Jeri: o que dizem PGE, comunidade e empresária, após suspensão do acordo sobre as terras da vila
Jornalista formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Desde 1991, atua nas redações dos principais jornais cearenses. Trabalha no O POVO desde 1995. Passou pelas editorias Cidades (como repórter e editor), Ciência & Saúde (repórter), editor de Primeira Página, Núcleos de repórteres especiais e de Jornalismo Investigativo e Núcleo Datadoc, de jornalismo de dados. Hoje, é repórter especial de Cidades. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, incluindo nacionais e internacionais
Jeri: o que dizem PGE, comunidade e empresária, após suspensão do acordo sobre as terras da vila
Leia a íntegra das notas emitidas pela Procuradoria Geral do Estado, Conselho Comunitário de Jericoacoara e a empresária Iracema Correia São Tiago.
A Procuradoria Geral do Estado informou que a decisão de suspender, por tempo indeterminado, o acordo com a empresária Iracema Correia São Tiago, confirmada ao O POVO nesta sexta-feira, 1º, é para "garantir a segurança jurídica com relação ao andamento e conclusão do acordo extrajudicial com a proprietária do imóvel". A empresária disse, por meio de nota, que "tudo o que for feito para esclarecer os fatos ratificará seus direitos e dará mais segurança e transparência ao processo, independente do prazo para a finalização do acordo". A presidente do Conselho Comunitário de Jericoacoara, Lucimar Marques, cobra a transparência e afirma que "o acordo foi realizado de forma silenciosa, sem o conhecimento de órgãos e entidades interessadas no processo e dos principais afetados, as pessoas que vivem na região".
Veja o que dizem as partes do caso sobre a vila de Jeri:
Íntegra da nota da PGE:
A Procuradoria-Geral do Estado do Ceará (PGE-CE) informa que, considerando as questões trazidas pela comunidade da Vila de Jericoacoara sobre a cadeia dominial do imóvel, realizará uma série de diligências a fim de ouvir outros órgãos e aprofundar a análise de todos os pontos colocados. O objetivo da Procuradoria é garantir a segurança jurídica com relação ao andamento e conclusão do acordo extrajudicial com a proprietária do imóvel. Diante disso, o processo está suspenso por tempo indeterminado até que sejam cumpridas todas as diligências e que todos os órgãos se manifestem sobre a matéria, não restando dúvidas quanto ao legítimo domínio.
A PGE-CE informa que notificou o Incra, para que, com apoio do Idace, realize perícia cartorária acerca do registro do imóvel visando atestar sua dominialidade.
Foi notificada também a Superintendência do Patrimônio da União no Ceará (SPU) para se manifestar sobre a matéria, considerando o teor do documento já expedido pelo órgão.
Outra notificação da PGE-CE foi feita ao ICMBio, para manifestação sobre o disposto no Parecer Técnico do Imóvel emitido pela entidade atestando, expressamente, se corrobora ou não com as conclusões antes expostas.
Ainda serão oficiados o Ministério Público Estadual (MP-CE) e o Ministério Público Federal (MPF), a fim que se manifestem sobre a matéria. O objetivo da PGE-CE, reitera-se, é examinar cada trâmite para que seja assegurada juridicamente cada termo do acordo a fim de resguardar as pessoas e construções que estão atualmente na Vila de Jericoacoara e nela permanecerão.
O que diz a empresária sobre a suspensão do acordo:
"A Sra. Iracema Correia São Tiago informa que está tranquila em relação a decisão da PGE de manter suspenso o acordo para novas verificações junto aos órgãos competentes, que já se manifestaram antes favoravelmente ao seu direito. Entende que tudo o que for feito para esclarecer os fatos ratificará seus direitos e dará mais segurança e transparência ao processo, independente do prazo para a finalização do acordo. Iracema salienta mais uma vez, que o acordo garante a manutenção de todos aqueles que já habitam e ocupam a Vila regularmente".
O posicionamento do Conselho Comunitário de Jericoacoara sobre o acordo:
Jericoacoara: Comunidade reivindica transparência em processo de propriedade e acordo é suspenso pela PGE
Em meio a uma crescente mobilização comunitária e questionamentos sobre a legitimidade de documentos apresentados pela família da empresária Iracema Correia São Tiago, a Procuradoria-Geral do Estado do Ceará (PGE-CE) suspendeu o acordo extrajudicial firmado com Iracema, que reivindica a posse de 80% da vila de Jericoacoara. O despacho emitido no último dia 30/10 pela Procuradoria do Patrimônio e Meio Ambiente (Propama) levanta dúvidas sobre a autenticidade das matrículas de terra que serviram de base para a reivindicação de posse pela empresária.
