
Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis
Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis
.
Clique no play (►) para a ouvir a crônica
.
- Perainda rapaz...o que diabos você está fazendo?
- Está quase lá...é só dosar um pouquinho que dá certo...
- Vai logo de uma vez, peloamordedeus...
- Calma que vai dar certo... Ela merece.
Foram as últimas palavras que trocamos antes que o segurança da loja surgisse no final do corredor. Foi com um misto de incredulidade e pavor que o vi se dirigindo até nós. Seus passos resolutos ecoaram e, qual um guardião do templo, nos pegou, Fagundes e eu, no flagra de uma profanação. Senti-me um lambari ante seu olhar duro e fixo como o de uma águia. Por sua expressão, éramos como adoradores de algum deus pervertido, amantes de cabras colhidos tirando fotos de um rebanho ou algo assim. A notícia do sacrilégio nos foi dada de maneira seca e direta, e a condução à gerência feita sem preocupação com nossa exposição ao público.
Fagundes, com suas cinco décadas e poucos anos bem vividos, filhos criados, bem-sucedido profissionalmente, sem relacionamento sério e solitário acabou conhecendo Brigite, novinha, carinhosa, de família simples, encantadora e com energia para dar e vender, por essas coisas que só o destino explica. Logo se apaixonaram. Dali para viverem juntos foi um pulo. Família estranhou no começo. “Ele nunca gostou desse tipo”, diziam. “É coisa da idade”, explicavam. “Isso não vai durar nada. Daqui a pouco ela o deixa”, agouravam.
Algumas adaptações foram necessárias no pequeno apartamento dele, mas nada demais e o tempo foi passando. Rotinas acertadas, companhia constante e uma cumplicidade sincera foi solidificando as bases do relacionamento, e os laços se desenvolveram com firmeza e tranquilidade.
Davam-se tão bem que ele até largou alguns hábitos antigos, preferindo deixar os amigos aposentados nos bares para chegar em casa cedo. “Ela não gosta de ficar sozinha”, justificava. As pessoas comentavam aquela nova fase daquele sujeito que depois da viuvez tinha se trancado ainda mais em seu próprio mundo e, agora, parecia reviver sentimentos até então enclausurados. “Ele está até mais saudável. Parece que ficou mais novo”, diziam.
Alguns anos se passaram, com Fagundes e Brigite vivendo sua vida a dois sem maiores percalços. No entanto, com a idade, ela acabou relaxando um pouco e engordando. “Para mim ela continua a mesma gatinha de sempre”, assegurava. Não viam qualquer problema estético com relação a isso, mas a questão era de saúde mesmo. Seus joelhos começaram a sentir os excessos, e suas taxas de colesterol anunciavam a necessidade de uma dieta.
Foi nessa fase que o reencontrei em frente a uma loja. Conversamos amenidades como sempre fazem os colegas de faculdade e, olhando para os lados como quem compartilha um segredo, me falou:
- Rapaz, vou ali fazer uma coisa. Quer ir comigo? Você pode até me ajudar. É bem rapidinho.
Eu estava com a manhã livre e aceitei o convite, sem sequer desconfiar que me meteria em um episódio constrangedor como aquele. Entramos na loja e ele me conduziu até a um setor bem ao final dos corredores à direita, demonstrando que já tinha estado ali e estudado o ambiente. Olhou seguidamente para os lados, assegurando-se que estávamos sós.
- Agora faz paredinha aí - orientou-me.
- Fazer o que?
- Paredinha...uma barreira...fica aí me dando cobertura, disse em sussurro. É rapidinho, ó, disse, ao tempo em que sacava do bolso da bermuda um saquinho com ração e balançava à altura do meu nariz.
- O que diabos é isso? perguntei, fazendo a paredinha solicitada.
- Rapaz, o veterinário disse que tenho que dar só exatas 60 gramas de ração na dieta da Brigite. E eu não vou comprar uma balança só pra isso. É só saber a quantidade certo e pronto, explicou enquanto batia o indicador no saquinho de ração em uma das balanças de precisão da loja, dosando a quantidade como quem pesa ouro e o amor por aquela gatinha pé dura o que esperava em casa.
Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.