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No ringue da influência
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Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis

No ringue da influência

No último sábado, foi anunciada uma grande luta patrocinada por uma marca de cerveja que entra no mercado. Era a despedida de um ex-campeão de MMA em luta de boxe com seu antigo arquirrival
Tipo Crônica
Whindersson Nunes, um dos maiores influenciadores digitais do Brasil (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Whindersson Nunes, um dos maiores influenciadores digitais do Brasil

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Num cenário onde as telas digitais ditam tendências e moldam carreiras, surge uma nova moda que mistura a exibição de habilidades e a sede de popularidade: influenciadores digitais se enfrentando em lutas de boxe amador. É uma curiosa interseção entre o mundo virtual e a realidade física, onde likes e seguidores são convertidos em socos e esquivas.

Antigamente, boxeadores suavam em ginásios abafados, treinando para conquistar cinturões dourados e a glória esportiva. Hoje, a arena se expande para além dos ginásios: é no YouTube, no Instagram, no TikTok que novos pugilistas buscam seu espaço. Eles não querem só a vitória; almejam os holofotes, o burburinho, os cliques frenéticos dos espectadores ávidos por entretenimento.

Cada luta é um espetáculo cuidadosamente coreografado. As preparações são documentadas meticulosamente em stories e vlogs, transformando o treino em um reality show onde seguidores acompanham a dieta, o treino, as dores e os desafios diários. Há algo de cômico e trágico nesse teatro: antigos rivais do teclado agora se enfrentam cara a cara, com luvas e protetores bucais, abandonando os comentários sarcásticos em troca de jabs e cruzados.

A tendência levanta uma questão intrigante: por que assistir a influenciadores se esmurrando atrai tanto interesse? Talvez seja a curiosidade de ver figuras digitais em um contexto visceralmente humano. Talvez seja a esperança de que, no ringue, a verdade de cada um se revele. Ou, quem sabe, seja apenas o apelo do espetáculo, do drama ao vivo, onde cada soco conta uma história e cada nocaute vira um trending topic.

Além disso, boxeadores há muito aposentados também ensaiam retorno, combinados com figuras públicas, bem como antigos campeões de outras modalidades que se aventuram na nobre arte.

No último sábado, foi anunciada uma grande luta patrocinada por uma marca de cerveja que entra no mercado. Era a despedida de um ex-campeão de MMA em luta de boxe com seu antigo arquirrival. A expectativa era, como sempre, de uma luta real e justa, com adversários confirmando a rivalidade acirrada mesmo que em míseros cinco rounds de diminutos dois minutos por um de descanso.

A plateia, composta de convidados com dress code estranhamente brega para a ocasião, continha-se em selfies e networking, ciente que estava sendo transmitido ao vivo pelas grandes redes de televisão.
A partir do momento em que o sino tocou, os contendores pareciam agir com uma lerdeza digna de um filme em câmera lenta, e ficou nítido o pacto silencioso selado: nada de machucar ou ser machucado.

O que vimos foram dois senhores de quase cinquenta anos fazendo um treino básico de luvas, com cada golpe sendo previamente anunciado com movimento de corpo e o opositor se fechando para, logo em seguida, contra-atacar com jabs que mais pareciam uma carícia. Os cruzados se igualavam a um cumprimento de bom dia. Os golpes nas linhas da cintura assemelhavam-se a meras massagens e os clinches aparentavam disfarçar conversas sobre artrite e reumatismo, confirmando que não estavam exagerando na força e que o espetáculo estava garantido.

O combate se arrastou, com os lutadores se movendo em um balé cuidadoso e gentil, praticamente fazendo uma pausa para o chá. Ao final, o resultado previsível do brasileiro ganhando a luta cedeu a um conveniente empate, onde todos se emocionaram, e a plateia aplaudiu de pé, rindo e se enternecendo com o espetáculo encantador que havia acabado de presenciar. Afinal, quem disse que para ser um campeão é preciso machucar ou ser machucado?

Essas lutas parecem ser uma metáfora dos nossos tempos. Vivemos numa era onde o espetáculo da vida privada é transformado em conteúdo. E no ringue da influência todos querem ser campeões, nem que seja por um breve momento de viralização. Realidade, conteúdo, verdade e sinceridade cedem facilmente às aparências de poder, fama ou à simples e eterna busca por validação.

Foto do Danilo Fontenelle

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