A decisão ocorreu após reunião, realizada no dia 14 de outubro, entre a Procuradoria, representantes do Conselho Comunitário da Vila de Jericoacoara e do Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace). Na ocasião, foram apresentados novos elementos jurídicos e técnicos, sobre a matrícula na qual se fundamenta o acordo extrajudicial em questão, que sugerem a alteração dos documentos desde 1983, o que resultou em uma inexplicável expansão das áreas reivindicadas, passando de 441,04 hectares para 924,49 hectares.
A presidente do Conselho Comunitário, Lucimar Marques, explica que o acordo foi realizado de forma silenciosa, sem o conhecimento de órgãos e entidades interessadas no processo e dos principais afetados, as pessoas que vivem na região, e que devem ter voz ativa no processo, de acordo com a Constituição Federal. Ainda de acordo com Lucimar, a comunidade só descobriu sobre o acordo quando tentou regularizar junto ao Idace, um terreno para ser utilizado como uma horta viva para os moradores da praia, mas a área está entre os terrenos reivindicados pela empresária. O Conselho defende uma apuração completa e transparente, com mapeamento das terras pelos órgãos competentes e em conformidade com a Constituição.
“O Conselho foi peça fundamental para questionar as informações inconsistentes e assegurar que um processo mais transparente e participativo fosse instaurado. Nosso objetivo é garantir transparência e a retificação de qualquer irregularidade, sabe-se que as terras da família ficam no Córrego da Forquilha. Importante ressaltar que a comunidade de Jericoacoara possui uma história e uma relação estabelecida com o território, e o Conselho reitera seu compromisso em preservar esses laços e proteger os interesses legítimos dos moradores”, afirma Lucimar.
A moradora da vila também questiona atitudes da família. “Os terrenos que a família alega serem desocupados são áreas verdes e de preservação protegidas de construção. Não vamos entregar nossas terras para alguém que nunca esteve aqui. Onde ela estava esses anos todos? Por que não apareceram durante a regularização fundiária realizada pelo Idace?”.
Em 1995, o Idace começou o processo de regularização fundiária das áreas ocupadas em Jericoacoara, cadastrando moradores e transferindo os títulos de propriedade das terras, finalizando o processo em 2022, com a entrega dos títulos. Para isso, o Estado arrecadou 88 hectares da Vila que, à época, não apresentavam matrículas ou proprietários nos registros públicos.
Para proteger o direito de propriedade dos moradores de Jericoacoara, que possuem documentos legais comprovando a posse de suas terras, a comunidade se organizou e já realizou manifestações na praia para dar visibilidade ao caso, visto que Jericoacoara é um dos destinos mais procurados do mundo, com grande valor imobiliário e turístico.
Marcelo Laurino, morador e ex-presidente do Conselho Empresarial da Vila, destacou a relevância do engajamento local. "O processo só veio à tona graças à mobilização dos moradores e do Conselho Comunitário. Sem esse envolvimento, corremos o risco de ver um acordo sendo fechado sem participação da comunidade e com inúmeras inconsistências. É fundamental que haja uma análise transparente e criteriosa para que a decisão final seja embasada na legalidade e nos direitos constitucionais dos moradores".
Tendo em vista o interesse público e as especificidades legais que envolvem áreas de preservação ambiental e patrimônio da União, como é o caso de Jericoacoara, o Conselho Comunitário da Vila defende uma análise mais profunda sobre os direitos de posse do terreno, para prevenir possíveis irregularidades e garantir que os recursos naturais e os interesses sociais sejam protegidos. O advogado Daniel Campêlo da Penha reforçou a necessidade de uma investigação rigorosa: "Há elementos suficientes que indicam inconsistências nas matrículas apresentadas. Procedimentos administrativos devem ser respeitados. Tal desrespeito fez com que a PGE, ao reapreciar o caso, entendesse a relevância da situação e determinasse a suspensão do acordo. De forma acertada, a PGE oficiou a SPU, Idace, Ministério Público, ICMBio, Incra e o Conselho Comunitário de Jericoacoara para promoção conjunta da análise dos documentos apresentados pela Sra. Iracema", afirma o advogado.
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