
Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis
Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis
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O que vou dizer aqui não tem nada a ver com política, candidatos ou partidos. Até porque isso sempre acontece, independentemente da cor da bandeira. É apenas uma dessas constatações que, de vez em quando, a gente faz ao observar a cidade. Pequenos detalhes que, com um pouco mais de bom senso, poderiam ser diferentes.
Estamos em época de eleição, e faltam quatro meses para o ano novo. Duas estações distintas no calendário, mas com algo em comum: a cidade fica mais bonita. De repente, as ruas ganham vida com uma nova camada de tinta, os canteiros são enfeitados com flores que nunca deram as caras em outras épocas, e até o bueiro esquecido ali na esquina recebe uma tampa nova e reluzente.
Quando a ocasião exige — seja a proximidade das eleições, a visita de autoridades ou uma grande festa —, a cidade ganha uma faxina caprichada. No fundo, é só aquela velha "guaribada", uma ajeitadinha no cenário. O poste torto da esquina finalmente é endireitado, os buracos na rua são tapados com uma camada apressada de asfalto, e os tapumes que escondem obras paradas ganham cores mais alegres.
Nas casas, a mesma lógica se repete na virada do ano. O muro já meio descascado ganha uma mão de cal, e a fachada renova seu ar, como quem diz: "Agora vai!". É o ritual da renovação, uma tentativa sincera de começar o novo ciclo com a sensação de que tudo está em ordem. E em poucos dias, o cheiro de tinta fresca se mistura às promessas de ano novo, ditas com uma taça de champanhe na mão.
No fim, há algo genuíno nesse esforço de criar ordem no meio do caos. É como se disséssemos: “Olha, talvez as coisas não estejam perfeitas, mas estamos tentando, tá?”. Como se o vento da esperança precisasse de uma leve arrumação para soprar com mais força.
Outro dia, eu passava pela avenida Padre Antônio Tomás, perto da Praça das Flores, por volta de uma da tarde. Sol a pino, trânsito carregado, e o habitual vai e vem de pessoas apressadas. O que me chamou a atenção, no entanto, foi algo fora do comum: um grupo de garis varrendo o canteiro central.
Cerca de dez a doze trabalhadores, uniformizados e com bonés para proteger o pescoço, empunhavam vassouras, ancinhos e pás. A maioria era de pessoas franzinas, que pareciam ainda menores por trabalharem curvadas, com os olhos fixos no chão. Uns varriam, outros recolhiam folhas secas, e havia aqueles que podavam arbustos despenteados. Dois ou três cuidavam dos cones laranja, desviando o trânsito conforme a equipe avançava.
O que mais me intrigou foi ver todo esse esforço acontecendo na hora do almoço, sob um sol escaldante e em meio ao caos do maior fluxo de carros. Não vi caminhão de apoio, garrafas de água, banheiro químico, nada. A imagem me lembrou aqueles filmes antigos, em que prisioneiros americanos cumprem trabalhos forçados, cabisbaixos e resignados. Sei que a comparação pode parecer exagerada, mas não pude evitar: eram trabalhadores expostos ao risco de atropelamento, sob um sol inclemente, sem água ou comida por perto.
Talvez haja alguma estrutura de apoio que eu não tenha visto, algo para minimizar o desconforto. Mas não seria mais sensato fazer essa varredura ao amanhecer ou à noite, quando o trânsito é mais leve e a temperatura, mais amena?
Parece que todo ano é a mesma coisa. A gente sabe que em pouco tempo as flores vão murchar, as faixas de pedestres vão desaparecendo, e aquele buraco, remendado às pressas, vai voltar a se abrir. Da mesma forma, em casa, o entusiasmo de janeiro vai se desgastando, as resoluções de ano novo perdem força, e a parede recém-pintada logo ganha as marcas dos móveis arrastados ou das crianças de mãos curiosas.
Seria bom se, ao menos, o respeito pela dignidade das pessoas fosse sempre renovado — esse, sim, deveria ser um retoque na esperança e um compromisso para todas as épocas.
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