-los, porém, viiiixe!, um ser comum não consegue e prossegue no cotidiano ratificando a máxima de não se ligar “lé com cré”.
As fantasias que elaboramos e os desejos escondidos que carregamos pela vida são, de acordo com o pensamento freudiano, expressões potentes dos instintos mais primitivos guardados em nosso ser. A pulsão sexual e a pulsão da violência estão entre esses desejos escondidos e existem em todo ser humano, ou seja, todos, dentre outros estímulos, temos também em nós disposições intrínsecas a experiências sexuais “não ortodoxas” e abalos para atos violentos.
Como ser humano vivendo em sociedade, me é claro que cabe a nós todos exercermos sobre as pulsões o controle necessário para não nos subjugarmos a elas. Na ausência de nosso autocontrole, as sociedades civilizadas desenvolvem de tempos em tempos regras que nos são impostas exatamente para existir e funcionar dignamente a boa convivência entre todos. No entanto, as regras expressas em leis nos impõem limites aos desejos e isso não ocorre sem sofrimento. É certo que estes, muitas vezes, ficam inquietos dentro de nosso inconsciente e, por natureza, havendo frestas, “tentam” abrir algum espaço para acontecer. Se conseguem – Eita! – as consequências são inevitáveis, sejam como forem.
Por óbvio, sei que o leitor entende ser o discorrido aqui nesse curto texto apenas uma referência elementar a questões psicanalíticas, apenas uma busca de criar um contexto possível para dizer o quão perigoso é aceitar como normal na sociedade a liberação sem freios, a qualquer custo, dos desejos de alguém. Em sociedade, vale sempre relembrar a máxima: “A liberdade de um termina no limite da liberdade do outro”. Assim, é legítimo existirem mecanismos (regras, leis) possíveis de nos fazerem manter sob controle os instintos primitivos; senão, o que veremos vicejado é barbárie, não civilização.
Por princípio, a vida em sociedade exige dos seres sociais respeito entre si. Ora, se alguém resolve ignorar as regras que permitem a boa convivência entre todos, dando vazão a seus desejos mais íntimos, pondo-os acima das regulações forjadas para a cidadania, esse alguém estará lançando violência no meio de todos, uma vez que o seu desejo expresso poderá afrontar a existência alheia. Consegue imaginar se várias pessoas se organizam em grupo e juntas entendem que lhes cabe não respeitar as regras que regulam politicamente a existência social? Em situações assim, o anarquismo viça, “sem a graça de Deus”.
Lacan, em diálogo com os estudos de Freud, asseverou que o desejo é relativo a algo que falta, que torna o ser incompleto. O que faz alguém ir à busca de alcançar o que lhe está faltando é exatamente o desejo, manifesto em intensa vontade de possuir o "objeto" da busca, podendo ser algo real ou imaginado. Pode ser algo descomplicado, como adquirir um livro que se quer muito ler, ou complicadíssimo, como querer governar um país, privilegiando vontade pessoal. No primeiro caso, o objeto de desejo é algo simples de ser alcançado e, mesmo assim, o leitor que o deseja precisa consegui-lo por meios legais.
Também por meios legais deve chegar ao poder um pretenso governante de um país. Aqui no Brasil essa chegada é por meio do voto universal da população votante, selecionando um entre dois postulantes ao mandato de presidente. Quem perde, deve refrear seu desejo de se sentar na cadeira presidencial por quatro anos e, dignamente, após esse período, disputar novamente um pleito, caso ainda alimente tal cobiça.
A atitude de refrear com dignidade o ímpeto de se insistir em querer ser presidente após a perda da disputa é algo inteligente, alvissareiro, civilizado. O desrespeito à vitória do opositor, o incentivo diário a atitudes hostis de boa parte da população nacional – também da internacional – ao eleito revela presunção, descontrole de si, desrespeito às normas civilizatórias vigentes. Isso é estímulo à barbárie, além de revelar um opressor desejoso de impor suas pífias vontades de tornar oprimido todo um povo.
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