
Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis
Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis
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Dizem que quem gosta de escrever deve estar em constante autoverificação para não perder a mão. Tem muita gente que, quando fala sobre literatura, parece colocar a escrita em um altar, referindo-se a ela como “ó, a escrita”, enquanto assume um olhar meio morno, fingindo uma intelectualidade arrogante. Daí para se achar um novo Machado é um pulo.
No final de semana passado, estive em São Paulo. Fui participar de um curso de escrita afetuosa. Já conhecia a professora. Ela tem um livro sobre como se encontrar na escrita. Em tempos outros, a sala de aula fora o consultório do pai médico da professora, agora adaptado.
Éramos onze aspirantes. Dez mulheres e eu. Inicialmente, pensei que tivesse me equivocado de turma, mas foi mera coincidência a exclusividade feminina. As colegas eram jornalistas, especialistas em moda, empresárias e profissionais de diversas atividades que lidavam com comunicação escrita. Cada uma com sua bagagem, histórias e, claro, um pouco de receio. Porque, afinal, expor nossas palavras é expor nossas almas, e isso não é tarefa simples.
O curso de escrita não é apenas uma jornada técnica. Claro, aprendemos sobre estrutura narrativa, desenvolvimento de personagens e o famoso “show, don’t tell”. Mas, mais do que isso, é um mergulho no afeto e na empatia. Escrever é um ato de amor: amor pela linguagem, pelos personagens que criamos e, principalmente, pelos leitores que irão encontrar refúgio em nossas histórias. E, durante essas aulas, o que mais se aprende é a importância do olhar afetuoso sobre o que se escreve.
Nos exercícios de escrita, um dos mais reveladores é aquele em que devemos descrever um objeto simples – uma caneca, um par de óculos, um livro antigo – e, de repente, nos vemos desvendando universos inteiros. A caneca se transforma em uma herança de família, os óculos são a chave para um mundo de descobertas, e o livro antigo... ah, esse carrega segredos de gerações. Tudo depende da perspectiva e, claro, do afeto com que tocamos cada palavra.
No caso, o proposto foi escrever, em dez minutos, a partir de uma foto de tangerinas, que por lá chamam de mexerica. Escrevi assim: "Ela gostava mesmo era de falar dos outros. 'Não falo de ninguém', dizia, 'só faço constatações', justificava. Seu apelido era 'língua de trem', numa alusão à extensão das linhas ferroviárias. Foi assim a vida inteira. Sua rotina era ficar na janela vendo o tempo e as pessoas passarem. A partir daí, criava suas teorias. 'Dona Idália está toda pronta. Fez cabelo e unha. E está andando diferente. Certamente vai se encontrar com aquele caminhoneiro que semana sim, semana não, vem deixar a carga de leite das fazendas.' A língua de trem não poupava ninguém. Nem o padre novo escapava. 'Hum, batina nova… foi só correr a notícia que o Bispo vinha visitar a paróquia que já começou a se enfeitar.' Língua de trem era seu apelido. Até que chegou um paulista e mudou para 'mexerica', porque ela só fazia mexericos. E era gordinha e meio amarelada. Só não cheirava bem."
E então vêm os feedbacks. Aquele momento em que compartilhamos nossos textos e, com um pouco de sorte e muita coragem, ouvimos o que os outros têm a dizer. É aí que o curso brilha. Porque a crítica, quando feita com ternura, é um presente. Aprendemos que nossos erros não são falhas, mas sim oportunidades de crescimento. E, ao ouvir as palavras dos colegas, encontramos novos ângulos, novas formas de ver o mundo e, quem diria, de ver a nós mesmos.
Saímos um pouco mais ricos, não apenas em técnica, mas em humanidade. O curso de escrita afetuosa é um lembrete constante de que, afinal, não escrevemos para agradar, mas para nos encontrar – com os outros e conosco. E essa conexão é o que torna a escrita uma arte tão poderosa e, ao mesmo tempo, tão delicada.
Portanto, se você está hesitante sobre fazer um curso de escrita, eu digo: vá em frente. Não apenas para aprimorar sua técnica, mas para descobrir a beleza de escrever com o coração. Porque, no final das contas, escrever é um ato de coragem, mas também de afeto. E em cada palavra, há um pedaço de nós esperando para ser descoberto.
Na próxima crônica, falarei sobre o exercício sobre saudade. Foi bem difícil.
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