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Castelão é o oratório de Roselane, onde ela exorciza adversários
Foto de Cláudio Ribeiro
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Jornalista formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Desde 1991, atua nas redações dos principais jornais cearenses. Trabalha no O POVO desde 1995. Passou pelas editorias Cidades (como repórter e editor), Ciência & Saúde (repórter), editor de Primeira Página, Núcleos de repórteres especiais e de Jornalismo Investigativo e Núcleo Datadoc, de jornalismo de dados. Hoje, é repórter especial de Cidades. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, incluindo nacionais e internacionais

Castelão é o oratório de Roselane, onde ela exorciza adversários

Roselane torce como devoção pelo Fortaleza Esporte Clube. Passa a partida inteira em preces e gestos contidos, em vez de gritaria e xingamentos. Agarra-se a um terço com as cores do time, pede proteção aos seus e fraqueza ao oponente
ROSELANE Rodrigues e seu terço vermelho e azul: enquanto vibram e xingam, ela reza (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal ROSELANE Rodrigues e seu terço vermelho e azul: enquanto vibram e xingam, ela reza

Enquanto a bola rola, Roselane reza. Entre tantas coisas anormais que acontecem dentro de uma arena lotada, ela entra num transe de fé, devoção aos santos e ao futebol. Pareceria dissonante, naquele ambiente cheio de palavrões e gritaria desmedida, mas sua aparente calma está na mesma taquicardia. É uma prece, introspectiva, porém inquieta. Angústia silenciosa, onde roga toda proteção ao time por 90 minutos e acréscimos. Ou sempre que for preciso, amém!

É uma torcedora fervorosa do Fortaleza Esporte Clube. Uns torcem, ela é devotada. Faz do estádio o seu oratório.

A multidão salta e balança as colunas de concreto do estádio, ao mesmo tempo em que Roselane evoca até oração exorcista durante as partidas. Para blindar o clube, resguardar quem vai entrar em campo, inspirar o treinador. E, principalmente, fraquejar os adversários.

“Que a Cruz Sagrada seja a Luz do Fortaleza.
Não seja o dragão teu guia.
Retira-te, satanás!
Nunca aconselhes ao Fortaleza coisas vãs!
É o mal que tu ofereces para o Fortaleza.
Bebe tu mesmo do teu veneno!”

Nos trechos originais, o “Exorcismo de São Bento” é declamado na primeira pessoa. No seu mote tricolor, Roselane substitui os dizeres da reza: “minha luz” vira “a Luz do Fortaleza”; o mal que “ofereces para mim” passa a ser citado como o mal “para o Fortaleza”. Oração criada pelo monge canonizado, que viveu no interior da Itália entre os anos 480 e 547 d.C..

Outro destaque dessa história é seu terço. A peça está com ela em todas as partidas. Tem as contas com as mesmas cores do clube. A medalhinha ao centro, que une as contas e o crucifixo, traz uma imagem de Jesus das Santas Chagas trajado num manto vermelho e azul. Coincidência é para quem não acredita. “Quando o Fortaleza está passando por aflições, dificuldades, eu rezo a oração de São Bento. Tem ajudado”, exalta.

É um ritual que Roselane pratica desde 2010, quando ganhou o terço de uma amiga. Aquele foi o início de um período cruel para os tricolores, o primeiro dos oito anos do time no calvário da Série C. “Chorei muito, mas nunca perdi a fé que poderíamos voltar para Série B. Fomos campeões brasileiros, jogamos uma final de Sulamericana e agora, pela terceira vez, estamos de volta à Libertadores”.

Eu a vi pela primeira vez no início deste ano, não lembro qual o jogo do Campeonato Cearense. Estava umas cinco fileiras acima. Fiz uma foto do terço enrolado em sua tatuagem no antebraço direito. Talvez não seja a única, mas destacava-se no meio daquela muvuca. 

Quem fica próximo a Roselane, sempre no setor Bossa Nova do estádio, percebe o debulhado e sua mudez agitada. Está na sua sequência de pais-nossos, ave-marias, o “Exorcismo de São Bento” e outras preces que busque para o desconforto do ataque adversário, a bola perdida ou uma injustiça do apito. E a multidão canta, xinga, respinga saliva, lança o copo da mão para o alto - com água, cerveja ou o que mais possa ser.

Roselane Rodrigues da Silva tem 51 anos. Nasceu no mesmo ano da inauguração do Castelão, “dia 11 de outubro de 1973. Quase foi no dia 18, aniversário do Leão”. Por muito tempo, vendeu cartela de bingo de TV. Foi trabalhar como auxiliar de secretaria escolar, buscou a formação em pedagogia e descobriu a paixão pelo magistério. Desde 2013 é educadora infantil numa escola pública municipal no Mucuripe.

FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 13-11-2024: Roselane Rodrigues, torcedora do Fortaleza, professora, que reza até orações de exorcismo durante os jogos do Fortalezaa. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 13-11-2024: Roselane Rodrigues, torcedora do Fortaleza, professora, que reza até orações de exorcismo durante os jogos do Fortalezaa. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)

É o bairro das suas origens, onde aprendeu com o pai, Moacir Rodrigues, a gostar do Leão. Ele morreu em 1997, tinha 54 anos, “não viu o Fortaleza subir para a Primeira Divisão”. A camisa que ela usou no dia da entrevista era dele. A voz embargou ao falar de quem foi seu referencial de torcedor. Com ela e os quatro irmãos, só uma não vai ao estádio.

Desde 2000, Roselane frequenta o Castelão assiduamente. Viu aquele gol de Cassiano em 2015, aos 47 do 2º tempo em 2015. Já rezava naquele 4 a 4 contra o Guarany de Sobral, em 2010, que levou o Leão para a final e depois ao título estadual. Vem de muito antes do auge atual. Tem visto o crescimento e o ineditismo nacional e internacional de seu time. “Quem sabe não vamos ser campeões da Série A?”, projeta.

Há cerca de um ano mora no condomínio de frente para o Castelão. Respira futebol até na sala de seu apartamento, do mesmo vento que areja o “Gigante da Boa Vista”. Roselane roga pelos tricolores todos. É sua doutrina de torcedora fiel.

FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 13-11-2024: Roselane Rodrigues, torcedora do Fortaleza, professora, que reza até orações de exorcismo durante os jogos do Fortalezaa. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 13-11-2024: Roselane Rodrigues, torcedora do Fortaleza, professora, que reza até orações de exorcismo durante os jogos do Fortalezaa. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)

Destino: o marido, Luzimário, é torcedor alvinegro. “Mas sempre fomos de boa, cada um para seu time. Não tem desavença, não tem piada”. É combinado entre eles: nenhum estende bandeira do time em casa. “Ele já veio uma vez comigo para a torcida do Fortaleza. Ficou calado. Eu nunca fui, nunca vou. Não me imagino”. O casal não tem filho, mas Roselane tem certeza que a criança seria tricolor.

Foto do Cláudio Ribeiro

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